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“Nunes fez o que a esquerda não fez: dar a caneta a uma negra”, diz Aline Torres

Formada na base do PSDB e ligada a movimentos negros e feministas, a nova secretária de Cultura promete pagar R$ 38 mi a projetos da periferia em 2021

Por Pedro Carvalho
Atualizado em 27 Maio 2024, 19h38 - Publicado em 3 set 2021, 06h00
aline torres de terno vermelho sorrindo para a foto nas escadas do edifício da secretaria de cultura. ela está se apoiando com a mão direita no corrimão da escada
Primeiros dias de Aline Torres no gabinete da secretaria de Cultura: pós-graduação na USP, foco em gestão e prioridade para editais voltados a áreas carentes (Leo Martins/Veja SP)
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Cria de Pirituba, na Zona Norte, Aline Torres passou dezessete anos — metade da própria idade, 35 — no PSDB Jovem. Virou tucana mirim após conhecer Geraldo Alckmin na fila de um programa social do governo. Saiu do partido em março de 2020, infeliz com a guinada conservadora que a liderança de João Doria parecia anunciar. Mudou de opinião sobre o governador. “Eu era jovem”, brinca. No MDB, tentou se eleger vereadora (teve 4 200 votos). Pós-graduada em gestão de projetos culturais pela USP, a nova secretária de Cultura da capital promete priorizar a periferia. Neste ano, quer destravar o pagamento de 38 milhões de reais em editais voltados majoritariamente a artistas dessas regiões, além de criar novos fomentos em 2022. “O prefeito vai aumentar o orçamento da pasta para 750 milhões de reais”, diz.

Alê Youssef deixou a secretaria, no fim de agosto, alegando divergências orçamentárias e ideológicas com o prefeito Ricardo Nunes (MDB). Quem tinha razão?

Não sei dizer, mas a intenção do prefeito é dar continuidade à gestão de Bruno Covas. Ricardo aprovou um orçamento maior para 2021 e 2022. Quer que a cultura seja importante na retomada econômica. Teve várias conversas comigo nos primeiros dias.

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Youssef também citou “incompatibilidade ideológica”. Você se considera compatível com o prefeito?

A cultura está acima da ideologia. A chapa Covas-Ricardo foi eleita para trabalhar para a direita e para a esquerda. Quando o povo voltar a sorrir, será pela cultura. A gente precisa preparar o melhor Carnaval, fazer uma Virada Cultural descentralizada, trazer grandes óperas ao Municipal. Não cabe ideologia nisso tudo. A cultura é maior.

Nas primeiras reuniões com o prefeito, o que pediram um ao outro?

Ele quer que a cultura ajude na retomada econômica. Eu quero isso na periferia. As casas de show vão reabrir, mas terão artistas de grande alcance, duplas sertanejas… A secretaria tem equipamentos na cidade toda, vamos usá-los para levar o dinheiro aos artistas periféricos. O prefeito quer isso: usar a cultura para gerar emprego e renda. Neste mês, vamos pagar 8,2 milhões de reais em editais voltados à periferia. Farei uma força-tarefa para acelerar isso. Tenho um olhar direcionado à gestão, vamos organizar os fluxos.

Como avalia a gestão de Youssef?

O Alê teve um olhar muito bacana sobre a cultura. Fez muitas entregas importantes para a cidade. A ideia é dar continuidade, sem mudanças drásticas.

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Já começaram a produzir o Carnaval ou a Virada Cultural?

Vamos esperar o aval da Secretaria de Saúde. Temos ideias, mas ainda não podemos produzir. Minha esperança é fazer o melhor Carnaval oficial e nos blocos de rua.

Sai da secretaria um gestor ligado ao centro, entra uma de Pirituba. Como dar, na prática, foco à periferia?

Pirituba vai estar em cena agora, né? (risos). Sem mudanças drásticas, mas a secretaria vai ter o meu toque. Sou uma mulher negra e de periferia, se eu não conseguir fazer uma gestão pensando nessas pessoas, deu muito errado eu estar aqui. Super-reconheço a importância do Teatro Municipal, mas é difícil alguém de Cidade Tiradentes vir à ópera no domingo. Vou buscar a descentralização. Cultura é emprego, e no centro tem muito mais oportunidades.

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OLHO

Já tem ações definidas?

Tem um edital de 6 milhões de reais para a periferia que quero liberar em 2021. Tem outros de dança, teatro. Há os eventos do centenário da Semana de Arte Moderna, quero levar essa programação para as escolas municipais. Já estou em conversa com a Secretaria de Educação. Levar o modernismo aos alunos da periferia.

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Você ficou dezessete anos no PSDB Jovem. Saiu depois do que considerou uma “mudança conservadora” com a ascensão de João Doria.

Eu era jovem. (risos)

Nos primeiros compromissos você encontrou o governador no Museu do Ipiranga. Mudou a opinião?

A juventude do partido é para discutir, mesmo. Expus minhas ideias. Mas o governador tem se mostrado um ótimo gestor. Fui bem acolhida no MDB por Nunes e Baleia Rossi (presidente do partido), mas não posso negar que, se tem vacina, é por causa do Doria.

Quanto você se diria ligada a movimentos feministas e negros?

Tem gente que se surpreende porque sou uma liderança negra e feminista no MDB. Parece que, se não é um partido 100% de esquerda, não serve. Mas se você olhar a executiva do PSOL é igual (em inclusão) à do PSDB ou de qualquer partido de direita. A gente precisa de gente preta no MBL, no DEM. Fiz parte da Unegro e da Educafro. Mas não estar em um partido 100% de esquerda me fez ter mais oportunidade de fala. Estou feliz que um prefeito do MDB fez o que muitos prefeitos e líderes da esquerda não tiveram coragem: colocar uma mulher negra com a caneta (um cargo executivo) em uma secretaria importante — e que não é, por exemplo, a de Igualdade Racial. Ricardo fez, e a política é feita de coisas concretas.

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Como viu o incêndio do Borba Gato?

O mundo está falando de racismo. Parte da sociedade acha que é mi-mi-mi. Outra parte, a minha, a parte atacada, diz: “Poxa, como seremos ouvidos?”. Alguns chegam aos extremos. Eu sou uma pessoa do meio. Do discurso, do diálogo. Eles fizeram aquilo e chamaram atenção, até resultou em ações positivas, a cidade vai fazer cinco estátuas de personalidades negras, com artistas negros, com recursos, coisas legais. Mas, pessoalmente, sou do diálogo.

Como a secretaria pode impactar na recuperação econômica?

No primeiro dia, agilizei o pagamento de um edital voltado à periferia, 8,2 milhões de reais injetados na ponta. Vou pagar os editais de 2020 e 2021 neste ano. No início, a missão é essa. São mais de 38 milhões que quero conseguir pagar em 2021.

Que marca pessoal quer deixar?

Na pós-graduação, eu ia a museus para “ler” obras de arte. Pensava: que coisa chata, contemplativa. Li muita Marilena Chaui, quero outras coisas… Mas, até terminar o curso, consegui entender a riqueza daquelas obras. Sei do funk, mas sei desses quadros aqui atrás de mim (na secretaria). Quero mostrar que não estou dentro de uma caixinha.

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Publicado em VEJA São Paulo de 8 de setembro de 2021, edição nº 2754

 

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