Paulistanos já jogaram 5,2 toneladas de TVs “no lixo” em 2022
Número deve crescer com Copa do Mundo e novas exigências ambientais; oito em cada dez aparelhos contém itens químicos perigosos
Depois de duas tentativas frustradas de reparar uma pequena TV de LCD que tinha em sua casa, a redatora Marcela Silva, 40 anos, desistiu de consertar o aparelho e decidiu entregá-lo para uma cooperativa de reciclagem de produtos eletrônicos. “Substituí por outra que ganhei.” A TV da qual Marcela se livrou, que pesa pouco mais de 3 quilos, integra as mais de 5,2 toneladas de equipamentos desse tipo que foram “jogadas no lixo” por paulistanos em 2022. Os dados dos nove primeiros meses deste ano se aproximam dos de todo o ano passado, de 5,5 toneladas, e superam em 8,6% as 4,8 toneladas de TVs descartadas em 2020. O volume de aparelhos dos quais as pessoas se desvencilharam é 21% superior às 4,3 toneladas de geladeiras descartadas.
Os números são da Coopermiti, cooperativa conveniada com a prefeitura para receber o chamado lixo eletrônico na cidade de São Paulo. Embora não faça a mensuração da quantidade unitária dos equipamentos entregues, já que o critério é o peso, o dirigente da cooperativa, Alex Luiz Pereira, 51, afirma que mais aparelhos estão sendo descartados por paulistanos. “A quantidade de TVs recebidas está aumentando, mas não sei se de fato é pela Copa (do Qatar, entre novembro e dezembro deste ano). Como brasileiro deixa tudo para a última hora, pode ser que vejamos isso às vésperas”, disse. Tradicionalmente, anos de Copa alavancam a compra de novos televisores.
Oito em cada dez TVs que chegam ao galpão da cooperativa, que fica na Casa Verde, na Zona Norte da capital, são de televisores mais antigos, os CRTs, sigla pela qual é conhecida a “TV de tubo” (raios catódicos). Elas também são as mais potencialmente danosas ao meio ambiente, por conter elementos químicos como o bário, arsênio e chumbo, que, dependendo da concentração, podem ser altamente danosos à saúde humana e à natureza, pelo grande potencial de contaminação do lençol freático.
Com a retomada da economia, eventos como a própria Copa do Mundo e novas exigências de leis ambientais que estabelecem a logística reversa — que obriga as empresas que produzem eletroeletrônicos, elétricos e afins a reaproveitar ou fazer a destinação correta dos produtos —, a tendência é de aumento nesses descartes. “A gente resolveu entrar nesse mercado porque é um tipo de resíduo que só tende a aumentar, não vai diminuir”, afirma o engenheiro ambiental Daniel Hoelz, diretor e fundador da W3 Reversa, empresa criada em 2020 para receber lixo eletrônico. O que os responsáveis por esse tipo de material fazem é desmontar o item e separar tudo o que puder ser reaproveitado, de um parafuso a partes plásticas ou metálicas, e dar a destinação correta.
A Associação Brasileira de Reciclagem de Eletroeletrônicos e Eletrodomésticos (Abree) mantém na cidade 212 pontos de recebimento de resíduos eletrônicos e elétricos, segundo Helen Brito, 40, gerente de relações institucionais. Ela explica que a predominância de descarte da chamada linha verde (celulares, computadores e outros itens de informática) se explica pela vida útil desses produtos, menor que a de TVs (linha marrom), que tendem a ser trocadas com menos frequência pela durabilidade. “Muitos acabam doando (as TVs) e só as descartam no fim de sua vida útil”, diz.
Garimpador acha relíquias
Algumas peças destinadas aos pontos de entrega voluntária de lixo eletrônico são relíquias, tais como um fone de ouvido de 112 anos, com registro de produção de 1910. A lista inclui um telefone produzido na década de 40, uma câmera fotográfica de 1956 e um bobe elétrico, ainda em funcionamento. “Cada vez que a pessoa fala que já viu um objeto desses, pode acrescentar vinte anos na sua idade. Se já teve um, mais uns quarenta”, explica Flávio Flores Saldanha, técnico em museologia da Coopermiti, que até agora garimpou mais de 2 000 itens, alguns já expostos.