Os bastidores e detalhes exclusivos da recuperação de Eduardo Suplicy
Politico comemora a remissão de um linfoma, fala de cannabis medicinal e planeja o retorno de sua cruzada pelo renda básica
Não é sempre que o deputado estadual Eduardo Matarazzo Suplicy, 83, eleito em 2022 com 807 000 votos, é lembrado pelo cargo público que exerce atualmente. Nas ruas, é frequentemente chamado de senador e vereador, postos que também ocupou — esteve no Senado entre 1991 e 2015 e na Câmara Municipal de 1989 a 1991 e entre 2017 e 2023 —, mas também de “o pai do Supla”, de “seu Eduardo” ou apenas de “Suplicy”.
Um dos mais longevos e respeitados políticos da atualidade, o paulistano, pai de três filhos, avô de sete netos e autor do renda básica (projeto que prevê pagamento periódico a todos os necessitados sem regras de elegibilidade), acaba de comemorar uma grande vitória.
Após quatro meses de um duro tratamento contra um câncer linfático, Suplicy está curado. “Quando eu soube do diagnóstico, falei para os meus três filhos que faria de tudo para ficar bom e eles me animaram. Eles viajam bastante, mas conseguiram coordenar os passos de tal maneira a me deixar sempre com a companhia de pelo menos um deles”, afirma Suplicy à Vejinha. “A casa está sempre cheia”, diz.
Apesar da comemorada remissão do linfoma, Suplicy ainda precisará passar por mais uma sessão de imunoterapia, procedimento ao qual foi submetido outras três vezes, sempre acompanhado de quimioterapia, agora não mais necessária.
O câncer linfático de Suplicy foi descoberto em julho passado. Ao voltar de uma viagem à Costa Rica com Mônica Dallari, sua namorada e assessora, ele percebeu o aumento de gânglios na região do pescoço. Durante uma consulta com seu médico geriatra, Nelson Carvalhaes, foi informado da existência do linfoma. O anúncio foi acompanhado por seus três filhos, Supla, André e João, que participavam da consulta por videoconferência.
Desde então, a medicação ministrada causou efeitos colaterais que o levaram ao hospital três vezes para ser internado. Mas não foi só. Nos últimos quatro meses, o deputado contraiu covid-19, pneumonia e nasovírus, além de tratar a doença de Parkinson há cerca de dois anos.
“O Suplicy sempre foi muito saudável, se alimentou bem, fez exercícios a vida toda. Isso ajudou muito na sua recuperação, juntamente com a Cannabis, que ele já vinha tomando. Quando descobriu o linfoma, ele estava muito bem, com os tremores controlados, mas a notícia foi um tsunâmi. Ele sofreu muito, de ficar gemendo, com muita tosse, emagreceu. Mas saiu dessa muito antes do esperado”, diz Mônica.
A apresentação do tratamento com Cannabis a Eduardo Suplicy ocorreu logo depois do diagnóstico de Parkinson, quando conheceu a pesquisadora Maria Aparecida Felício de Carvalho, cuja filha, Clárian, a Cacá, possui a síndrome de Dravet, uma doença genética rara caracterizada por crises epiléticas. Cidinha, como é conhecida, fundou a Cultive — Associação de Cannabis e Saúde.
Ela foi a primeira mãe paulista a obter autorização judicial para plantar maconha medicinal. “Fui à casa da Cidinha e vi a plantação, que não é grande. Ali conheci o seu trabalho e vi que ela não ajuda apenas a filha, mas centenas ou talvez milhares de pessoas”, afirma Suplicy, até então um mero espectador da utilização medicinal da Cannabis, tendo conhecido, também, a Associação Flor da Vida, em Franca, no interior do estado.
Em julho de 2023, cerca de oito meses depois do diagnóstico de Parkinson, Suplicy começou a tomar as primeiras doses de óleo de Cannabis. Atualmente ele ingere quinze gotas por dia, divididas em três vezes. As dores musculares e os tremores característicos da doença praticamente sumiram.
No entanto, depois do diagnóstico do linfoma, Suplicy precisou suspender o uso do óleo, em razão de episódios de enjoos e vômitos.
