Maior plataforma de recrutamento do país usa inteligência artificial
Desenvolvida em dois meses e meio e batizada de Gaia, plataforma avalia os currículos de acordo com o perfil das empresas
Criar robôs que analisam milhares de currículos em questão de segundos de forma não tendenciosa foi o plano de Mariana Dias, 33, CEO da Gupy, e sua diretora de operações, Bruna Guimarães, 35, depois de deixarem o RH da Ambev. Criada em 2015 em um escritório improvisado dentro de casa, a startup hoje é a maior plataforma de recrutamento do Brasil, com mais de 10 milhões de usuários. “O processo de contratação estava engessado. A experiência de quem é recrutado é horrível, cheia de preconceitos, e ninguém tem retorno de nada”, conta Mariana.
Sem conhecimento em computação, as mulheres aliaram a experiência com processos seletivos com a parte técnica de Robson Ventura, 32, diretor de tecnologia, e a habilidade de criação de Guilherme Dias, 29, diretor de marketing. Ventura desenvolveu sozinho a primeira versão da inteligência artificial em dois meses e meio, e Dias a batizou de Gaia.
“Ela pode dar mais importância ao tempo de experiência profissional ou ao conhecimento acadêmico na hora da decisão.”
Os algoritmos da Gaia leem os currículos e entendem o que significam por meio do processamento de linguagem natural (PLN), tecnologia que faz com que computadores interpretem a linguagem humana. Por meio dessa leitura, a ferramenta sabe se o candidato é o mais adequado, dependendo da maneira como escreve o currículo. É disponibilizada uma biblioteca digital com 5 bilhões de palavras com frases. “Para a máquina entender o significado da palavra, temos de apresentá-la àquele termo dentro de contextos diversos”, explica Ventura. A tecnologia reconhece mais de 100 características e leva em consideração o perfil de contratação da empresa e da área. “Ela pode dar mais importância ao tempo de experiência profissional ou ao conhecimento acadêmico na hora da decisão.”
O diretor de tecnologia aprimorou a ferramenta com a base de dados de milhares de currículos do primeiro cliente, a Kraft Heinz, da famosa marca de ketchup, que apostou na ideia dos quatro fundadores antes mesmo da Gaia ser criada. Com o repertório, foi possível treinar a inteligência a fazer o processo de seleção por meio de machine learning (aprendizado de máquina), ou seja, quanto mais candidatos a ferramenta recebe, mais inteligente ela fica. De acordo com ele, são mais de vinte alterações no sistema por dia.
Uso de radicais evita excesso de contratações masculinas ou femininas
O desafio é evitar que a Gaia crie vieses na contratação. Em uma seleção em que a maioria é homem, a inteligência artificial tende a eleger mais candidatos do sexo masculino. Para isso, Ventura ensina a ferramenta a procurar profissões por meio de radicais, como “enfermeir” ou “programad”, sem especificar gêneros.
O empreendimento tem assinaturas anuais, que vão de 1.000 a 100.000 reais por mês, dependendo do tamanho da empresa e da complexidade da contratação. Não há limite para o número de gestores que acessam a plataforma ou de contratações. Atualmente, são 600 clientes usando a Gaia, entre eles a própria Ambev, e 6 milhões de novas candidaturas por mês. Desde janeiro, a empresa cresceu 54% e teve recorde de contratações em junho — 25.000 cargos — por causa do aumento da procura na área da saúde e de logística na quarentena.
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800 vagas preenchidas entre maio e agosto
Para ajudar os hospitais em meio à crise, os fundadores criaram o programa Contratando pela Saúde em abril, que oferece os recursos da Gaia de graça para seis hospitais do estado de São Paulo. No Santa Marcelina, em Itaquera, na Zona Leste, a procura por profissionais dobrou nos últimos meses. Por ser um dos bairros com maior número de mortes pela Covid-19, as contratações eram urgentes. Para piorar, a concorrência havia crescido, já que hospitais de campanha ofereciam salários acima da média do mercado. Entre maio e agosto foram 800 vagas preenchidas, de ajudantes de limpeza a enfermeiros.
“A contratação desses profissionais foi fundamental para abrir mais leitos de UTI e de enfermaria em uma região carente de recursos”, explica Luiz Miradouro, 59, diretor institucional de gestão de pessoas do Santa Marcelina. Do total de inscritos, a ferramenta mostrou índice de 52% de aprovação de candidatos no primeiro semestre de 2020, ante 24% do processo manual feito em 2019. “Gastamos nosso tempo com quem tivesse, de fato, nosso perfil”, conta a coordenadora de RH do mesmo hospital, Jani Dias, 39. “A Gaia mostrou os anúncios em sites parceiros que nós, uma rede filantrópica, não podíamos pagar.” Para futuras seleções mais assertivas, a plataforma ainda mapeia de quais regiões da cidade e de quais sites de vagas veio a maioria dos candidatos.
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 26 de agosto de 2020, edição nº 2701.