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Poluída, Billings entra na conta para evitar colapso do abastecimento

Sabesp quer aumentar a captação na represa criada para a geração de energia e degradada por décadas de despejo de esgoto e produtos químicos

Por Mauricio Xavier
Atualizado em 1 jun 2017, 17h05 - Publicado em 30 jan 2015, 20h30
Represa Billings lixo
Represa Billings lixo (Mario Rodrigues/)
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Encravada desde a década de 20 na Zona Sul, entre São Paulo e São Bernardo do Campo, a Represa Billings surgiu com a reversão do curso do Rio Pinheiros, que até então fluía para o norte, em direção ao Tietê. Apesar da capacidade para abrigar 1,2 bilhão de metros cúbicos de água — mais que os 990 milhões do Sistema Cantareira —, sua função prioritária nunca foi o abastecimento da população, e sim a produção de energia elétrica. Ao aproveitar a queda livre de 700 metros da Serra do Mar, causada pela diferença de altitude entre a capital e o litoral, a represa move as turbinas da Usina Henry Borden, em Cubatão. Hoje, são gerados cerca de 7,5 metros cúbicos de água por segundo nessa operação. Para se ter uma ideia do volume, ele é similar ao que a Guarapiranga entrega atualmente ao sistema de abastecimento de água da região metropolitana.

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A Billings, tratada há noventa anos como “patinho feio”, mas hoje com dez vezes mais água que o Cantareira, surge como uma das boias de salvação para a maior crise hídrica da história do estado. Um plano anunciado há dez dias prevê o aumento considerável da presença da Billings em nossas torneiras. Com 106 quilômetros quadrados, a represa temhoje participação modesta no abastecimento em proporção a seu gigantismo. No total, atende cerca de 2,3 milhões de pessoas, um terço do abastecido pelo Cantareira. Do Braço Rio Grande são captados 5,5 metros cúbicos de água por segundo para o sistema homônimo; do Braço Taquacetuba, 2,2 metros cúbicos por segundo deságuam no Guarapiranga.

Arte Represa Billings
Arte Represa Billings ()

O projeto, ainda em estágio inicial, não tem previsão de custo e de prazo. A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) planeja atuar em três frentes (veja detalhes no mapa). A primeira delas é a interligação do Braço Rio Pequeno ao Rio Grande. O novo túnel, que deve ter cerca de 3 quilômetros, poderá produzirmais 2,2 metros cúbicos de água por segundo. O mesmo Rio Grande vai colaborar para a segunda ação: com uma ligação ao Sistema Alto Tietê, por meio da Represa Taiaçupeba, na região de Suzano, a 20 quilômetros de distância, proporcionará 4 metros cúbicos por segundo. A terceira obra consistirá em dobrar a entrega do Taquacetuba ao Guarapirangapara 4 metros cúbicos por segundo.

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Construir tubulações, porém, está longe de ser o maior desafio do projeto. A Billings recebe diariamente 800 toneladas de esgoto e 500 toneladas de lixo geradas por uma população de 2 milhões de pessoas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental. A proliferação de construções irregulares, sem tratamento sanitário, só piora a situação. Na semana passada, por exemplo, houve uma invasão de terrenos novos criados pela seca na região de Cidade Ademar. Além disso, quando chove demais na metrópole e oRio Pinheiros ameaça transbordar, parte de sua água (poluída por produtos químicos) é bombeada para a Billings. “O Braço Rio Grande é contaminado por mercúrio e o Taquacetuba apresenta acúmulo de metais pesados no fundo”, afirma o gestor ambiental Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental. Uma ação popular movida em2010 contra os governos estadual e municipal, a Sabesp, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) e a Empresa Metropolitana de Águas e Energia (Emae) pede o fim definitivo desse bombeamento. “Nós sabemos quando vem a água do Pinheiros porque aqui se enche de peixe morto boiando”, relata o advogado e ambientalista Virgílio Alcidesde Farias, membro do Movimento de Defesa da Vida do ABC, autor da ação e morador de Santo André.

