Antes que seja tarde: como dar novos usos ao patrimônio histórico
Incentivos, desburocratização e financiamento criativo são algumas das propostas de especialistas para tirar milhares de prédios do sono profundo
A comoção provocada pela destruição do Museu Nacional no Rio de Janeiro é um dos raros momentos em que a sociedade brasileira parece se dar conta da importância de seu patrimônio histórico. Tragédias assim, entretanto, têm efeito reduzido a médio prazo, em tempos de multiplicação de notícias ruins e distrações. Outro imóvel federal vitimado pelo descaso e reduzido às cinzas — a bela torre de vidro do Largo do Paissandu, que desmoronou em 1º de maio — causou indignação por limitadas semanas.
Na estreia da série de reportagens #SPmelhor, em que VEJA SÃO PAULO ouvirá especialistas para trazer propostas concretas para transformar a Pauliceia, são recomendadas alternativas para dar melhor uso — e vida — a prédios históricos, tombados ou não. Com ares de Roma, São Paulo tem 3 072 imóveis tombados pelas autoridades municipais. O Rio de Janeiro, com quase 200 anos como capital colonial, imperial e da República, conta com apenas 358 protegidos. Cerca de 75% desses bens selecionados pelo poder público pertencem a privados.
Para muitos, o tombamento é uma sentença de desvalorização: fica-se submetido à burocracia municipal para trocar uma janela ou instalar um ar-condicionado. Quando não se tomba, porém, até joias podem virar escombros em uma sociedade que só valoriza o passado sob o impacto de tragédias. Promessas feitas nesta semana insinuam que algo pode mudar. Vamos a elas.
Para reverter o prejuízo
O único incentivo legal na cidade para quem tem um imóvel tombado é a chamada Transferência do Direito de Construir. Com ela, o proprietário ganha um crédito imobiliário (equivalente a uma vez a área do terreno) que pode ser vendido a quem quiser construir metragens extras em outra região da capital.
Criada no Plano Diretor de 2014, é uma compensação financeira ao veto a novas construções em áreas tombadas. A medida, porém, reduzia a arrecadação da prefeitura com a “outorga onerosa” — quando o direito de erguer mais metros quadrados é comprado diretamente da prefeitura. A transferência é em média 30% mais barata que a outorga. Por isso, já em 2016, a nova Lei de Zoneamento impôs um teto ao benefício. Definiu um índice de correção para áreas grandes demais (como é o caso do Jockey Club) e vinculou o montante anual a apenas 5% da arrecadação municipal com a venda do seu estoque imobiliário.
A novidade fez com que o empresário Alexandre Allard, dono do tombado Hospital Matarazzo, perdesse uma cifra de 30 milhões de reais decorrente da redução do crédito de 27 000 metros quadrados para 5 000 metros quadrados. Consultora do empreendimento, um dos maiores investimentos privados em patrimônio histórico no país, a arquiteta Adriana Levisky lamenta a restrição.
“O vínculo com o dinamismo da economia matou o instrumento, principalmente na atual recessão.” O IPTU também desestimula quem empreende em áreas tombadas, pois o cálculo do imposto é maior quando existem edificações — ou seja, quem decide construir em um terreno vazio paga menos. O gasto se multiplica com a lentidão de licenciamento dos tombados. O imposto representou um dispêndio de 12 milhões de reais no Matarazzo desde 2010, quando o terreno foi adquirido.
“Os incentivos são para quem quer derrubar, e não preservar”, afirma Allard. O secretário de Cultura, André Sturm, anunciou a intenção de submeter até o fim do ano à Câmara um projeto de lei que isenta do IPTU todos os imóveis privados tombados pelo Conpresp. Um certificado de bom estado ou plano de manutenção será requerido. Segundo a secretaria, a medida representará um decréscimo de apenas 0,73% na arrecadação total com o imposto.
Como atrair a iniciativa privada
O governo do estado decidiu criar o primeiro fundo imobiliário público do Brasil, com uma carteira de 264 imóveis, a maioria deles no centro paulistano, como o antigo Banco de São Paulo, erguido entre 1935 e 1938. O prédio abriga hoje a Secretaria Estadual de Esportes e tem diversos andares pouco usados ou mesmo vazios. O saguão, em luxuoso estilo art déco, com alabastros, piso em mosaico e mesas em que os clientes aristocráticos assinavam seus cheques, está sem uso desde 2006.
