Neste ano, a mãe decidiu que iam montar um presépio, em vez da árvore de Natal. Os filhos, de 6 e 4 anos, não gostaram da novidade. Estavam acostumados com aquela árvore enfeitada de luzes, e bolas coloridas, e figuras, e papais noéis pequeninos, e renas, e fitas vermelhas, e algodão imitando neve, e ursinhos, e estrelas, e balas, e biscoitos de canela, e o melhor: aquele monte de presentes em embrulhos coloridos, debaixo da árvore.
A mãe garantiu que eles iam gostar e explicou como se fazia, como ia ser, qual era a idéia:
– O Natal é o dia em que Jesus nasceu, não é? O presépio é um teatrinho contando como foi antes, no dia e depois que ele nasceu. A gente monta o cenário, com a estrebaria, a montanha, o bosque, a estrada, as casinhas, e vai pondo cada dia as pessoas, os bichos e os personagens da história.
– Que pessoas?
– Ah, pessoas, trabalhadores, pastores. A mãe e o pai do menino, São José e Nossa Senhora. E anjo, pode ter um anjo. Carneirinhos, boizinhos, bezerrinhos, jumento, camelos. Um galo, que vai cantar à meia-noite: “Cristo nasceu!”. Pode ter um laguinho, com patinhos nadando. Na noite de Natal, a gente põe o menino Jesus no berço. Depois, no dia 6, o Dia de Reis, chegam os três reis magos trazendo presentes para o bebezinho.
– E os nossos presentes?
– A gente pode pôr em cima da mesinha redonda, ali do lado, e vai empilhando como se fosse uma pirâmide.
As crianças gostaram da idéia, atentas à palavra pirâmide, sinal de fartura.
No último dia de novembro, começou a função de compra do material e montagem. Estrutura de madeira, papel polvilhado de pó-de-pedra, musgo seco, ramos, flores de plástico, lago de água azulada com anil, bosque, figurantes, bichos…
Excitado com a montagem, no momento em que colocavam os bichos, o filho quis pôr seus dinossauros, os pequenos. A mãe não achou adequado, e ponderou sem muita convicção. A conversa chegou aos ouvidos do pai, liberal.
– Por que não? Tudo faz parte da criação, até os animais extintos.
Bicho por bicho, a filha se achou com o direito de pôr os dois poneizinhos de crina de náilon colorido, um lilás maravilha e um verde-limão. Passados uns dias, o filho teve a idéia de pôr alguns super-heróis. A mãe foi contra, achou falta de respeito. O pai do pai liberal apoiou o neto:
– Por que não? Só valem figuras copiadas da arte clássica?
Argumentou que ficaria um presépio meio pop, mas sacrílego não, de maneira nenhuma:
– Já viu presépio napolitano? A quantidade de figuras que tem? Lavadeiras, bodega, restaurante, tarantela, feira de rua, cachorro, porco, galinha, músicos, barbeiro, carpinteiro. Tem presépio com 500 figuras. Há pouco tempo teve até um com mulher pelada tomando banho no rio. Sério! Na Itália, hein?, ali ao lado do papa!
Bom. Entraram o Homem-Aranha agachado no alto do monte, o Quarteto Fantástico surgindo na curva da estrada, Jack Sparrow olhando ao longe pela luneta, a Cinderela sentada numa pedra do caminho, ao mesmo tempo em que a mãe acrescentava um gru-po de miniaturas de soldados romanos e o galo que ia cantar à meia-noite. No dia seguinte eles trouxeram o Barney, o Garibaldo, a Hello Kitty e o guloso Ursinho Pooh com seu pote de mel. A mãe olhava para eles, entre emocionada, divertida e encalacrada. Faltava pouquíssimo para o Natal. Hora de botar um limite.
– Agora chega, não entra mais nada!
– Só mais quatro, mãe! Argumentou a menina com ar maroto, de que a mãe não desconfiou na hora.
– Não senhora! Mais nada. Nãnaninanão!
– E a filha, vitoriosa na sua esperteza moleca:
– Falta o menino Jesus e os reis “magros”.
– Deram risada, as duas, cada uma por seu próprio motivo.