Depois de muitos anos, realizei meu desejo de visitar Portugal. Planejei uma viagem tranquila, relaxada, sem a obrigação de palmilhar cada centímetro do país às pressas. Mas é espantoso como as pessoas insistem em dar palpite. Nas semanas anteriores, todo mundo me oferecia dicas. Ruas, restaurantes, museus, eu não podia perder nada! Já me sentia exausto ao anotar os endereços. Meu primo avisou:
– Se você não comer pastel de belém na casa mourisca perto da torre, não terá conhecido Portugal.
Fui à Torre de Belém em um dia frio. Ventava. Subi escadas, olhei o mar, fiz fotos. Desci. Rodei a cabeça: cadê os pastéis?
– Em dez ou vinte minutos o senhor chega – indicou uma senhora simpática (aliás, o povo português é sempre muito agradável).
Caminhei com o vento batendo no rosto. Atravessei avenidas. Jardins. Finalmente, cheguei. Ao me sentar, estava pronto para devorar um leitão! Tive de me contentar com os pastéis doces. Tinha outro compromisso, indicado por um amigo.
– Você tem de ver o corpo de Santo Antônio. A língua permanece intacta!
Nunca desdenho um milagre. Fui de ônibus até uma praça. Olhei o mapa. A igreja localizava-se a alguns quarteirões. Só havia um detalhe: as ruas eram praticamente verticais! Meu pulmão quase saiu pela boca na primeira quadra! Resolvi ir até o fim. “A língua de Santo Antônio merece o sacrifício” – refleti. Entrei na catedral. Esperei terminar a missa. Procurei o santo. Cadê? Perguntei a um senhor. Não sabia.
Estranhei. Como um local desconheceria tal relíquia? Continuei à procura. Se via alguém rezando, ajoelhava-me do lado, pensando que fosse a língua. Uma mulher varria a frente do altar. Fui até ela.
– Mas o corpo de Santo Antônio está em Pádua, na Itália! – surpreendeu-se.
Fiquei pasmo. Era palpite errado!
Fui ao hotel descansar. Uma amiga ligou de São Paulo.
– Vá ao Bairro Alto.
– Estou torto de tanto andar!
– Se não for, não terá visto Lisboa.
Chuviscava. Com o cachecol enrolado no queixo, fui até um teleférico. Desembarquei no Bairro Alto, conhecido pela vida noturna. Mais subidas e descidas, que venci fustigado pelo vento e pela chuvinha fina. Suspirei aliviado ao entrar em uma casa de fado.
– Tem reserva?
Não tinha. Mas ir a Portugal e não ouvir fado? Depois de uma hora, fui espremido em uma mesa atrás de uma coluna. Ouvi a cantora em meio ao tilintar dos talheres dos outros turistas. Naquela noite, declarei a independência. Adeus, palpites! Minha prima telefonou:
– Você tem de ver o Castelo dos Templários!
– Não, não tenho. Vim passear, não cumprir promessa.
Desfrutei só o que tinha vontade: fui a restaurantes e castelos, passeei pelas ruas ao acaso. Nem em São Paulo conheço tudo! Muita gente adora dar dicas sobre o exterior, mas nunca foi ao Museu de Arte Sacra, por exemplo.
Lá pelas tantas, entrei em uma ruazinha com três lindas casas antigas. Só uma ruazinha. Olhei o nome: Beco do Sal.
Volta e meia encontro alguém que me criva de perguntas, só para mostrar que viu mais que eu:
– Conheceu isso? E aquilo?
Se digo que não, ouço:
– Não aproveitou a viagem!
Respondo:
– E você, conheceu o Beco do Sal?
Recebo um olhar espantado:
– Não… quer dizer… já ouvi falar.
– Então você não viu Lisboa! – garanto.
Muita gente gosta de afirmar que tudo o que faz é melhor. O Beco do Sal é meu curinga para encerrar a conversa. E mostrar sutilmente que cada experiência de viagem é única, e por isso inesquecível.