Asfalto Novo: vias entregues tem buracos e falta de sinalização
Ao custo de 550 milhões de reais, programa da prefeitura de recapeamento também está com obras atrasadas

Oito meses após seu início, o programa Asfalto Novo apresenta uma profusão de problemas. A ação de recapeamento de ruas e avenidas, desde abril sob a tutela de Bruno Covas, virou uma das vitrines da gestão do ex-prefeito João Doria. Há obras atrasadas, serviços incompletos e falhas como buracos, desníveis e falta de sinalização no asfalto.
O projeto promete renovar, até 2020, 400 quilômetros de vias com um orçamento de 550 milhões de reais — 70% desse valor provém da arrecadação com multas de trânsito, e o restante, do Tesouro municipal e de financiamento. Os anúncios da iniciativa em comerciais televisivos e nas redes sociais costumam ressaltar “a qualidade superior do asfalto, com cuidados em sua aplicação a fim de garantir maior durabilidade ao recapeamento, de quatro para oito anos”.
Para parte daqueles que moram ou trabalham na Estrada de Pirajussara, no Jardim Mitsutani, na Zona Sul, trata-se de propaganda enganosa. “Não passou nem uma semana da entrega do serviço e já apareceu um buracão”, reclama Daniel Oliveira, dono de uma mecânica no pedaço. Os 2 quilômetros recapeados em janeiro também não têm a sinalização que indica mão dupla. Além disso, três lombadas foram removidas. “Agora, mesmo com a proximidade de escolas, os carros circulam muito rapidamente”, preocupa-se a dona de casa Kaliane Dutra.

No início do mês, VEJA SÃO PAULO verificou as condições de algumas ruas na cidade onde o serviço estaria concluído. De acordo com a prefeitura, 53 vias encontravam-se prontas, em um total de 99,5 quilômetros de extensão, ao custo de 166,6 milhões de reais (quase 1,7 milhão de reais por quilômetro) — outras sessenta estão em obras.
A reportagem apurou problemas, como buracos e desníveis, em trabalhos na Zona Norte, como nas avenidas Bráz Leme e Engenheiro Caetano Álvares; na Zona Leste, na Avenida Marechal Tito; na Zona Sul, na Avenida Alto de Vila Pirajussara; e na Zona Oeste, nas ruas dos Pinheiros e Guaicurus.
Nessa última, existem partes da faixa de ônibus inacabadas e faltou terminar uma quadra até o Viaduto Comendador Elias Nagib Breim. O Tribunal de Contas do Município (TCM) também enviou técnicos para fiscalizar as avenidas Jabaquara e Nazaré, a Rua Colômbia e vias da Mooca, respectivamente nas zonas Sul, Oeste e Leste. A equipe apontou a necessidade de priorização da acessibilidade e de melhora no escoamento das águas pluviais e no nivelamento de tampões.

Segundo engenheiros da área, o asfalto na capital vive um círculo vicioso de falta de manutenção preventiva e de planejamento. “Vemos remendo em cima de remendo, sem comprometimento com a qualidade. Em trechos nos quais se deveriam colocar 15 centímetros de espessura de material, aplicam-se só 5 centímetros, porque assim dá para entregar mais quilômetros”, critica o professor José Leomar Fernandes, do Departamento de Engenharia de Transportes da USP. “Em alguns casos, como não são feitas as correções de drenagem e sarjeta, a água entra na estrutura e rompe tudo”, afirma a professora Patricia Barboza, da Escola de Engenharia do Mackenzie.

As questões não ficam restritas aos defeitos nas pistas. Existem projetos atrasados, caso das avenidas Bento Guelfi e Mateo Bei, na Zona Leste. As obras, iniciadas em novembro do ano passado, deveriam ter sido concluídas em março. Há cerca de um mês e meio comerciantes da Mateo Bei sofrem com um desnível de 15 centímetros ao longo de um trecho de 200 metros.
Demorou pouco para que um motoqueiro caísse e sofresse escoriações. Na Bento Guelfi, lojistas contam que faz dois meses que ninguém volta para concluir o serviço. “No pedaço em frente ao CEU Alto Alegre, já apareceu uma fissura enorme no asfalto”, diz Geilson da Costa, dono de um negócio de artigos para celular. A prefeitura também anunciou que faria, próximo dali, na Avenida Aricanduva, o recapeamento do intervalo entre as avenidas Rio das Pedras e Ragueb Chohfi, em um percurso de menos de 6 quilômetros, porém entregou apenas 1,3 quilômetro.
“Trata-se de um tipo de programa que costuma surgir em ano eleitoral, pois é fácil de executar, não tem muito planejamento prévio, mas traz grande visibilidade para quem passa na rua”, avalia o especialista em políticas públicas Eduardo Marques, do Centro de Estudos da Metrópole da USP.

Na gestão anterior, Fernando Haddad (PT) recapeou, no total, 386 quilômetros de vias a um custo de 260,6 milhões de reais. Gilberto Kassab (PSD), em seus quatro anos de governo, de 2009 a 2012, renovou 1 035 quilômetros a um custo de 462,7 milhões de reais. “Os 550 milhões de reais da gestão atual seriam mais bem aplicados em educação, saúde ou corredores de ônibus para melhorar a mobilidade da população”, acredita o professor de planejamento governamental Renato Eliseu Costa, da Fundação Escola de Sociologia e Política (confira no quadro acima o que daria para fazer com essa verba na capital).
A Secretaria das Prefeituras Regionais afirma que vem fazendo os ajustes e reparos necessários nas ruas que apresentam falhas. “Os problemas são pontuais”, rebate o secretário Marcos Penido. “O programa ainda está em curso e nossos técnicos estão verificando tudo.” Sobre as obras que deveriam ter sido entregues em março, ele explica que precisou alterar o cronograma para este mês devido a chuvas, intervenções das empresas Comgás e Sabesp, greve dos caminhoneiros e consertos mais profundos que demandaram troca da tecnologia empregada.
Em relação à qualidade dos trabalhos, a prefeitura se justifica dizendo que está usando uma mistura asfáltica do tipo SMA (do inglês stone matrix asphalt), com polímero e fibra, que é a mesma utilizada em países como Alemanha, Suécia e Inglaterra.
O mesmo dinheiro em outras áreas
O que daria para fazer com 550 milhões de reais na cidade
135 creches com capacidade para 200 crianças cada uma
7 hospitais com 200 leitos cada um
3 650 apartamentos de habitação social, pelo valor médio dos da Cohab