Somente neste ano um gestor do fundo, orçado em 1 bilhão de reais em propriedades, foi escolhido, mas a chegada à bolsa de valores deve demorar outros dois anos. Ainda não se sabe como será o futuro uso desses imóveis. Em um período bem mais reduzido, Paris mostrou outro tipo de parceria público-privada.
Lançado em novembro de 2014 pela prefeita socialista Anne Hidalgo, o programa Reinventar Paris ofereceu à iniciativa privada 23 grandes propriedades municipais, de terrenos e prédios vazios a antigas estações de energia e estacionamentos. Os times concorrentes precisavam reunir incorporadores, investidores e arquitetos (a prefeitura queria avaliar também a qualidade do que seria erguido no lugar; não se limitar apenas à arrecadação).
O número impressionante de 372 propostas chegou à gestão parisiense, entre elas 76 foram selecionadas e a escolha foi selada no início de 2016 — a prefeitura arrecadou 600 milhões de euros com a aposta (2,89 bilhões de reais). Houve críticas aos projetos arquitetônicos, alegando que eles não eram tão vanguardistas e que apenas nomes já famosos tiveram vez. Acontece.
Mas a prefeitura gostou tanto do formato que convocou um segundo concurso parecido, com outros 34 imóveis públicos subutilizados, no ano passado (em ritmo acelerado, divulgou os vencedores no começo deste ano). Bom para os cofres municipais, para os investidores e para a paisagem urbana de uma cidade que continua a querer ser linda. Os primeiros resultados da iniciativa devem ser inaugurados no próximo semestre.
A tela que protege e patrocina
Barcelona criou sua lei “Cidade Limpa” mais de vinte anos antes de São Paulo. Mas foi bem mais esperta na hora de canalizar a publicidade represada pela proibição de outdoors. Quem patrocinasse o restauro de fachada de prédios históricos poderia utilizar a tela de proteção na obra para anunciar o feito. Assim, nascia a campanha Barcelona, Posa’t Guapa.
O então prefeito, Pasqual Maragall, convenceu os franceses da Chandon, que colocaram seus espumantes para competir com a indústria do cava catalão, a patrocinar a restauração de um magnífico hospital em estilo art nouveau. Na tela de proteção do prédio estava escrita a mensagem “Obrigado, Chandon, por deixar Barcelona mais bonita”. O prefeito assinou a parceria diante do hospital, dando ainda mais publicidade ao feito.
Seiscentos prédios históricos foram restaurados dessa forma. Anos depois, a prefeitura permitiu que as telas de proteção de outros canteiros de obras — em lugares mais visíveis, mas de prédios novos — pudessem receber essa publicidade, desde que os fundos bancassem o restauro de bens tombados em áreas menos atraentes para o marketing.
Nos últimos quinze anos, o Instituto de Paisagem Urbana da cidade reformou chafarizes e subsidiou até a retirada de aparelhos de ar-condicionado que comprometiam fachadas históricas. Boa parte do mundo copiou a ideia: até a Catedral de Milão, com 700 anos de história, recebeu propaganda da Samsung e da Versace enquanto esteve envelopada.
Em São Paulo, o Copan está coberto por diferentes telas desde 2014, quando o cachorro de um morador morreu em consequência da queda de pastilhas da fachada. Sem patrocinador, a reforma, estimada em mais de 20 milhões de reais, está parada por outro impasse. O síndico quer usar pastilhas de vidro chinesas, mais baratas, que, segundo os técnicos dos órgãos de preservação, alterariam o visual do edifício. São necessários 46 000 metros quadrados de pastilhas para recuperar a icônica obra de Oscar Niemeyer. Novos pontos de ônibus e até relógios de rua, supérfluos na era dos celulares, acabaram sendo priorizados pela prefeitura na última década para receber a publicidade represada pela Lei Cidade Limpa.
Muito além de criar museus
Nos tempos em que o apetite chinês pela soja e pelo ferro brasileiros inundou o país de dólares, governos sem muita criatividade queriam instalar um novo museu em cada construção histórica disponível (se haveria dinheiro depois para acervo, programação e manutenção, ninguém se preocupava muito com isso). Ainda hoje, diversos intelectuais, ignorando a atual crise fiscal, que causa cortes até em serviços fundamentais, também querem centros culturais sem pensar no orçamento.
