Obras paradas na Vila São Francisco causam prejuízos milionários a dezenas de pessoas
Empreendimentos da incorporadora Ekko ao redor de um campo de golfe foram barrados pela Justiça
Imagine morar diante de um campo de golfe com cerca de 350 000 metros quadrados (o triplo do Parque da Aclimação) de área majoritariamente verde, planejada, com muitas aves e a promessa da tão sonhada “vista eterna”.
Foi em busca desse sonho que centenas de pessoas embarcaram, desde 2022, em projetos da incorporadora Ekko na Vila São Francisco, na divisa de São Paulo com Osasco.
Na área interna do São Francisco Golf Club, construído pelo conde Matarazzo há quase 100 anos, serão erguidas, segundo o plano original, quinze a vinte torres com mais de trinta andares cada, com lançamentos escalonados nos próximos vinte anos. Nas ruas em volta, outros dez edifícios, todos virados para o campo. No final, eles somam mais de 3 000 moradias.
A empreitada, porém, esbarra em duas ações civis públicas (movidas pelo Ministério Público) e uma ação popular, originada por uma associação de moradores local. Os questionamentos do MP e dos vizinhos, que culminaram em paralisação das obras (e dos cortes de árvores, mesmo com compensação ambiental), da publicidade e das vendas dos imóveis, versam tanto em relação às licenças e autorizações emitidas pelo poder público quanto pela necessidade de preservação arbórea e histórica da área — o Condephaat (conselho estadual de defesa do patrimônio histórico, arqueológico, artístico e turístico) também recebeu e analisa um pedido de tombamento do Golf Club.
Enquanto as ações emperram a construção, quem adquiriu um imóvel na planta amarga sérios prejuízos e também busca seus direitos no Judiciário.
Nas últimas semanas, a reportagem de Vejinha localizou mais de quarenta processos que tramitam na Justiça paulista, cujo valor total das ações passa de 30 milhões de reais. “Comprei um apartamento em 2022 e no ano seguinte fiquei sabendo dos questionamentos. A obra já tinha iniciado, mas hoje parece um esqueleto”, afirma a gerente de projetos Luciana Paulino de Jesus, que sonhava viver no edifício Canto da Mata, de frente para o verde. “É uma loucura, pois meu plano foi destruído. O apartamento tinha a planta que eu sonhava, o tamanho que eu imaginava, a vista dos meus sonhos. Não havia bloqueio, eu iria ver a lua da sacada.”
No último mês, Luciana obteve uma vitória na Justiça, com o distrato e o fim das parcelas pendentes, além de receber todo o dinheiro investido desde a compra, cerca de 160 000 reais, acrescidos de juros e correção monetária.
Em outro empreendimento, o Reserva Golf Residence, um casal que pagou 1 milhão de reais de entrada e parcelaria outros 2 milhões de reais em cerca de três anos pretendia se mudar em julho de 2025, mas o plano está cada vez mais distante devido às obras paradas há um ano e meio.
À Justiça, os compradores pedem a devolução integral do valor pago, além de uma multa contratual de 10%. Como resposta, os advogados da Ekko, na ação, afirmaram que a empresa não possui culpa pela situação. “Ora, quem em sã consciência celebra um contrato de compra e venda de imóvel no valor de quase 3,1 milhões de reais e sequer adota minimamente as diligências que lhe incumbiriam?”, questionam os defensores da Ekko. Há três meses, a empresa foi condenada a devolver o montante investido, dissolver o contrato e pagar a multa de 10% para cada comprador. Cabe recurso.
Procurada, a Ekko afirma, em nota, que “está em contato constante com os clientes, procurando oferecer alternativas e, em sendo o caso, indenizá-los”. Além disso, a empresa diz que as vendas de todos os empreendimentos do Golf Club e do entorno estão suspensas.
Enquanto isso, os periquitões-maracanã, pica-paus e outras aves que frequentam o local aproveitam o sossego do lar.
Publicado em VEJA São Paulo de 20 de setembro de 2024, edição nº 2911.