Nesse momento, entrou em sua vida a massoterapeuta Ligia Rodrigues Spedaletti, 27. “Quando a imunidade dele baixou, devido à químio, começamos a repor o óleo diretamente na pele, por meio de massagens (com um creme desenvolvido pela empresa Flor da Vida). Ele estava ansioso e conseguimos também trabalhar o reequilíbrio das emoções”, conta Ligia, que comemora o resultado das massagens, presentes até o momento.
Enquanto se recupera e faz exercícios três vezes por semana em uma praça em frente à sua casa, no Jardim Paulistano, Eduardo Suplicy prepara seu retorno presencial aos trabalhos. Isso quer dizer que não é apenas a sua atuação legislativa que deverá voltar ao curso normal de sua vida, como ocorre desde o dia 15 de março de 1979, data em que assumiu seu primeiro mandato, justamente como deputado estadual por São Paulo.
“Preciso estar bem até 12 de dezembro, data em que irei a Brasília para a reunião do grupo de trabalho criado para tratar da implementação do renda básica universal”, diz o político, que planeja viagens Brasil e mundo afora, também para tratar do programa. Uma das primeiras será para fazer uma palestra no Quênia, na África, ainda sem data marcada.
O tema é sua principal obsessão. Transformado em lei na primeira gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2004, o projeto, criado em 1991, nunca foi regulamentado. “Com o número crescente de robôs, os automóveis que não mais serão dirigidos por motoristas, além das modificações que estamos vendo no mercado de trabalho, precisamos considerar mais e mais conceitos como o da renda básica universal”, diz Suplicy, que se considera um homem sonhador.
A estátua de Dom Quixote, exposta sobre pilhas de papel em seu escritório de casa, não está ali por acaso.
Em 2008, na tribuna do Senado, o então senador comentou um artigo intitulado A Cruzada do Quixote Suplicy, segundo o qual seu projeto de renda básica universal não é levado a sério nem mesmo entre seus pares do PT, partido que ajudou a fundar e ao qual segue filiado até hoje. “Dom Quixote, em verdade, fazia batalhas extraordinárias, mas sempre vendo algo que era imaginário. E, por essa razão, acabou se tornando um lutador por algo que era impossível de ser alcançado. Era como se fossem fantasmas que estavam à sua frente e que ele os via”, disse o ex-senador na ocasião.
Agora, à Vejinha, Suplicy diz que não vai desistir. “Cada dia percebo que aumenta o apoio à proposta. Assim como Dom Quixote, é bom insistir sempre”, afirma. Se nos gabinetes de Brasília Suplicy ainda não encontrou meios de regulamentar sua lei, em casa, o “pai” do renda básica universal não encontra barreiras, nem nos almoços de domingo, em que habitualmente reúne filhos e netos.
“Vejo no renda básica uma razão de existência para meu pai, dono de uma vocação de querer melhorar a vida das pessoas. Isso é muito inerente a ele. Até nossas viagens em família, quando éramos mais jovens, sempre tiveram algum viés social e político. Nunca fomos para a Disney, por exemplo”, diz o músico João Suplicy, o caçula, que faz coro com seus dois irmãos.
“É a missão dele”, reafirma o advogado André Suplicy, o do meio. Já o filho mais velho se recorda de presenciar, dezenas de vezes, o telefone de casa tocar de madrugada e Suplicy sair para resolver alguma questão. “Estava rolando treta e lá estava meu pai para ajudar”, lembra o cantor Supla.
Em meio a tantos desafios físicos e políticos, Suplicy pensa em viver até os 105 anos, como sua mãe, falecida em 2013. Por ora, evita falar em concorrer a novo mandato, em 2026, quando terá 85 anos. “Quero ampliar meus esforços para que mais e mais pessoas venham a abraçar a causa de como construir uma sociedade civilizada e justa, prosseguindo com a realização de palestras nas mais diversas entidades e me colocando à disposição do (próximo) presidente, que, espero, seja o Lula e do PT”, prevê.
Eduardo Suplicy não desiste.
Publicado em VEJA São Paulo de 29 de novembro de 2024, edição nº 2921