A ideia de novos usos — e que sejam viáveis financeiramente — ganhou muita força na Europa dos últimos vinte anos (apesar da riqueza local, o custo das aposentadorias em sociedades que envelhecem rápido exige certa racionalidade). Na Alemanha, antigas siderúrgicas e armazéns estão sendo entregues sem culpa ao turismo e ao entretenimento, com restauros e reformas que mantêm o melhor do gigantismo dessas relíquias industriais.
Em Essen, o velho complexo Zollverein se tornou o maior polo turístico do Vale do Ruhr, com 1,5 milhão de visitantes por ano. Foram instalados ali de restaurantes a escolas de design, cinemas ao ar livre, e o recinto é alugado para eventos corporativos no verão. Na vizinha Duisburg, o parque construído nas ruínas da fábrica da Thyssen quis mexer o menos possível na arquitetura original. Com a destruição de paredes e anexos de escritório, os paredões da usina viraram até muros de escalada, e jardins foram colocados onde antes o ferro era fundido.
“A derrubada de galpões industriais nos anos 1990 a 2000 mostrou que estamos ainda muito distantes de um entendimento entre órgãos de preservação e as normas que regem os planos diretores”, aponta a arquiteta e urbanista Regina Meyer. “Na Mooca, os condomínios fechados relegaram as antigas chaminés a um papel decorativo apenas, um uso especulativo dos símbolos.” A falta de compreensão do valor arquitetônico das velhas construções foi desperdiçada por um mercado imobiliário muitas vezes ainda pouco sofisticado na hora de desenvolver seus projetos.
Matadouro reocupado aos poucos
Madri decidiu dar novos usos ao seu gigante Matadero — um complexo construído em 1911, que, ao longo de 85 anos, serviu como mercado de gado, matadouro e armazém de batatas na periferia da capital espanhola. Com 165 000 metros quadrados de extensão — ou quase doze vezes o tamanho do quarteirão que abriga o Conjunto Nacional, na Avenida Paulista —, começou a ser valorizado como grande espaço para as artes nos anos 90, quando antigos estábulos foram convertidos na sede do Balé Nacional da Espanha (uma versão bem mais rústica, por assim dizer, da adaptação da Estação Júlio Prestes para sediar a Osesp).
Em 2005, a prefeitura madrilenha aprovou um projeto que preservava a fachada dos armazéns e permitia a demolição de partes menos importantes nos interiores. As marcas do passado foram mantidas por diversos escritórios de arquitetura convidados a intervir.
“A ocupação foi gradual, sem pressa, não só por razões econômicas, mas para ir testando os diferentes prédios com o público em geral e os criadores que queríamos atrair. Fizemos ajustes sucessivos”, explica o arquiteto Carlos Baztán, ex-diretor de projetos culturais da prefeitura de Madri, que coordenou a gestão e reabilitação do espaço entre 2005 e 2012. “Nem convidamos um único grande arquiteto que resolvesse todas as questões. O lugar é coerente com a ideia de deixar muita gente diferente criar”, conta.
Financiados com dinheiro municipal, regional, nacional e privado, os armazéns abrigam de locais de shows, estúdios de cinema e restaurantes a incubadoras de startups — uma das sedes europeias do gigante de games PlayStation fica no complexo. Para facilitar a gestão, a prefeitura criou uma empresa mista, Madrid Arte y Cultura (MACsa), que permitiu contratar funcionários e arrecadar fundos de “forma mais ágil”, diz Baztán.
Gestão e visitação contra o descaso
O pós-incêndio do Museu da Língua Portuguesa parece bem diferente do que aguarda o Museu Nacional do Rio de Janeiro. Enquanto a reconstrução do museu carioca vai depender de verbas federais que chegam tarde (em momento de crise fiscal do governo) — e às mãos da polêmica gestão da UFRJ —, o museu paulistano é gerido por uma entidade privada sem fins lucrativos, o que facilita acordos com patrocinadores.
