Colírios urbanos: os projetos inovadores de arquitetura na cidade
Depois de décadas de produção genérica, o mercado imobiliário começa a entregar prédios com perfil multiuso e grande impacto estético
O prefeito João Doria lamentou em certa ocasião o fato de a cidade de São Paulo, com PIB de 650,5 bilhões de reais e 464 anos de história, ter apenas o Masp e a Ponte Octávio Frias de Oliveira como ícones. Ignorou a existência do Martinelli (assinado por Vilmos Fillinger), do Itália (Franz Heep) e do Copan (Oscar Niemeyer).
Os prédios citados, muitos já sexagenários, reinaram sozinhos depois de décadas de construções genéricas ou sem estilo, produzidas pela linha de montagem do mercado imobiliário. Mesmo durante o esbanjamento da Copa do Mundo, houve escassez de bons projetos patrocinados pelo poder público.
Finalmente, São Paulo volta a ganhar cartões-postais, em que há preocupação com funcionalidade, relação com o entorno e materiais melhores. O principal exemplo desse novo legado estético é o Santos Augusta, batizado com esse nome por estar localizado na esquina de duas das vias mais importantes dos Jardins, vizinho ao Conjunto Nacional, joia modernista desenhada por David Libeskind.
O projeto, assinado por Isay Weinfeld, um dos arquitetos mais premiados do Brasil, concebeu um andar térreo completamente aberto, como se fosse uma extensão da rua. Dentro dele, há um bar e um café. Lembra um lobby de hotel de luxo. O edifício, de dezenove andares, compõe-se de quatro caixas superpostas — de tamanhos, texturas e alinhamentos diferentes.
Com os olhos voltados para os mínimos detalhes e a cabeça imersa em ideias de efeito, Weinfeld pensou em tudo para os 19 000 metros quadrados de área útil. “Fazer algo ao lado do Conjunto Nacional é um desafio e uma honra”, diz o arquiteto. “Os espaços abertos são um entendimento da cidade. Fico feliz de o proprietário ter compactuado com o desenho.”
Com investimento de 80 milhões de reais, o Santos Augusta nasceu de um sonho antigo do empresário Fernando Tchalian, de 45 anos. Ele é sócio, ao lado dos irmãos Fabio e Andrea, da incorporadora Reud. Enquanto o projeto vinha sendo concebido, o trio operou um estacionamento no local. A fundação do empreendimento começou em 2013. “Desde o início, meu pensamento estava em um prédio vivo, como a mais eclética das ruas paulistanas, a Augusta”, diz Tchalian. “Daí ser fundamental ter um teatro, um bar, um restaurante.”
O empresário foi atrás do restaurateur Fabrizio Tatini, herdeiro do italiano Tatini, inaugurado em 1954 e localizado na Rua Batataes, para convidá-lo a abrir uma filial. “Entrei como sócio no negócio, estamos escolhendo das toalhas ao mobiliário.” O mesmo vale para o teatro. A casa de espetáculos tem 230 assentos e um palco de 450 metros quadrados, com capacidade para trinta músicos. Emilio Kalil, ex-diretor do Teatro Municipal de São Paulo e do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, será responsável pela programação da casa.
“Busquei os melhores nomes do mercado, quero dar algo magnífico a São Paulo.” A finalização do Santos Augusta está prevista para março, e ele já tem como locatários a agência de modelos Way Model e a loja virtual de luxo Farfetch.
Nascido em família de imigrantes armênios e formado em economia na Faap, Fernando Tchalian detesta holofotes, adota um figurino sóbrio e passa parte de seu tempo livre garimpando móveis em sites como Mercado Livre e eBay. Ele se diz um arquiteto frustrado. Como boa parte de seus antepassados, sua família investiu no mercado de calçados. O clã abriu em 1991 a grife Capodarte. Ele era encarregado de desenhar alguns dos calçados, sem nunca ter estudado design ou moda.
O dinheiro ganho era investido na compra de imóveis. A marca foi vendida em 2007 ao grupo Paquetá, quando os irmãos criaram a Reud. Tratou-se de um novo passo para os Tchalian: em vez de comprarem, eles passariam a construir prédios. E não abandonaram o solado de vez, são donos da calçadista Prego, hoje com 24 lojas no Brasil. Ter bala na agulha dá o privilégio de investir em construção a longo prazo. “Não pensamos em lucro imediato.”
