Novo estádio do Palmeiras terá 250 eventos por ano e cinco megashows
O Allianz Parque, que será inaugurado com capacidade máxima nas apresentações de Paul McCartney, quer ser o principal espaço de espetáculos da capital
Desde a última vez em que a bola rolou no Parque Antártica, em 9 de julho de 2010, o torcedor do Palmeiras passou maus bocados com o time. A despedida do antigo estádio, com uma derrota por 2 a 0 para os argentinos do Boca Juniors, foi um presságio do que viria pela frente. Nos anos seguintes, a equipe fez campanhas medíocres e amargou o segundo rebaixamento para a Série B do Campeonato Brasileiro.
De acordo com os mais supersticiosos, a culpa dessa má fase esteve ligada à demora do clube para voltar a atuar no mesmo endereço em que viveu tempos de glória, da Academia na década de 70, passando pela máquina de fazer gols dos anos 90, cheia de craques como Evair, Rivaldo e Edmundo, até chegar à conquista da Libertadores em 1999, sob o comando de Luiz Felipe Scolari. Mas o martírio acabou.
+ A água de sua casa está com gosto estranho? A Sabesp explica o motivo
Após mais de quatro anos de exílio, o alviverde imponente, enfim, está prestes a retornar à Rua Turiaçu, 1840, nas Perdizes, onde manda partidas desde 1917. As velhas arquibancadas foram postas abaixo para dar lugar ao Allianz Parque. A arena consumiu um investimento de 660 milhões de reais, é uma das mais modernas do gênero no Brasil e tem como principal vantagem a localização privilegiada, praticamente no coração de São Paulo, na vizinhança da Estação Barra Funda do metrô e a apenas 7 quilômetros do centro da cidade.
A obra está sendo inaugurada em etapas, e a primeira delas ocorreu no último dia 25, em uma partida em homenagem ao divino Ademir da Guia, um dos maiores craques da história palestrina, com a presença de 10 000 convidados. No próximo sábado (8) ocorrerá ali a primeira partida oficial, contra o Atlético- MG, válida pelo atual Brasileirão. Serão vendidos 30 000 ingressos. Casa cheia mesmo, com 55 000 pessoas, só na inauguração oficial, com os shows de Paul McCartney, em 25 e 26 de novembro. Astros da música como ele serão presença quase tão assídua no gramado quanto os jogadores. Em 2015, devem se apresentar por lá os Rolling Stones, a cantora Adele, o rapper Pharrell Williams e o rei Roberto Carlos.
+ Adele e Pharrell Williams negociam shows na capital em 2015
Essa sucessão de artistas não ocorrerá por acaso. O projeto não nasceu apenas para substituir o Parque Antártica como sede do Palmeiras. Cada detalhe por ali foi concebido minuciosamente para credenciar o endereço como o maior e mais moderno palco da cidade para apresentações e eventos. “Estamos preenchendo uma lacuna nessa área na metrópole”, afirma Walter Torre Jr., presidente da WTorre, a empresa responsável pelo projeto. Pela construção do estádio, a companhia ganhou o direito de explorar comercialmente o lugar por trinta anos. Em troca do presente, o Palmeiras ficará com 100% da bilheteria dos jogos e 5% dos shows em 2015 (esse porcentual aumenta a cada ano de contrato, chegando a 30% e permanecendo nesse teto até o fim do acordo). Além disso, o clube ganhou três prédios novos em sua sede social, com quadras poliesportivas, saunas e escritórios, no valor de 75 milhões de reais. Como um todo, o projeto da arena custou quase o dobro do previsto. A WTorre quer recuperar o investimento em dez anos. Só com a venda do naming right embolsou 300 milhões de reais. A seguradora alemã Allianz pagou a conta.
Além de comportar grandes concertos, o lugar foi preparado para fazer com que os produtores de eventos economizem tempo e dinheiro. O backstage, com camarins e área técnica, por exemplo, que normalmente é erguido pela equipe dos artistas e desmontado no final, ganhou uma estrutura permanente. Túneis amplos permitem que caminhões de carga tenham acesso ao palco e ao gramado, o que ajuda na montagem de grandes estruturas, como acontece com o Nitro Circus, uma espécie de Cirque du Soleil dos esportes radicais, que deve se apresentar no lugar em 2015.
Com isso, o tempo de trabalho é reduzido, assim como a quantidade de equipamento que precisa ser transportada. Segundo cálculos da WTorre, a conta final na organização será reduzida em mais de 1 milhão de reais, praticamente o valor de aluguel do Morumbi. Por falta de outras opções, o velho estádio do São Paulo sempre foi muito requisitado para shows. “O Allianz tem potencial para roubar esse mercado”, afirma Walter Torre Jr.
O lugar também quer concorrer com casas de shows como Citibank Hall e HSBC Brasil. Com capacidade para 12 000 pessoas, um anfiteatro totalmente coberto poderá ser montado e removido com rapidez. Isso permite receber um evento no sábado à noite e uma partida de futebol no domingo à tarde. O local, atrás de um dos gols, não avança sobre o campo e, já em 2015, receberá lutas do UFC, jogos de basquete da NBA e festas de formatura. Fora as partidas do Palmeiras, a arena ainda vai acolher jogos internacionais de futebol. O primeiro deles será a final da Supercopa da Itália, prevista para dezembro de 2015.
