Ocupações artísticas invadem o centro de São Paulo
Coletivos como BaixoCentro e Estúdio Lâmina promovem eventos gratuitos que misturam baladas, piqueniques e performances ao ar livre
Quem for passar pelo centro de São Paulo nos próximos dias pode sentir a movimentação diferente que vai durar até domingo, dia 14. Trata-se de uma série de manifestações artísticas acontecendo nas calçadas, grupos assistindo a filmes exibidos em praças, músicos espalhados por diversos lugares e, consequentemente, multidões que dançam, cantam e conversam ao redor das atrações. Tudo em locais abertos e de livre circulação (confira a programação).
Estes eventos fazem parte do Festival BaixoCentro, do coletivo independente homônimo que começou sua segunda edição nesta sexta (5). Com o mote “As ruas são para dança”, o grupo reuniu 503 atrações que estarão acontecem simultaneamente em dez pontos entre os bairros de Santa Cecília, Luz, República, Vila Buarque e Barra Funda. “A nossa ideia é trazer a população para a rua, especialmente a do bairro, e movimentar os espaços públicos. Fazer a integração dos vizinhos e conhecer mais pessoas”, diz Georgia Nicolau, uma das colaboradoras.
O coletivo nasceu na metade de 2011, em Santa Cecília, com a intenção de ocupar praças e locais abandonados com o intuito de revitalizar o espaço com atividades culturais para a população. “Não podemos continuar em uma cidade que não dá para sentar na praça, que o poeta não pode recitar sua obra em público”, diz Georgia. A primeira edição do festival aconteceu em março do ano passado e teve a mesma forma de arrecadação: um crowndfounding (sistema de contribuição voluntária virtual) hospedado no site Catarse para levantar fundos para a estrutura necessária para as atrações. Este ano, o grupo bateu a meta de 62 000 reais arrecadados até quatro dias antes do festival. No primeiro dia de evento, o montante somava 72 000 reais que devem ser revertidos integralmente para as atrações, gratuitas.
Com cerca de 50 pessoas ativas (o grupo é aberto para qualquer um que quiser participar e a lista de integrantes têm mais de 300 nomes), o festival levou mais de um mês para ser organizado e exigiu dos colaboradores uma séries de reuniões e festas para a arrecadação de verba. “Não temos hierarquia, por isso tudo é conversado e cada um ajuda como pode”, conta Georgia. Assim, quem é designer pode, por exemplo, criar a identidade visual, tem aqueles que sugerem artistas e tipos de eventos. Tudo na base do voluntariado. “Fazemos porque acreditamos que a cidade merece ser aproveitada. Quero poder sentar numa praça e curtir a tarde ouvindo música, lendo um livro. Hoje é praticamente impossível”, diz Georgia.
Mesmo não tendo hierarquia, para produzir o evento de forma mais organizada e segura, os envolvidos lançaram uma cartilha de “como dançar”. No link, disponível no site, eles fazem algumas recomendações e explicam alguns direitos reservados ao cidadão como a própria manifestação artística, protegida pela lei. E lembram que para serem respeitados, também precisam seguir regras, como não obstruir ruas e dançar apenas na calçada ou em praças. “Resistência a algumas ordens policiais pode ser considerada ‘crime de resistência’. Responder bravo ou xingar um policial é cana na certa. Converse. E dance!”, diz uma das recomendações.
O mesmo espírito libertário de ocupação do espaço público inspirou a festa Voodoohop, encabeçada pelo alemão Thomas Haferlach e francesa Laurence Trille. Thomas conta que quando chegou em São Paulo se identificou muito com o caos da cidade e não entendia por que as pessoas preferiam pagar caro para entrar em uma balada, quando as ruas poderiam servir como ambiente. Frequentava o Bar do Netão, boteco de portas abertas recentemente fechado na rua Augusta, quando teve a ideia de criar a balada itinerante que traz, além de música, performances artísticas.
