Justiça condena dono de clínica por tortura
Clínica atendia pacientes em tratamento para dependência química e ao todo, foram cometidos 101 crimes contra vinte internos

A Justiça de São Paulo condenou nove réus que ‘torturavam, agrediam, trancafiavam e maltratavam’ pacientes de um centro terapêutico para tratamento de dependência química e outros distúrbios em Ilha comprida, município no litoral de São Paulo, a 212 km da capital. Entre os internos do estabelecimento, que fechou as portas em 2015, havia homens, mulheres e adolescentes.
O juiz Guilherme Henrique dos Santos Martins da 1.ª Vara da Comarca de Iguape (SP) sentenciou o antigo dono do Centro Terapêutico Ilha Comprida e os ex-funcionários da clínica pelos crimes de tortura, maus-tratos, cárcere privado e associação criminosa. Um dos réus também foi condenado por estupro de vulnerável.
Ao todo, 101 crimes contra mais de vinte vítimas foram considerados na decisão do magistrado.
O dono da clínica, Rafael Alaga Casteluber Renger, foi considerado ‘o líder da quadrilha’ e sentenciado a 98 anos de prisão. Já para Humberto José Massoco de Souza, coordenador da instituição, foi determinada a pena de 80 anos de reclusão.
Os outros sete réus, funcionários da clínica, receberam penas que variam de quatro anos a 27 anos de prisão. Todas as penas em regime inicial fechado.
Cabe recurso da decisão. Cinco réus não poderão apelar em liberdade e os outros quatro devem manter seus endereços residenciais atualizados sob pena de decretação da prisão preventiva.
Segundo os autos do processo, os pacientes foram submetidos a ‘intenso sofrimento físico e mental’.
Os acusados racionavam alimentos, forneciam água não potável para consumo dos ‘internos’, não entregavam produtos de higiene pessoal – inclusive papel higiênico, sabonete e escovas de dente – e ‘permitiam que os pacientes passassem frio durante à noite’ por não disporem de cobertores ou proteção nas janelas.
As ‘sessões de tortura’ eram realizadas como punição quando os pacientes praticavam condutas entendidas pelos réus como ‘ato de indisciplina’, indica a sentença. Segundo o documento, o ‘quarto do resumo’ era utilizado para a ‘agressão sistemática’ dos internos com chutes, socos e estrangulamentos.
Os réus também ameaçavam os pacientes ‘como medida preventiva’, para evitar ‘desobediências e questionamentos de ordens’. Uma mulher, cujo depoimento consta no processo, contou que Humberto, o coordenador da clínica, ameaçou estuprá-la depois que ela tentou relatar a sua família o que acontecia no centro terapêutico.
Os pacientes eram ainda trancados em quartos com grades por meses, destaca a sentença.
A sentença foi proferida com base em fotografias tiradas durante a prisão em flagrante de parte dos acusados, que revelaram hematomas, cicatrizes e outros sinais de agressão. Além disso, o juiz levou em conta os relatos de vítimas em diários e cartas, laudos de exames periciais e depoimentos de pacientes.
Nas alegações finais, Rafael pediu que fossem realizados exames psicológicos nas vítimas e pacientes da clínica e requereu absolvição, por insuficiência probatória. Humberto afirmou que não existiam provas nos autos capazes de sustentar a condenação. As defesas dos outros funcionários acusados também abordaram a ausência de provas além de atipicidade de conduta.
A reportagem tenta contato com a defesa de Rafael Alaga Casteluber Renger e de Humberto José Massoco de Souza. O espaço está aberto para manifestação.
Por Estadão Conteúdo