Para que o complexo seja rentável e fature entre 150 milhões e 200 milhões de reais a cada doze meses, ele precisará sediar por temporada 250 eventos, entre jogos, convenções, pequenas recepções e megashows (neste caso, serão cinco por ano). A responsável por manter a agenda cheia veio de fora. Trata-se da canadense Susan Darrington, ex-vice-presidente de operações do CenturyLink Field, o maior estádio da cidade de Seattle, nos Estados Unidos, que já recebeu atrações como Metallica, U2 e Rolling Stones. Logo em sua estreia paulistana, ela marcou pontos importantes ao conseguir McCartney para debutar no palco palmeirense. “O mercado de shows é pequeno. Uma boa relação com os representantes dos astros é essencial para conseguir fechar um contrato”, explica. Ela terá o apoio de profissionais como o americano Raj Saha, que já cuidou das atrações do Madison Square Garden, de Nova York.
+ Alunos de medicina que cobriram grafite vão custear nova obra
Como reza a tradição de toda boa casa italiana, o novo Palestra caprichou nas opções gastronômicas. A empresa alemã Gourmet Sports Hospitality (GSH) cuidará do cardápio servido nas arquibancadas e nos camarotes. Ele inclui desde ossobuco com polenta cremosa, consomê de tomate com frutos do mar até pipoca e cachorro-quente. Além disso, os frequentadores terão outros cinquenta pontos de venda de comida espalhados pela arena, todos abastecidos por uma cozinha central de 1 500 metros quadrados. Um restaurante panorâmico, para 400 pessoas, ainda está em construção. Cinco grupos gastronômicos disputam uma concorrência para administrar o espaço. A tradicional cantina Jardim de Napoli, em Higienópolis, é um dos nomes no páreo. “O resultado ficou mais com cara de shopping ou hotel do que de estádio de futebol”, afirma o diretor de negócios da WTorre, Rogério Dezembro, que coordenou o projeto. O lugar ainda terá filiais do Burger King, da rede de hot-dog gourmet The Dog Haüs e da marca de sorvetes Diletto, que criou um sabor com o nome da arena (baunilha com café) e outros três exclusivos: chocolate, limão e coco.
O torcedor tradicional precisará se acostumar com a quebra de alguns paradigmas clássicos do futebol. Os flanelinhas, por exemplo, enfrentarão dificuldades. Um prédio anexo terá 2 000 vagas de estacionamento operadas pela Estapar. A empresa também gerencia os estacionamentos do Bourbon Shopping, do West Plaza e do condomínio Casa das Caldeiras, logo ali ao lado, e poderá disponibilizar mais 1 000 espaços que serão comprados antecipadamente pela internet junto com os ingressos. Para evitar problemas com a vizinhança, a prefeitura exigiu da construtora algumas obras na região. A WTorre teve de bancar a instalação de 68 semáforos e a abertura de um cruzamento na Rua Apinajés com a Avenida Sumaré. Para da rem conta do aumento do fluxo de veículos, a Avenida Francisco Matarazzo e a Rua Padre Antônio Tomás foram alargadas. As paredes e a cobertura da arena, revestidas de lã de rocha, estão preparadas para manter a maior parte do som ali dentro — ao contrário do que ocorria na estrutura antiga, totalmente aberta.
Todos os visitantes serão monitorados por câmeras com recurso de reconhecimento facial. A central de controle terá acesso aos bancos de dados da Secretaria de Segurança Pública e da CBF, que contêm fotos de pessoas com antecedentes de comportamento violento. Elas serão vigiadas de perto e, em caso de necessidade, a segurança entrará em ação. O mesmo sistema é capaz de identificar começo de briga ou movimentações suspeitas. “Não queremos o típico baderneiro por aqui”, explica Torre.
Outro desejo comum entre os torcedores modernos foi atendido. Quinhentas antenas de internet wi-fi de alta velocidade vão garantir a postagem de selfies em tempo real. Com a conectividade, os visitantes vão escolher músicas nos shows e eleger o momento mais bonito da partida, por exemplo. Os resultados aparecerão nos dois telões de alta definição, os maiores da América Latina, com 103 metros quadrados.
Como em muitas outras obras desse porte, o cronograma sofreu atrasos. A inauguração ocorre mais de um ano depois do prazo de entrega previsto no início dos trabalhos. Um dos problemas aconteceu em 2013, quando parte de uma das arquibancadas desabou, matando um operário. No período da construção, os parceiros Palmeiras e WTorre romperam a relação por uma discordância na interpretação de uma cláusula do contrato de cessão da arena. Segundo a construtora, a empresa tem o direito de explorar as 43 600 cadeiras do estádio, no sistema de assinatura: o torcedor pagaria um aluguel, estimado entre 3 000 e 10 000 reais por ano, para ter seu lugar garantido. A diretoria do Palmeiras entende que a WTorre deve ficar com apenas 10 000 assentos. As tentativas de acordo não deram resultado, e a decisão será tomada pela Câmara Fundação Getulio Vargas de Conciliação e Arbitragem, em data ainda indefinida.
A disputa das cadeiras não inclui a área dos camarotes. Nesse caso, cerca de 85% dos 179 espaços do tipo já foram negociados pela WTorre em contratos de três ou cinco anos. A anuidade varia de 200 000 a 600 000 reais, dependendo da localização e do tamanho do lugar. Mesmo em dias de agenda vazia, os donos poderão fazer festas e encontros privados e ainda usar o serviço de bufê. O Palmeiras terá um local próprio, para quarenta pessoas, na área mais nobre e de frente para o centro do gramado. No mercado, esse camarote seria avaliado em 1,8 milhão de reais por ano. Onze ídolos, como Ademir da Guia, ganharam cadeiras cativas por lá. Assim, o Palmeiras relembrará suas glórias do passado no mesmo campo que lhe abre as portas para o futuro.