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O drama de Chiquinho Scarpa na UTI do Sírio Libanês

Ex-playboy luta pela vida depois de desobedecer os médicos na recuperação da cirurgia de redução do estômago

Por Alvaro Leme e Maria Paola de Salvo
Atualizado em 6 dez 2016, 09h09 - Publicado em 18 set 2009, 20h27

Ele seguia os três mandamentos proibidos aos ricos e finos de berço: ostentar, esbanjar e aparecer. Exibicionista precocemente antenado com a era das celebridades vulgares, Chiquinho Scarpa acostumou-se a ilustrar colunas sociais e tudo o mais que aparecesse ao lado de mulherões, carrões e aumentativos afins. Seu nome sempre foi precedido da designação, no caso dele imprecisa, de playboy. No mês passado, aos 57 anos, mergulhou numa batalha contra forças tremendas. Mais uma vez, sob o signo do exagero. Depois de uma cirurgia de redução de estômago para perder peso, ingeriu 5 litros de água e suco. Um dos pontos da cirurgia estourou e o líquido vazou para a cavidade abdominal, provocando uma peritonite – infecção na membrana que reveste os órgãos internos. Chegou à beira da morte ao Hospital Sírio-Libanês, com infecção generalizada e sinais de falência no fígado, no pâncreas e nos rins. Para se ter uma ideia da gravidade: a quantidade de glóbulos brancos de uma pessoa saudável oscila entre 7 000 e 10 000 células de defesa por milímetro cúbico de sangue, número que sobe para cerca de 15 000 se o corpo está sob ataque de micro-organismos típicos das infecções. Chiquinho tinha apenas 1 600 dessas células. Os médicos chegaram a estimar suas chances de sobrevivência em apenas 10%. Até a última quinta, depois de quatro complicadas cirurgias para limpeza da cavidade abdominal, permanecia na Unidade de Terapia Intensiva, sedado e sob o efeito de antibióticos como vancomicina, um dos mais potentes exterminadores de bactérias. “Acre-ditamos que, em dez dias, ele estará recuperado”, repetia sua mãe, Patsy, a quem buscava informações sobre o estado do filho. Ao conversar com pessoas mais íntimas, porém, ela se mostrava preocupada e temerosa.

O drama do clã Scarpa teve início em 20 de abril, cinco dias depois de Chiquinho se submeter à redução do estômago, tecnicamente chamada cirurgia bariátrica. Sua médica, Paula Volpe, escolheu o método de Scopinaro, utilizado em cerca de 5% dos pacientes brasileiros que fazem redução de estômago (veja o quadro). É considerada a técnica que mais diminui peso e menos representa risco de engordar novamente. A capacidade do estômago foi reduzida de 1,5 litro para 400 mililitros. Liberado um dia após a operação, Chiquinho voltou para casa com instruções de seguir à risca um rigoroso ritual pós-operatório. Nos primeiros dez dias, a dieta deveria limitar-se a líquidos pouco calóricos, ingeridos ao ritmo de 30 mililitros, o equivalente a um copinho de café, a cada meia hora. Estava armado o desastre. Como obrigar alguém que jamais deixou de satisfazer as próprias vontades, por mais exageradas que fossem, a seguir uma rotina espartana? “Infelizmente, ele é sem limites como um adolescente de 15 anos”, diz a atriz Gigi Monteiro, uma ex-namorada. Diante da mulher, Rosimari, o convalescente até maneirava. Mas bastava ela virar as costas para que bebesse água e suco em doses muito acima do permitido. Outro traço da personalidade de Chiquinho contribuiu para as complicações médicas: a teimosia. Apesar de ter começado a vomitar e passar mal, relutou em voltar ao hospital. “Ninguém o segura quando ele quer alguma coisa”, diz o cirurgião vascular Roberto Tullii, um de seus amigos mais próximos.