Sem as amarras da burocracia que exige licitação até para que se compre uma caneta, o museu, instalado na centenária Estação da Luz, deve ficar pronto no fim do ano que vem. O seguro da instituição está arcando com parte de sua reconstrução, que ainda tem como patrocinadora master a EDP, companhia portuguesa de energia (que desembolsou 20 milhões de reais, ou 26% da obra), mais os grupos Itaú e Globo, e a Sabesp. Já foram concluídos o restauro das fachadas e a colocação de esquadrias. Neste mês, começam as obras no interior do prédio e, em seguida, os trabalhos de instalação e organização de atrações e acervo.
A cobertura terá um novo café, com vista para o Parque da Luz (que corre o risco de ser chamado de rooftop, apesar da temática do museu). Como a recuperação parte do projeto original, dos arquitetos Paulo e Pedro Mendes da Rocha (pai e filho), agora tocado pelo filho, as aprovações foram mais rápidas. Pelo trauma causado pelo incêndio, o museu terá um novo sistema de chuveirinhos automáticos (os sprinklers, em outra licença ao idioma-mãe) no teto dos pavimentos. A cobertura foi reconstruída com madeira de grande espessura, que resiste por mais tempo ao fogo, e placas de zinco.
Até 2015, quando sofreu o sinistro, o Museu da Língua Portuguesa já havia se tornado um dos cinco mais visitados da cidade, com um público de quase 400 000 pessoas por ano. Para as maiores autoridades da área, sensibilizar a sociedade quanto ao patrimônio é fundamental — nada melhor que levar o cidadão para conhecer essa riqueza de perto.
Em 2015, a então presidente do Departamento do Patrimônio Histórico, Nadia Somekh, inspirou-se em uma iniciativa francesa e criou as Jornadas do Patrimônio, com palestras e visitas guiadas a diversos imóveis tombados, muitos dos quais não estão abertos ao público no resto do ano. No mês passado, 16 000 paulistanos participaram das atividades da última jornada.
Hoje, Nadia dirige o LAB Fábrica de Restauro do Bixiga, com apoio da Universidade Mackenzie. O tradicional bairro italiano é o mais protegido da cidade, com 901 bens tombados. Ela defende ainda mais divulgação. “Temos de desmistificar a ideia de que é mais barato demolir que reconstruir, inclusive do ponto de vista ambiental”, pondera.
Regime de exceção em Portugal
Foram apenas dois anos e meio entre burocracia, aprovação de projeto e obras de restauro para que o magnífico Palácio Chiado, em Lisboa, se tornasse um polo gastronômico. “Por ser um imóvel protegido e estar em área histórica, levou mais tempo”, diz o diretor Duarte Cardoso Pinto. “Foi uma obra não intrusiva. Quando sairmos, o Palácio (construído em 1781) poderá voltar facilmente ao original.”
Por baixo de pisos falsos, que imitam o verdadeiro, passam desde o ar-condicionado até detectores de inundação e incêndio, além de fiação e encanamento. Um elevador original de roldanas abriu espaço para um elevador de cargas pesadas. Qualquer brasileiro em visita a Portugal recentemente se surpreende com o boom de construções históricas adaptadas, que viram apartamentos, coworking, hotéis.
Em 2014, foi instituído um “regime excepcional e temporário de reabilitação urbana” para prédios com mais de trinta anos. Até 2021, os requisitos acústicos, de acessibilidade, de eficiência energética e térmica, e de instalação de gás, que se exigem para edifícios novos, foram flexibilizados. Só as normas técnicas de condições de segurança e salubridade são mantidas. Também foi oferecida a isenção do equivalente ao IPTU, o chamado IMI, por cinco anos, até a conclusão da reabilitação. No último ano, o número de imóveis reabilitados cresceu em 46%.
São Paulo finalmente começa a discutir a aceleração das decisões do seu conselho municipal. Nesta semana, o secretário de Cultura instituiu prazos máximos de dois e quatro meses para pedidos de intervenção e restauro, respectivamente (no passado, um pedido podia ficar sob análise por anos). Mas faltam técnicos e novos concursos, uma vez que diversos especialistas se aposentaram ultimamente. As reuniões do conselho municipal chegam a avaliar vinte projetos por sessão — os demais passam para o encontro na quinzena. No Rio de Janeiro, por exemplo, há reuniões semanais entre técnicos dos órgãos de preservação e suas respectivas secretarias, algo que ainda engatinha por aqui.
