Superlotados, pátios com carros apreendidos viram problema ambiental
Frota morta conta com mais de 30.000 veículos. Governo promete aliviar a situação com um leilão previsto para julho
Quase coberto pelo matagal, o Chevette não tem mais piso nem vidros nas janelas. A trepadeira que brotou abaixo dele, perto do freio de mão, ultrapassou o volante e o espelho lateral, praticamente alcançando o Gol vizinho. Pequenas flores roxas nascem na traseira de uma Brasília, que tem um buraco no lugar do porta-malas. Do Audi estacionado ao lado dela, não sobrou nenhum pneu. Esses veículos integram uma frota de mais de 30.000 carros abandonada há anos pelo poder público em depósitos particulares. Os modelos esquecidos nessa espécie de purgatório mecânico chegam lá pelas mãos de delegados. São veículos usados em roubos, assaltos, sequestros e outras ocorrências policiais. Depois de recuperados das mãos dos bandidos, ficam nos pátios esperando que seus donos venham retirá-los. Aí é que começa o drama. Muitos tiveram o chassi adulterado, o que faz da identificação um quebra-cabeça. Há vezes em que o proprietário não é encontrado. Em outros casos, o período em que o modelo foi usado por criminosos gerou um volume tão estratosférico de multas que ninguém se interessa em reavê-lo.
Parece apenas um capítulo curioso na farta relação de absurdos produzidos pela burocracia. Mas a situação vem causando problemas graves. “Essa frota que mofa a céu aberto já entupiu quarenta terrenos particulares”, diz o advogado especialista em direito de trânsito Maurício Januzzi. “É um desperdício absurdo.” Os carros poderiam “ressuscitar” por meio de leilões ou descer ao inferno de vez, transformados em sucata. Mas permanecem inertes enquanto vazamentos de óleo e combustível contaminam o solo e elevam o risco de incêndio. Se isso não bastasse, a água parada nas latarias atrai mosquitos e transforma esses locais em focos de dengue.
Os proprietários desses terrenos transformaram-se em fiéis depositários e, na base de um acordo informal, podem explorar o período de estadia dos veículos (uma diária custa 12 reais). Como ninguém aparece para reivindicar os automóveis, o negócio virou um mico tremendo para gente como a dona de casa Mette Von Leszna. Ela é proprietária de uma área de 38.000 metros quadrados na Zona Sul que foi transformada num depósito em 2007, sem o seu conhecimento, por um inquilino. A coisa virou uma bola de neve. Devido aos 402 carros acumulados ali, Mette começou a receber autuações seguidas da prefeitura por risco de vazamento de combustível e contaminação do lençol freático. A conta já chegou a 750.000 reais. “Ela não consegue se livrar dos veículos e as multas continuam chegando”, afirma seu advogado, Márcio de Oliveira.
Não muito longe fica o Pátio Santo Amaro, outro local bastante encrencado. No início do ano, os funcionários que cuidavam das 25.000 carcaças abandonadas na área foram demitidos, abrindo caminho para saques de peças (além de carros, o terreno abriga motos e quinquilharias como máquinas caça-níqueis).
Na hora de atribuir a responsabilidade pela situação, ocorre um jogo de empurra. Os donos das áreas reclamam de ter sido abandonados. “Exigem que tomemos conta desses carros, mas com que verba?”, questiona o funcionário de um dos depósitos, que pediu para não ser identificado. O governo, por sua vez, acusa os proprietários de transformar os locais em verdadeiros pontos de desmanche, vendendo ilegalmente as peças. A Secretaria de Segurança, responsável pela fiscalização do negócio, garante que existem inquéritos em andamento (sem precisar quantos) relacionados a essas supostas ilegalidades. Promete agir agora para resolver o problema, promovendo o primeiro leilão para ajudar a esvaziar os terrenos. “Deve sair até julho, e envolverá um lote de cerca de 16.000 modelos”, prevê o secretário adjunto Arnaldo Hossepian.
SEM USO NEM DESTINO
A situação dos carros apreendidos pela polícia:
40 pátios abrigam automóveis encaminhados pelas delegacias paulistanas
30.000 veículos estão retidos nesses terrenos. São carros e motos roubados, a maioria com chassi adulterado, o que dificulta sua identificação
16.000 deles aguardam ordem judicial para ir a leilão. O primeiro está previsto para ocorrer até julho
2.500 reais é o valor médio do lance inicial para arrematar esses veículos
750.000 reais é o total das multas ambientais recebidas pela proprietária de um dos terrenos por suspeita de vazamento de óleo e combustível e contaminação do lençol freático