Chiquinho decidiu recorrer ao bisturi para emagrecer no ano passado. Uma de suas irmãs, Fátima, havia perdido cerca de 50 quilos graças a um procedimento que a deixara com somente 30 mililitros de estômago. Em guerra com a balança, ele chegou a ter 110 quilos. Peregrinou por consultórios de especialistas em cirurgias do tipo queixando-se de dificuldade para dormir, dores nas articulações e refluxo provocados pelo excesso de peso. O impacto maior, contudo, não foi físico. Ver a silhueta ganhar volume no espelho é desagradável para qualquer um, mas teve efeito devastador em um homem tão vaidoso. Metrossexual muito antes que se falasse no assunto, Chiquinho recebia cabeleireiro e manicure em casa toda semana. Também deixava visíveis, até em excesso, a maquiagem e as intervenções estéticas. Nos últimos tempos, as camisas passaram do colarinho 3 para o 5. As calças pularam do tamanho 44, em 1996, para o 54, em 2009. Seu índice de massa corporal (IMC), que mostra a razão entre o peso e a altura de uma pessoa, beirava os 40 – 25 é o limite considerado saudável para adultos. “Ele já era obeso mórbido”, afirma Antonio Luiz de Vasconcellos Macedo, cirurgião que operou Fátima Scarpa e colunáveis como o fotógrafo Fabrizio Fasano Junior e o publicitário Nizan Guanaes.

Devido ao excesso de peso, o sempre exibicionista Chiquinho decidiu o que pareceria inimaginável em outras eras: abrir mão de aparecer em programas de televisão e badalar em eventos. “Ele recusava quase todos os convites”, diz a promoter e amiga Alicinha Cavalcanti. Ingressou, assim, no clássico e pernicioso ciclo: ficava deprimido por não sair mais, descontava a ansiedade na comida e acabava ganhando mais peso. Trocava o dia pela noite, jantando em plena madrugada e indo dormir às 7 da manhã. Pouco lembrava o personagem que protagonizou momentos históricos em casas noturnas idem, como o Gallery, nas décadas de 70 e 80. Num deles, leiloou todas as roupas da atriz Matilde Mastrangi – caso que terminou com intervenção da Polícia Federal. Outra de suas tiradas foi presentear um amigo recém-separado com uma mulher que saiu de uma caixa vestindo nada além de uma faixa de “Parabéns a Você”. Mantinha um fichário onde anotava dados sobre as mulheres com quem saía. Em papéis cor-de-rosa, além do nome e da idade, escrevia as circunstâncias em que haviam se conhecido e se tinham feito sexo – como pedra de toque, conferia nota a cada uma delas. Arranjou confusão com a família real de Mônaco após dar a entender, numa entrevista ao colunista Ibrahim Sued, que havia conhecido intimamente a princesa Caroline. Foi processado por representantes legais da família no Brasil e obrigado a se retratar publicamente. Mais tarde, na década de 90, virou alvo de vereadores de São Paulo e do Rio de Janeiro por declarar que ganhara de um amigo um escravo, no Marrocos, e que tinha em casa uma criação de anões – de verdade – que deixava em seu jardim.

Além do excesso de peso, Chiquinho sofria por uma terrível perda familiar. Em 15 de maio do ano passado, um de seus sobrinhos, Andrey, morreu num acidente de trânsito aos 24 anos. “Eles eram muito apegados”, conta Tullii. O estado de ânimo do playboy aposentado já estava abalado desde o escandaloso processo de separação de Carola de Oliveira, a primeira namorada que conseguiu demovê-lo da convicção de permanecer solteiro. Contrariando os apelos de sua família, Chiquinho casou-se com ela na Igreja Nossa Senhora do Brasil, em 1998, num evento – que outra palavra? – transmitido em dois telões e com ampla cobertura da imprensa. Separaram-se nove meses mais tarde, numa sucessão de vexames e constrangimentos que incluíram participações dela em programas popularescos e discussões sobre seu passado profissional. Sem jamais conseguir provar, Carola espalhava que ele a havia traído com dois homens – em algumas versões, trocou os personagens por dois travestis. Proibido por seus advogados de comentar o caso, Chiquinho descarregava a ansiedade na comida. Na época, engordou 26 quilos. Procurada por VEJA SÃO PAULO, Carola, hoje baseada em Natal, no Rio Grande do Norte, preferiu não comentar o estado do ex. “Desejo sua pronta recuperação, mas não fazemos mais parte da vida um do outro”, afirmou ela, que saiu do casório-relâmpago sem direito a pensão alimentícia, obrigada a voltar a usar o nome de solteira e a arcar com as custas e os honorários da ação, fixados então em 5 000 reais.