No início, era realizada apenas uma vez por mês, com venda antecipada do ingresso (feita por meio do site) e o endereço e horário divulgados poucas horas antes do evento. O mistério despertou curiosidade e logo foi necessário encontrar espaços maiores e uma regularidade na programação. O Minhocão (Elevado Costa e Silva), no centro, foi o ambiente escolhido e, desde o mês passado, eles promovem as baladas nas tardes de domingo. “Não entendia porque as pessoas preferiam pagar caríssimo, enfrentar filas e ficar em lugares escuros, sem poder sair. Não queria isso”, conta Thomas. “Os prédios do centro são lindos e devem ser preservados”, diz ele, que conta com uma equipe de catorze pessoas fixas, todas voluntárias, na montagem dos eventos.
Há pouco mais de um ano, o centro também passou a abrigar o coletivo de artistas do Estúdio Lâmina. Instalados em um andar de um dos prédios da avenida São João, próximo ao Vale do Anhangabaú, o espaço serve de concentração de artistas que saem para explorar ruas e avenidas. No ano passado, saiu de lá a performance de Raurício Barbosa, As Margens do Centro, em que pintava pessoas diante de muros até que elas “desaparecessem” camufladas nas cores.
“A primeira tentativa foi na Luz, mas policiais não permitiram que nós teminássemos”, diz Jade Rainho, uma das artistas do coletivo e que foi pintada por Raurício. “Tivemos que sair dali. Apesar de estarmos no nosso direito, fomos para outro ponto do centro”, conta. O resultado hoje pode ser visto em pôsteres pendurados em uma das salas do estúdio. O local também hospedará eventos do BaixoCentro. “Os coletivos se unem porque buscam a mesma coisa: deixar o centro mais vivo e mais bonito”, diz Jade.
Badalação fora do convencional
Foi numa tentativa de também fugir dos locais badalados e trazer o público para a região central da cidade que o promoter Emmanuel Vilar levou para o antigo prédio da Lega Italica, na Praça Almeida Júnior, na Liberdade, a festa Javali. “De repente, as baladas já não correspondiam ao meu perfil e por isso, decidi explorar os lugares fora do convencional. O centro tem muitos espaços para serem usados e estão aí, abandonados”, diz. A festa, que começou como uma reunião de amigos cansados dos mesmos clubes, acabou ganhando proporções maiores, com uma edição por mês sempre com ingressos esgotados.
Numa roda de amigos também surguiu o coletivo Barulho.org, grupo de músicos que já participou da Voodoohop, que mescla espaços públicos e privados. “Conversamos com donos de estabelecimentos para usar a estrutura deles e fazer a movimentação gratuita”, diz Piero Falgetano, um dos organizadores. “Começamos com uma vaquinha para comprar as caixas de som, que eram ligadas a um disc-man. Hoje, já organizamos festas maiores, com bandas e DJs e artistas como grafiteiros e a turma do teatro, que também acompanha a gente”, conta.
Para seguir essa turma, é preciso estar ligado nas programações, muitas vezes divulgadas apenas nos sites e grupos em redes sociais. VEJA SÃO PAULO.COM destacou alguns dos eventos que acontecerão durante a semana no festival BaixoCentro. O próprio grupo adverte, no entanto, que datas e locais estão sujeitas a alterações, devido a chuvas e outros imprevistos. Confira a programação completa pelo página do Facebook da organização ou por aqui.
DOMINGO (14/04)
Palco de Cinema (Esquina da Rua Helvétia com a Avenida São João)
18h: Cinóia
14h: Oficina de Pandeiro Ylu Brasil – aula aberta de pandeiro
Desfile de blocos de rua
15h: Lelê de Oyá – maracatu e afoxé
16h: Viemos do Egyto
17h: Jegue Elétrico
18h: Coro de Carcarás- maracatu, dança e parangolés
20h: Ilú Oba de Min – tambores negros e dança dos orixás
Das 15h às 22h, na altura da Marechal
Recomendação: levar piscinas infláveis, tambores, tecidos, churrasqueiras. Os pick-ups são comandados por Piero Chiaretti, Urubu, Thomash (organizador da Voodoohop), Volatiluz, Calefação Tropicanos, Jardim Elétrico, entre outros. Show de Angela Carneosso e os Bacanais.