O árduo consenso entre segurança e preservação
Mais símbolo de um período áureo do teatro paulistano que uma joia arquitetônica em si, o vetusto prédio do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) viu-se em uma morosa disputa entre as exigências de segurança do Corpo de Bombeiros e a pauta preservacionista. Dos seis longos anos de aprovação do projeto de revitalização do teatro, metade foi consumida na discussão em torno da escada de emergência. O tombamento do edifício impedia sua localização na fachada. A opção de situá-la no interior também não agradava ao conselho estadual, pois alteraria a fachada (!!!) quando o teatro estivesse com as portas abertas (!). E assim o projeto peregrinou de repartição em repartição.
“O principal patrimônio do TBC não é material, é simbólico, e portanto o que mais o fere é permanecer fechado”, queixa-se o arquiteto Alberto Barbour, do escritório Urdi, responsável pelo restauro e adaptação do prédio. Exigências contraditórias entre diferentes órgãos são frequentes. É consenso que a defesa do patrimônio não pode estar acima dos requisitos de segurança.
Na Oca do Ibirapuera prevaleceu o bom-senso: os bombeiros aceitaram que os chuveirinhos fossem colocados nas laterais da cúpula para proteger a cobertura curva projetada por Oscar Niemeyer. Mas ainda não existem oficialmente reuniões periódicas entre bombeiros e órgãos de preservação, o que obriga os interessados no restauro ou retrofit à doce peregrinação entre as repartições públicas.
Uma parceria da prefeitura com universitários da Anhembi Morumbi deve racionalizar a digitalização de dados do que é ou não tombado (atualmente, a sopa de siglas confunde até os peritos especializados). Segundo Mariana Rolim, do DPH, a nova indexação vai permitir que os imóveis sejam classificados por bairro, tipologia, grau de preservação e estilo arquitetônico. “É uma ordenação inédita de dados qualitativos. Se identificamos que os bens industriais têm a pior conservação, podemos pensar em um edital específico.”
Retrofit versus papelada
O Palacete do Carmo, de propriedade da Igreja, está abandonado há vinte anos, apesar de se encontrar sob duplo tombamento (localiza-se na área envoltória do Solar da Marquesa, tombado em 1991, e foi para a lista dos bens protegidos em 2016). Não há planos para ele. No mercado imobiliário, a reforma e adaptação de prédios assim, tombados ou não, é conhecida como retrofit e ainda muito pouco usada em São Paulo.
O atual Código de Obras, implementado no ano passado, até avançou ao criar situações de anistia de regras para a modernização de imóveis construídos antes de 1992. Flexibilizaram-se exigências de recuos e novas saídas em prédios geminados, vantagens ainda não muito difundidas. Para especialistas, faltam outros mecanismos que facilitem a aquisição desses imóveis — travada por dívidas de IPTU ou trabalhistas, espólios sob disputas familiares, exigências de certidões e auditorias que afugentam qualquer comprador.
Essas questões cartoriais complicam o uso de dezenas de imóveis em Santa Ifigênia e no Bixiga. “Se houvesse anistia na regularização dos imóveis, muita coisa chegaria ao mercado”, diz Maxime Barkatz, sócio da incorporadora Ilion, que já fez o retrofit de seis edifícios não tombados em bairros como Bela Vista, Santa Cecília e Campos Elíseos. Ele transformou antigos hotéis e prédios de escritórios em residenciais com apartamentos pequenos para locação. Na venda, o metro quadrado saiu por 5 000 reais, contra 10 000 reais em imóveis novos.
Sua fórmula é mexer o menos possível nas plantas para ganhar tempo com os alvarás. “Precisamos ampliar o sentido de preservação como manutenção e promoção da vitalidade urbana”, afirma o arquiteto Washington Fajardo, que por anos dirigiu o Departamento de Patrimônio Histórico no Rio de Janeiro, recuperando diversos hotéis, lojas e novos residenciais no Centro e na área portuária. “É um absurdo perder um centro histórico por abandono. Não faz sentido investir milhões no restauro de uma igreja barroca e não apoiar com pouco um restaurante vizinho.”