Represa Billings lixo
Represa Billings lixo ()

A Sabesp alega dispor de tecnologia para transformar o líquido da Billings em bebida potável. “Em Israel, 70% da água consumida é de reúso, não há dificuldade alguma em limpá-la”, afirma o presidente da companhia, Jerson Kelman. A despoluição completa da área, que poderia levar até vinte anos, não está nos planos. Mas há iniciativas semelhantes bem-sucedidas em outros países. O Lago Erie, por exemplo, na fronteira entre os Estados Unidos e o Canadá, esteve em situação crítica nos anos 60 e hoje está plenamente recuperado. Limpa, a Billings poderia facilmente ocupar a liderança no abastecimento estadual, por se tratar do melhor ecossistema produtor de água da região. Em seus diasde glória, com a cobertura vegetal original, na década de 30, ela chegou a produzir 27 metros cúbicos por segundo, metade do consumo, hoje, da região metropolitana. “Trata-se de uma bomba natural: todo dia o vento sudoeste traz a água que evaporou do mar, a nuvem a esfria na serra por causa da floresta, ela se condensa e, então, chove”, explica Bocuhy. “Não há nada igual em nenhuma outra represa de São Paulo.”

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A operação Billings injetaria cerca de 8 metros cúbicos a mais de água no sistema, metade do que vem sendo retirado do combalido Cantareira, hoje com 5% de sua capacidade. Os números parecem promissores, mas esse reforço não será imediato. As novas obras na represa, assim como boa parte dos outros projetos de emergência para a crise hídrica, sóserão concluídas entre 2016 e 2018, na melhor das hipóteses. No pacote de socorro estão incluídas a construção do Sistema Produtor São Lourenço — que agregará 4,7 metros cúbicos de água por segundo no fim de 2017 — e a transposição do Rio Paraíba do Sul, no Rio de Janeiro, para o Sistema Cantareira — obra que trará mais 5 metros cúbicos por segundo a partir da metade de 2016.

Protesto Crise hídrica Palácio dos Bandeirantes
Protesto Crise hídrica Palácio dos Bandeirantes ()
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Enquanto nada disso fica pronto, resta à Sabesp concentrar-se na questão da economia. A principal aposta é apelar ao bom senso (e ao bolso) dos moradores da região metropolitana. Assim, além dos bônus para a redução de consumo, em vigor desde o ano passado — com desconto de 10% a 30% no valor da conta —, a companhia criou neste mês a multa de 100% na fatura caso o gasto aumente em mais de 20%. O consumo na região já é 25% inferior em relação à época pré-crise hídrica, só que a Sabesp quer mais. “Na Califórnia, outro estado assolado por uma grande estiagem, a população lava a louça em uma bacia, e não com água corrente”, afirma Kelman. “Este pode ser o momento para mudar nossa cultura.”

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Apontado como uma solução óbvia pelos especialistas, o controle de desperdícios no sistema, causados por vazamentos ou furtos na rede, hoje em torno de 31%, continua sendo um sonho distante. “Estamos atuando nessa área, mas existem 64 000 quilômetros de tubulações subterrâneas na Grande São Paulo. Esse processo vai demorar”, declara Kelman. Outra alternativa mais drástica começa a ser levada em conta. Apesar de garantir que não há intenção de implantar um rodízio, a Sabesp admite que pode ser forçada a adotá-lo caso a Agência Nacional de Águas (ANA) determine a redução da retirada de água dos sistemas, como vem fazendo continuamente nos últimos meses — a do Cantareira baixou de 33 para 16 metros cúbicos por segundo desde o início da crise. Mesmo sem um formato nem prazos definidos, o diretor Paulo Massato estimou na última terça (27) que, caso tal situação ocorra, alguns bairros poderão passar até cinco dias por semana sem água.

Arte chuvas sistemas Cantareira Alto Tietê Guarapiranga
Arte chuvas sistemas Cantareira Alto Tietê Guarapiranga ()

Para evitar esse rodízio severo, só com a ajuda de São Pedro. Em janeiro, cinco dos seis sistemas do estado receberam menos água do que a média histórica. Em alguns, como o Alto Cotia e o Alto Tietê, a variação negativa chegou a mais de 60%. Ou seja, o quadro atual supera o cenário mais pessimista projetado desde o início da crise.

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