Infestação em vinhedos serviu de embrião para loteamento no Morumbi
Oscar Americano e a Companhia Imobiliária Morumby aproveitaram o crescimento da cidade para oferecer a oportunidade de morar num lugar distante do centro
Uma imensa área de mata fechada com 500 alqueires (cerca de 12 quilômetros quadrados) que se estendia da margem do Rio Pinheiros até Santo Amaro. Batizada de Fazenda Morumby, a região pertencia aos jesuítas durante o período colonial, até que Portugal decidiu expulsar os religiosos da Companhia de Jesus de todos os seus territórios, em 1759. Devolvidas à coroa portuguesa, essas terras a pouco mais de 15 quilômetros do centro de São Paulo permaneceram como um lugar no meio do nada até 1820, quando o governo de dom João VI decidiu doá-las ao inglês John Rudge.
O imigrante iniciou então prósperas plantações de chá e vinhedos para produzir por aqui as bebidas que até aquela época tinham de ser importadas. “A partir de 1840, a Fazenda Morumby foi mudando de mãos, até que, no começo do século XX, uma praga levou seu então proprietário, Antonio Diederichsen, a se desfazer das terras. Os donos que lhe sucederam começaram a retalhar o espaço em chácaras, que seriam a semente dos loteamentos que compõem o Morumbi”, explica Silvia Cristina Lambert Siriani, professora do departamento de história da FMU e mestre em história social pela USP.
Esse processo, porém, só se intensificou a partir dos anos 40, quando já havia certa saturação nas regiões residenciais de Cerqueira César e Higienópolis. Figura emblemática do Morumbi, o engenheiro Oscar Americano, dono da Companhia Brasileira de Projetos e Obras (CBPO), e a Companhia Imobiliária Morumby aproveitaram o crescimento da cidade para oferecer aos paulistanos a oportunidade de morar num lugar que era realmente distante do centro, mas que oferecia lotes residenciais de tamanho generoso e com muito verde.
“Eles lotearam o que sobrou da gigantesca área original, principalmente próximo à casa que era a sede da fazenda, nos moldes de bairros como o Jardim América. A ideia pegou e atraiu muita gente com dinheiro, criando uma espécie de marca registrada do Morumbi”, afirma o historiador e jornalista Levino Ponciano, autor do livro ‘Bairros Paulistanos de A a Z’.
A partir dos anos 50, o que era terra começou a virar asfalto. A Companhia City, referência no loteamento dos chamados bairros-jardim, implantou o Jardim Guedala perto dos novos marcos do Morumbi. Hoje chique e repleto de mansões, o Guedala nasceu como uma opção para os paulistanos de classe média.
“Morávamos em Higienópolis em uma casa alugada e meu marido comprou um terreno no Guedala em 1970 porque o preço o atraiu. Aqui pudemos construir uma ótima casa e criar os três filhos”, lembra Ana Luiza Bellio, empresária que tem uma confecção no bairro. O duro, segundo ela, era convencer as pessoas a visitá-los. “Para fazermos uma festa de aniversário das crianças, tínhamos de ir buscar os amigos delas do outro lado do Rio Pinheiros, porque ninguém queria vir. Diziam que o Morumbi ficava no fim do mundo.”
Outra lembrança que ela guarda dessa época são os bichos no matagal do bairro. “Cobras apareciam em nosso quintal. E, quando começava a construção de algum imóvel nas redondezas, as aranhas e os escorpiões que ficavam escondidos no mato vinham parar dentro da minha casa.” O comerciante Claudio Pontremoli mudou-se para o Morumbi há quarenta anos e lembra das tentativas de seu pai de oferecer um terreno no bairro como parte do pagamento de um apartamento em Pinheiros. “A resposta era sempre a mesma: ‘Você está louco’”, diverte-se. Quando a família foi para o Morumbi, em sua infância, Pontremoli se encantou com uma passagem de madeira sobre o Rio Pinheiros, no mesmo local onde hoje está a Ponte Engenheiro Roberto Zuccolo, mais conhecida como Cidade Jardim.
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