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“Ele nunca se recuperou completamente daquela mulher”, diz a empresária Lilian Gonçalves, dona de um dos points frequentados pelo playboy, o extinto Viva Maria, em Santa Cecília. Ali ele conheceu sua segunda mulher, a gaúcha Rosimari Bosenbecker, que trabalhava como hostess da casa noturna. A bela loira é 4 centímetros mais alta que Chiquinho e 21 anos mais nova. Subiram ao altar em 2007 e continuaram morando com os pais dele na propriedade da Praça Nicolau Scarpa (seu avô), no Jardim América. São, na verdade, três casas num mesmo terreno, de 6 000 metros quadrados. Numa, mora a caçula, Renata. Em outra, a irmã do meio, Fátima. Chiquinho, Rosi e os pais dele habitam o casarão principal, com uma coleção de obras de arte que inclui um Picasso dos anos 60 avaliado em 1 milhão de dólares.

Filho de um imigrante que enriqueceu como industrial, o pai de Chiquinho, Francisco Scarpa, atualmente com 99 anos, chegou a ter 23 fazendas, usinas de açúcar, inúmeros negócios imobiliários e a cervejaria Caracu. O título de conde teria sido herdado de um tataravô. A família ainda conserva loteamentos e terrenos no interior do estado. Até três anos atrás, o patriarca dava expediente em seu escritório, num edifício próprio na Avenida Paulista. Chiquinho também tinha uma sala por lá. Mas só aparecia de vez em quando. Trabalhar mesmo, não trabalhava. Ficou conhecido do grande público após estrear, no início da década de 70, como jurado do programa de Flávio Cavalcanti. Passou pelo programa do Chacrinha e participou, interpretando a si mesmo, da novela Ninho da Serpente, da Rede Bandeirantes. Também fez uma aparição em Vereda Tropical, da Globo. Foi assim que virou uma espécie de paródia de rico. Fumava charuto, jogava golfe e mandava bordar o brasão da família até nas roupas de baixo. Quando se hospedava em hotéis, levava adesivos com o tal brasão para colar nos produtos de higiene que iria usar. “Ele sempre soube rir de si mesmo”, lembra Gigi Monteiro. “Mas por trás do personagem há um cavalheiro que, de tão gentil, chega a ser mal interpretado.”

Redução drástica, disciplina espartana

Entre as quatro técnicas de redução de estômago, a cirurgia de Scopinaro, feita por Chiquinho Scarpa, é a que mais induz à drástica perda de peso, necessária em casos de obesidade mórbida. Seu risco de morte é de cerca de 1%. Outra desvantagem é o perigo de desnutrição, já que o organismo passa a absorver menos nutrientes. Entenda abaixo como a cirurgia é feita:

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1. O estômago é cortado e sua capacidade reduzida de cerca de 1,5 litro para 400 mililitros.

2. O intestino delgado, com aproximadamente 8 metros de comprimento, é dividido em dois. Ligada ao estômago fica uma parte com 2,5 metros. A ideia é encurtar o caminho do alimento e, assim, diminuir a absorção e, consequentemente, o peso.

3. Para que o corpo não absorva todos os nutrientes e calorias, o alimento só encontrará os sucos digestivos num pequeno segmento de 50 a 100 centímetros do intestino delgado. O alimento não absorvido é eliminado pelo processo normal, o que provoca diarreia.

Fontes: Antonio Luiz de Vasconcellos Macedo e Luiz Vicente Berti, cirurgiões gástricos

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