Fechado há sete anos, parque na Vila Leopoldina pode reabrir em 2022
Equipamento homenageia Orlando Villas-Bôas; família do indigenista guarda acervo histórico com mais de mil peças de diversas etnias em casa do bairro
Desde os anos 1990, a aposentada Glaucia Prata, 65, sonha em ter um parque na área verde que fica a poucos metros da casa onde mora, na Vila Leopoldina, Zona Oeste da capital. Por algum tempo, o desejo virou realidade: inaugurado pela prefeitura em 2010, ao custo de 4,5 milhões de reais, o Parque Leopoldina Orlando Villas-Bôas funcionou até 2015. Fechou por suspeitas de que o solo estivesse contaminado. “Eu era jovem quando a novela começou”, brinca Glaucia, que fundou o movimento pela construção do espaço. A prefeitura promete reabri-lo no segundo semestre, mas o caso não é simples.
O parque, administrado pela prefeitura, surgiu graças a um acordo entre o município e a Sabesp, que é controlada pelo governo estadual. O plano original era que ocupasse apenas uma área municipal de 38 000 metros quadrados. Mas o equipamento acabou instalado em uma área vizinha, de 55 000 metros quadrados, que pertence à empresa de água e saneamento. Isso porque o espaço da prefeitura tinha um problema: no passado, ele foi utilizado por uma usina de compostagem, que operou de 1974 até 2004 e tinha capacidade de produção de 800 toneladas de adubo por dia.
Foi aberto com quadras de futebol, tênis, pista de caminhada, playgrounds e uma ciclovia. À época da inauguração, o então prefeito Gilberto Kassab (PSD) e o ex-governador José Serra (PSDB) chegaram a prometer que seria expandido para 268 000 metros quadrados, agregando uma outra área não utilizada da Sabesp, onde funcionou uma antiga estação de tratamento de esgoto (veja no mapa). A ideia não foi para a frente. Em 2015, o Leopoldina Orlando Villas-Bôas acabou fechado pela Justiça, a pedido do Ministério Público Estadual (MPE), que suspeitava que o solo estivesse contaminado pelas antigas atividades no entorno — a compostagem e o tratamento de esgoto. Posteriormente, a Cetesb concluiu que os 55 000 metros quadrados que viraram parque não sofreram com os rejeitos.
Sem uso e zeladoria, porém, o espaço ficou degradado. A reportagem sobrevoou o local, fechado à visitas: ao menos uma das quadras e o gramado de futebol estão longe das condições ideais. O MPE passou a exigir da prefeitura a reforma dos equipamentos para que o parque fosse reaberto. Em 2020, as obras começaram, orçadas em 1,8 milhão de reais. Devem terminar em abril.
De acordo com a gestão Ricardo Nunes (MDB), são executadas “benfeitorias em áreas administrativas, em espaços de lazer como academia ao ar livre e em equipamentos de esporte, como as quadras”. O plano é reabri-lo no mesmo terreno da primeira inauguração, de 55 000 metros quadrados. E, em algum momento, revitalizar a área municipal vizinha. Segundo a prefeitura, integrar esse anexo custaria 23 milhões de reais, um plano que não tem data para acontecer.
“Um novo contrato de manejo e conservação do local terá início em 1º de abril, que contribuirá para deixar o parque em condições de ser reaberto”, diz a prefeitura. Procurada, a Sabesp diz que tem interesse em ceder o espaço definitivamente ao município. O MPE terá de aprovar as obras para liberar o uso. Sete anos após o fechamento, a situação ainda tem incertezas. “O parque faz falta”, diz Gilberto Geron, 48, que jogava futebol ali com um time amador, o Botafogo da Vila Leopoldina. “Vejo essa floresta e fico sonhando…”, acrescenta a professora Vivian Blaso, 45, também moradora do pedaço. Ela e a jornalista Alexandra Swerts, 50, representam a sociedade civil no conselho gestor do parque. “Quando cheguei ao bairro, ainda existia a tal usina de compostagem”, lembra Alexandra. “Era um cheiro absurdo, fedia dia e noite”, completa.
A HISTÓRIA DOS VILLAS-BÔAS
A homenagem a Orlando Villas-Bôas (1914-2002) no nome do parque não é sem razão. Desde 1987, a família do indigenista vive em uma casa na Vila Leopoldina, em uma tranquila rua residencial da região. “Meu pai participou do movimento pela criação do parque”, lembra Noel Villas-Bôas, 46, o filho caçula.
Orlando, ao lado dos irmãos Cláudio e Leonardo, mapeou diversas etnias indígenas da região de Mato Grosso e Pará, nos anos 40, na histórica expedição Rocandor-Xingu. A herança material do monumental trabalho do clã está guardada na casa onde ainda mora a família. “É uma coleção de mais de 1200 itens de artesanato indígena de dezesseis etnias”, diz Noel. São flechas, cumbucas, colares, panelas, bastões de guerra e diversos outros tipos de artefatos.
Também estão ali milhares de páginas escritas a mão por Orlando, assim como os diários da expedição e fotos e cartas trocadas pelo patriarca com o marechal Cândido Rondon e outras autoridades. Quem cuida do tesouro é Noel. Ele conta que já recebeu propostas de instituições interessadas no acervo. Nenhuma agradou completamente à família, que busca um museu que exponha e conserve a coleção. “Infelizmente já perdi diversas peças para pragas”, lamenta o caçula, atualmente o responsável pela coordenação de povos indígenas da Secretaria Municipal de Direitos Humanos.