Para entender esse conceito, tome como exemplo o Mirador Oscar Freire, inaugurado em 2012 como uma espécie de laboratório da Reud. O prédio, projetado pelo escritório Triptyque na rua mais chique da capital, de quatro pavimentos, ficou anos com espaços vazios. “Recusei uma rede de fast-food por achar que não tinha nada a ver com o espaço.”
Fernando foi atrás do Grupo Chez, dono de restaurantes e baladas, para ali abrir o Chez Oscar. Ele também emprestou dinheiro à livraria Prince Books, instalada no térreo, para que os locatários tocassem um plano de negócios e conseguissem ter viabilidade. “Conversei pessoalmente com as editoras para obter boas tarifas”, conta Tchalian. Com livraria e café, mais gente passou a circular a pé naquela área. Hoje a Reud constrói outros dois edifícios nos Jardins, ambos residenciais, e tem um projeto de um complexo multiúso na Oscar Freire.
A incorporadora não está sozinha. Criada em 2005 com apenas três funcionários, a Idea!Zarvos já entregou trinta prédios ousados na capital e soma agora quarenta funcionários. A empresa virou sinônimo de design e deixou um legado na Vila Madalena, onde está concentrada sua maior área de atuação. “Convidamos arquitetos como Isay Weinfeld, Alvaro Puntoni e Gui Mattos, e demos carta branca para criarem. Existe uma demanda enorme de pessoas loucas para viver em condomínios lindos”, avalia Otavio Zarvos.
Dono da Vitacon, Alexandre Lafer Frankel adota o mesmo discurso. “Os prédios de design não têm estoque, vendem muito bem”, conta. Frankel explica que investir em profissionais renomados como Arthur Casas duplica o custo do projeto. “O metro quadrado passa para 10 000 reais, em média. Mas o retorno é certo.”
Sejam de classe média alta, sejam de alto padrão, os novos colírios urbanos têm vários aspectos em comum. Um deles é a integração com a rua. A
ausência de grades é quase unânime. “Não é uma negação à segurança e ao controle de acesso, mas uma valorização do bairro”, afirma Gabriela Coelho, sócia da Ink Incorporadora. Praças abertas, bicicletário público e lojas no térreo são outras características de alguns dos lançamentos que têm melhorado a paisagem urbana.
Ainda que esses imóveis sejam acessíveis a poucos bolsos, eles fazem diferença até para quem apenas passa. Por décadas, mesmo bairros exclusivos, como Vila Nova Conceição e Morumbi, não se tornaram atrações paulistanas justamente pela arquitetura muitas vezes genérica. Assim que foi tirado o tapume do Santos Augusta, pedestres começaram a fotografar a nova gentileza arquitetônica da capital. Até o prefeito vai concordar que o acervo da cidade não se resume mais ao Masp e à ponte estaiada.
Abaixo, confira alguns lançamentos do setor.
TETRYS POMPEIA, na Pompeia
Incorporadora: Ink Incorporadora
Projeto: FGMF Arquitetos
Entrega: segundo semestre de 2018
Diferenciais: praça no térreo, bicicletário público na calçada e alguns apartamentos com jardim
FORMA ITAIM, no Itaim Bibi
Incorporadora: Huma
Projeto: Fermín Vázquez
Entrega: 2017
Diferenciais: ausência de grades, elevador panorâmico e unidades disponíveis para locações de curta duração
POP MADALENA, na Vila Madalena
Incorporadora: Idea!Zarvos
Projeto: Andrade Morettin Arquitetos
Entrega: 2016
Diferenciais: uso misto, com lojas no andar térreo, e estudo de cores na fachada
AMOREIRA, no Jardim Prudência
Incorporadora: Moby
Projeto: Felipe Hsu e Lucas Bittar
Entrega: 2016
Diferenciais: conta com brise-soleil, ícone modernista utilizado para amenizar a luz solar e criação de banco na calçada
MÓDULO REBOUÇAS, em Pinheiros
Incorporadora: Idea!Zarvos
Projeto: Dal Pian Arquitetos
Entrega: 2016
Diferenciais: ausência de grades, jardim central e estudo de cores assinado por João Nitsche
VN FERREIRA LOBO, na Vila Olímpia
Incorporadora: Vitacon
Projeto: Studio Arthur Casas
Entrega: 2017
Diferenciais: lavanderia coletiva, espaço para coworking e bicicletas e carros compartilhados