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Pai se acorrenta na Paulista por tratamento de filho no exterior

Samuel Soares dos Santos, de 1 ano e 4 meses, sofre de síndrome que envolve uma série de malformações no intestino, bexiga e estômago

Por Adriana Farias
Atualizado em 6 abr 2017, 19h54 - Publicado em 6 abr 2017, 11h38
O carpinteiro José Elezoardo Gomes Soares, de 26 anos: ficará acorrentado até Justiça permitir que filho faça tratamento no exterior (Veja SP/Veja SP)
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O carpinteiro José Elezoardo Gomes Soares, de 26 anos, tomou uma atitude extrema ao se acorrentar nas escadarias do prédio da Justiça Federal, na Avenida Paulista, desde a manhã de quarta-feira (5). O ato de desespero ocorreu após parecer da União, que representa o Ministério da Saúde, negar a transferência e o pagamento dos custos do tratamento do filho dele em Miami, nos Estados Unidos. Com 1 ano e 4 meses de idade, Samuel Soares dos Santos sofre de uma doença rara, a síndrome de borden, que foi diagnosticada assim que ele nasceu. A doença provoca uma série de malformações no intestino, bexiga e estômago. Para ter chance de sobreviver, Samuel necessita de um transplante multivisceral e está inscrito na lista de espera há um mês. O parecer serve para balizar a decisão final da Justiça, que ainda não foi proferida.

“Estamos correndo contra o tempo. A expectativa de vida de crianças que nascem com essa doença é muito baixa e por isso fiz essa loucura”, disse o pai à reportagem de VEJA SÃO PAULO, erguendo cartazes com os dizeres “até que ponto crianças vão continuar morrendo” e “população, ajude o meu filho a viver”. “Não vou me desacorrentar até que meu filho receba o devido tratamento e o juiz decida o quanto antes a nosso favor”.

Soares e a esposa Joseli Alves dos Santos, 34, caixa de loja, são moradores do bairro Jardim Ângela, na Zona Sul, e abandonaram seus empregos para cuidar do bebê. Sobrevivem com a ajuda de familiares e amigos. Eles criaram no Facebook a página Ajude o Guerreiro Samuel , na qual pedem auxílio e relatam a luta diária pela sobrevivência da criança.

O parecer que nega o tratamento no exterior, datado de 6 de março, é assinado pela advogada Flavia Piscetta de Sousa Lima, que representa a União, e diz que “com a estimativa de um milhão de dólares para o tratamento de uma pessoa, 6.878 poderiam ser salvos no Brasil”. “Eu me senti um lixo ao ler isso, ao ver essa comparação. Em 2015 eles autorizaram a ida da Sofia [Gonçalves de Lacerda] para os Estados Unidos. A gente queria ter o mesmo direito”, relata. A bebê de 1 ano e oito meses sofria da mesma síndrome e passou por um transplante de cinco órgãos, mas morreu após cinco meses por causa de uma bactéria no pulmão. O caso provocou comoção no país. O Ministério da Saúde desembolsou 4,4 milhões de reais no procedimento.

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Os pais José Elezoardo Gomes Soares e Joseli Alves dos Santos, com o filho Samuel: o casal abandonou os empregos para se dedicar à criança (Veja São Paulo/Veja SP)
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No mesmo documento, a advogada da União explica ainda: “Dos três pacientes encaminhados ao hospital de Miami [Jackson Memorial Hospital], um faleceu, outro está em estado crítico e outro nem sequer teve condições de se submeter a qualquer procedimento”. VEJA SÃO PAULO consultou o médico Rodrigo Vianna, principal especialista brasileiro em transplante multivisceral do Jackson Memorial Hospital, para onde os pais querem encaminhar Samuel. Ele disse que a informação da União não procede, a não ser a do caso da morte de Sofia, e enviou à reportagem uma lista pública de quatro transplantes pediátricos bem-sucedidos do tipo em pacientes brasileiros que continuam saudáveis. “Somos o maior centro do mundo em procedimentos do tipo, fazendo 25 casos dessa complexidade por ano, com taxa de sobrevida de 83%, e tempo de espera na fila de seis meses para se conseguir os órgãos”, diz.

