“Fui colocado para fora, espero justiça”, afirma ex-produtor dos Racionais
Milton Sales, um dos idealizadores do grupo, foi de réu a vitorioso em processo movido por Mano Brown e demais integrantes
A vida do produtor musical Milton Sales, de 62 anos, é cheia de altos e baixos. No fim dos anos 80, trabalhou com cantores badalados de samba e forró, até conhecer um tal de DC Brown, no Largo São Bento, centro de São Paulo, uma espécie de marco zero do rap paulistano. DC Brown, ou Brown do Capão, em alusão ao bairro Capão Redondo, um dos mais pobres da Zona Sul, virou posteriormente Mano Brown, líder dos Racionais Mc´s. Assim que Sales o encontrou, juntamente com Ice Blue, levou a dupla para uma gravação de fita demo no edifício Copan. Lá estavam KL Jay e Edi Rock, ambos moradores da Zona Norte. E ali foi formado o embrião do maior grupo de hip hop do Brasil.
O declínio da vida de Milton Sales ocorreu a partir de 1998, após ele ser excluído da banda. A história exclusiva é contada em reportagem de capa da VEJA SÃO PAULO nesta semana.
Confira abaixo a entrevista que Sales concedeu no início de julho.
Qual seu papel na formação dos Racionais MC´s?
Eles não se conheciam. Apresentei o Mano ao Ice Blue e criei todo o projeto político dos Racionais. Toda a linha antissistema, contra a mídia, de pensamento. Apresentei a eles algumas gravadoras. Dei dinheiro, financiei ideias. Gastei muita grana para promovê-los. Até rádio pirata eu criei para tocar a música deles. A rádio alcançava da Bela Vista a São José dos Campos. Era um estouro.
Como se deu sua saída do grupo?
Começou um racha e falaram que a partir daquele momento, em 1998, eu não poderia mais fechar shows para eles. Meu trabalho se resumia à agenda. A partir daí eles passaram a tomar conta do caixa, sem me dar satisfação de nada. Fui colocado para fora.
O senhor nunca tentou contatá-los?
Tentei por vinte anos, mas nunca consegui falar com os quatro ao mesmo tempo. Eu chamava os quatro, mas aparecia só um. A resposta só foi dada por eles na Justiça.
Passou pela sua cabeça procurar a Justiça para oficializar sua saída da empresa?
Nunca quis bater no meu próprio corpo. Considero os Racionais parte do meu corpo. Como vou bater em mim mesmo? É como processar um filho. Eu nunca processaria um filho. Os Racionais são como um filho para mim. Mas nesse caso o filho deixou o pai passar fome. O Mano Brown alimenta muito mal a raiz. Um dia a copa da árvore tomba.
Como foi o evento na Favela do Moinho?
Eu estava lá lutando pelo direito da comunidade por uma terra, mas eles alegaram que eu virei nóia da Cracolândia. Subi com muita raiva no palco. Os Racionais não eram para estar lá. Mas ainda bem que eles foram e isso serviu de prova na Justiça. Os quatro mentiram, pois sabiam do meu paradeiro. Só desviavam do meu caminho para não pagarem o que me deviam. Estou sendo roubado até hoje por eles. Não adianta só colocar favela na foto, tem que aparecer sempre lá.
O que o senhor espera daqui para a frente?
Espero Justiça. Usaram a minha empresa irregularmente por muitos anos.