Moradores dos Jardins reclamam do barulho de estabelecimentos
Música alta, conversas e buzinas de carro azedam a relação entre moradores e empreendimentos da região
Em novembro do ano passado, a bibliotecária Carmen Botelho começou a usar protetores auriculares na hora de dormir. Segundo ela, o acessório foi incorporado ao look noturno para amenizar o volume da música ambiente do vizinho de seu prédio na Rua Padre João Manuel: o Bistrot Bagatelle, moderninho e badalado restaurante inaugurado há nove meses.
Perto da meia-noite, as luzes do salão do estabelecimento diminuem e um DJ transforma o lugar em uma balada. “Quero vender meu apartamento e ir para um pedaço mais tranquilo”, desabafa Carmen. Sua filha, a dentista Maria Raquel Botelho, também sofre na hora de tentar pregar os olhos. Toda noite, ela leva o colchão do quarto para a sala do apartamento em busca de sossego.
Outros moradores do edifício engrossam o coro de queixas. No fim de julho, munido de cartazes e panelas, um grupo deles postou-se na porta do Bagatelle pedindo silêncio. De acordo com um dos participantes, o empresário Rodrigo Mendes, pouca coisa mudou. “O pior barulho é o que os funcionários fazem lá pelas 4 da manhã, quando jogam o lixo na rua. Acordo com o som de garrafas quebrando-se”, conta.
A astróloga Vera Costa diz que vive hoje em estado permanente de inferno astral. “Certa vez, em um ato de desespero, joguei ovos em quem estava na calçada falando alto”, confessa.
Problemas parecidos ocorrem atualmente em vários outros pontos dos Jardins. Entre os anos 80 e o início dos 90, o bairro foi um dos epicentros da ferve-ção paulistana, com várias boates localizadas ali, como o Gallery, reduto de festas e shows memoráveis na Rua Haddock Lobo.
Aos poucos, as casas noturnas migraram para o Itaim Bibi e para a Vila Olímpia. Nos últimos anos, porém, o agito voltou à cena com a inauguração de filiais de restaurantes estrangeiros e bares frequentados por uma turma jovem. Como efeito colateral do revival, os problemas de convivência entre baladeiros e moradores reapareceram.
Por mês, o Psiu, órgão municipal responsável pela fiscalização da poluição sonora, registra 281 ocorrências na área, taxa que está entre as maiores da capital. Um dos incomodados é o procurador de Justiça Nelson Lacerda, que mora em um edifício na Rua da Consolação. Nas redondezas funciona o Número. Depois de ver a esposa adotar calmantes para dormir, Lacerda perdeu de vez a paciência. Reuniu outros moradores do seu prédio e dos endereços próximos e fez um abaixo-assinado contra o bar.
O documento foi entregue à Promotoria do Meio Ambiente, que deve emitir um parecer sobre o caso nesta semana. “O local tem uma pista de dança no subsolo que toca música eletrônica altíssima de terça a sábado”, acusa Lacerda. Marcos Campos, responsável pelo negócio, minimiza os problemas.
“Não somos uma balada. Temos um lounge que é fechado para pequenas comemorações”, explica. “Descobri que incomodávamos há pouco mais de um mês, quando me procuraram para tratar do assunto.” A casa passará em breve por uma reforma para reforçar o isolamento acústico. “Quando iniciarmos as obras, tudo estará resolvido em noventa dias”, promete.
O Boteco D4 e o restaurante Mori Sushi também figuram entre os campeões de reclamações. Grande parte das queixas gira em torno da combinação formada por música alta, freguesia escandalosa e carros parados em lugares indevidos, atazanando o já bastante complicado trânsito do bairro. “A região dos Jardins é uma zona mista, temos alvará para funcionar de madrugada e respeitamos os limites do som. Querer silêncio absoluto aqui é como exigir sossego na Times Square”, critica Juliana Lustosa, sócia do D4, inaugurado em agosto de 2012.
Essa postura beligerante, no entanto, é uma exceção entre os empresários. A maioria está tomando medidas para tentar melhorar a convivência com os vizinhos. Recentemente, a direção do Mori Sushi solicitou ao estacionamento contratado que aumentasse o número de manobristas responsáveis por atender seus clientes a fim de evitar o congestionamento de veículos na porta, o que desencadeava as inevitáveis buzinadas ao longo da noite.
O Bagatelle trocou a empresa de valet, além de ter instalado vidros mais grossos em portas e janelas e reforçado a manta acústica que cobre o teto. As obras custaram 200 000 reais, mas ainda não foram suficientes para apaziguar totalmente a vizinhança.
Zona de conflitos
As reclamações dos moradores e as medidas tomadas para apaziguar a vizinhança
Problemas: música no volume acima do permitido madrugada adentro, clientela que fala e ri muito alto quando sai para utilizar o fumódromo durante a noite, fregueses que estacionam o carro na frente da garagem dos edifícios, o que congestiona as ruas e provoca barulho de buzinas, e sujeira nas calçadas.
Ações dos moradores: abaixo-assinado contra os bares e restaurantes, denúncia de perturbação do sossego no Psiu e organização de protestos na frente dos locais causadores de problemas.
Medidas dos estabelecimentos: reforma para aumentar o isolamento acústico do teto, instalação de vidros mais grossos em portas e janelas, orientação para os frequentadores controlarem o volume da voz quando forem usar o fumódromo, contratação de valet que consiga atender a um grande número de veículos.