O processo – A batalha da família começou em 2016, quando a mesma entrou com uma ação judicial pedindo ajuda do Ministério da Saúde para cuidar do filho. Um acordo judicial foi assinado e decidiu-se que o garoto seria transferido do Hospital São Paulo, na capital paulistana, para o Hospital das Clínicas de Porto Alegre, que dispõe de um centro de excelência em reabilitação intestinal. Após oito meses de tratamento, a criança recebeu alta e retornou para casa para evitar infecções hospitalares que já fizeram com que perdesse três das seis veias principais do corpo humano. Para realizar com sucesso o transplante ela precisa ter no mínimo duas veias em bom estado.

Samuel não come desde que nasceu – em vez disso, faz uso da alimentação parenteral. Ou seja, recebe os nutrientes diretamente na circulação sistêmica por meio de um cateter instalado numa veia do coração, sem necessitar do intestino. Dessa forma, defeca e urina apenas por meio de duas conexões criadas cirurgicamente, uma delas entre a bexiga urinária e a pele da barriga.

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Em fevereiro deste ano, a advogada voluntária da família, Paula Roberta de Morais Silva, entrou com um pedido de reconsideração da ação por identificar um descumprimento do acordo judicial. “Nesse tempo todo a criança ficou saindo e voltando do hospital umas quatro vezes, não teve o tratamento adequado e recebeu apenas 4.500 reais de ajuda”, diz. “Diante disso, a única solução que vemos é a transferência para o exterior”.

A União discorda. “O acordo previa a transferência da criança e custeio de hospedagem e alimentação de seus acompanhantes e isto foi cumprido. A União não assumiu o compromisso de sucesso no tratamento”, diz o parecer da advogada Flavia Piscetta de Sousa Lima. A avaliação do Ministério Público Federal vai na mesma linha dizendo houve um trabalho de reabilitação intestinal da criança e a família, inclusive, aceitou o tratamento no Brasil e não há justa causa para retificação do acordo.

“A nutrição parenteral pode prolongar a vida de Samuel, só que o prognóstico de longo prazo para quem tem essa síndrome é reservado se não for feito o transplante”, argumenta o especialista do Jackson Memorial Hospital, Rodrigo Vianna.

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No Brasil, a realização do transplante multivisceral foi aprovada em 2011 com os hospitais Albert Einstein e o das Clínicas da USP; em  2016, o Sírio Libanês também tornou-se apto. Porém, não há relato de transplantes pediátricos do tipo no país. A reportagem levantou essa questão com o Ministério da Saúde e também perguntou porque Samuel foi transferido para Porto Alegre se já existiam opções em São Paulo.

O órgão respondeu que “realiza acompanhamento de dezenas de crianças e proporciona a reabilitação intestinal (tratamento prévio ao transplante que pode, inclusive, evitá-lo), e outros tratamentos correlatos”. “É importante esclarecer que o transplante multivisceral é o último estágio de tratamento e somente pode ser considerado quando todas as demais terapias prévias e tratamentos possíveis falharem, por se tratar do procedimento de maior complexidade – uma vez que envolve vários órgãos – e pelos riscos que pode trazer ao paciente se não for feito o devido preparo antes”, diz o Ministério da Saúde, em nota.

“Cabe destacar ainda que o paciente foi transferido para um centro especializado em Porto Alegre com elevada experiência no âmbito de reabilitação intestinal para preparo de um eventual transplante, o que inclui, por exemplo, necessidade de estabilização clínica, ganho de peso e real confirmação da necessidade do procedimento”.

Enquanto isso, José continua acorrentado clamando por Samuel. “O que um pai é capaz de fazer por um filho?”.

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