‘Issa London’, a grife de Daniella Helayel, no closet das famosas
A estilista conta sobre a trajetória de sua carreira até chegar a celebridades como Kate Moss e Madonna
Uma pesquisa com 3 000 ingleses, no ano passado, apontou Kate Moss como a personalidade que mais lança tendências de moda entre as mulheres britânicas. Informalmente, todo mundo já sabia disso, e, fosse feito levantamento similar em outros países, resultados idênticos possivelmente viriam à tona. Daí a importância que o réveillon de 2008 teve para a carreira da estilista fluminense Daniella Helayel. Naquele fim de ano, ela embarcou para Phuket, na Tailândia, onde uma conhecida a apresentou à top. “Quero um igual ao seu”, exclamou a modelo, ao ver o cafetã usado pela tal amiga. Era da grife Issa London, criada pela brasileira. Como estava de férias, ela não tinha nada a oferecer à potencial cliente. Para não perder o bilhete de loteria fashion — Kate veste, as outras imitam, lembram? —, Daniella correu até a suíte do hotel e trouxe meia dúzia de modelitos da própria bagagem. “Posso procurar na sua mala?”, disse Kate Moss, que a acompanhou ao quarto, revirou as roupas e escolheu duas peças. “Logo as minhas favoritas, acredita?”, lembra, às gargalhadas.
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Em chique companhia: Kate Moss virou amiga e cliente de Daniella Helayel após conhecê-la na Tailândia
Não faltam episódios assim no repertório da estilista, que dessa maneira conseguiu conquistar espaço no closet de celebridades como a atriz Scarlett Johansson e a socialite Paris Hilton, além das cantoras Madonna, Jennifer Lopez e Kylie Minogue. Daí o frisson entre as paulistanas endinheiradas quando desembarcam novas coleções da Issa London na NK Store, butique dos Jardins que é o único ponto de venda da marca em São Paulo. E olhe que os preços variam de 1 500 a 5 500 reais. “Já chegamos a vender 300 peças em duas horas”, conta Thiago Costa Rêgo, diretor de marketing da loja. “As clientes passavam o cartão de crédito sem nem mesmo olhar qual vestido estavam comprando.”
Conquistar lugar no closet de famosas, no entanto, não explica completamente a ascensão da grife. Um de seus trunfos consiste em mirar num perfil encontrado aos montes em qualquer metrópole: a mulher que tem pouco tempo para escolher os looks e encara compromissos em esferas sociais diferentes num mesmo dia — da reunião de trabalho à happy hour. “Além de atemporais, são fáceis de usar”, diz uma de suas clientes, a ex-modelo e socialite Andrea Dellal.
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Daniella Helayel entre as princesas de York, Eugenie e Beatrice
A preocupação com a modelagem também é uma das características importantes. Para a stylist francesa Laetitia Wajnapel, autora do blog Mademoiselle Robot, um dos mais influentes de Londres, o segredo da Issa está no acabamento. “É refinado e glamouroso”, afirma. Detalhista, Daniella garante que já mandou refazer coleções inteiras por não ter ficado satisfeita com o caimento. “Tem de ficar bem em todo tipo de corpo, não só em mulheres magérrimas”, afirma. A consultora de moda paulistana Manu Carvalho destaca que o grande trunfo da marca é realçar os pontos fortes e disfarçar imperfeições. “Assim, qualquer uma sai bem em fotos.”
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Daniella Helayel com a ex-modelo Andrea Dellal, que foi com a filha, Charlotte, ver a apresentação na semana de moda inglesa
E que famosa não sonha exatamente com algo do tipo? Não à toa, Sharon Stone virou fã. Aliás, o encontro de Daniella com a atriz americana ilustra bem mais um dos fatores de seu sucesso: um apurado senso de oportunidade (no melhor sentido que a expressão possa ter). Ao saber que a estrela de ‘Instinto Selvagem’ estava em Londres para rodar a continuação do filme, deixou uma sacola com um vestido da grife na porta do apartamento dela. Recebeu, no dia seguinte, um telefonema da relações-públicas da loira, que a convidou a visitar o set para mostrar outros modelitos. “A Sharon comprou logo oito peças”, conta ela, que amargou três horas de chá de cadeira até ser recebida. “Foi espontânea a ponto de ficar pelada na minha frente.”
Apesar de as roupas terem qualidade, descontada a badalação, a verdade é que Issa não traz grandes arroubos de inspiração para a moda. Os desfiles da marca na London Fashion Week, de que participa desde 2006, naturalmente reúnem personalidades e têm no elenco de modelos nomes como Naomi Campbell, mas Daniella não costuma ousar: o que se vê na passarela pouco difere do que, de fato, chega às araras. Seus críticos ressaltam a semelhança com as criações de Diane von Furstenberg, estilista belga que na década de 70 criou os vestidos-envelope. “Ela não tem pretensão de ser revolucionária”, avalia a crítica de moda Lilian Pacce, do jornal ‘O Estado de S. Paulo’. “Nunca quis fazer nada conceitual”, diz a estilista. “Estou mais preocupada em garantir o conforto de quem compra minhas roupas.”
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Modelo mirim: em junho, a estilista coloca nas araras uma linha de roupas infantis, a Baby Issa
O dia a dia de Daniella acontece numa região central da capital inglesa: o luxuoso Chelsea, bairro cheio de residentes famosos como a cantora Lily Allen, o ator Hugh Grant e a atriz Gwyneth Paltrow. Seu showroom, localizado entre o estádio do time de futebol que leva o nome do bairro e o Rio Tâmisa, ocupa o último andar de um predinho de três pisos. A equipe é formada por 26 funcionários de diferentes nacionalidades (brasileiros, ingleses, chineses, franceses, canadenses, lituanos, russos…) e conta com duas mascotes: os cachorrinhos da raça maltês Snowball e Monster. Saem dali todas as ideias, desenhos e moldes das coleções, transformadas em 15 000 peças em fábricas na China e na Polônia. Elas depois vão para lojas em 33 países — a Inglaterra, a Itália e o Oriente Médio são os maiores compradores. Em Londres, um vestido Issa tem preço médio de 500 libras (1 300 reais).
Daniella passa longe de ter qualquer afetação. É simples, ri muito e faz piadas de si mesma o tempo todo. Quando alguém quer saber sua idade, por exemplo, conta que tem “eternamente 25 anos”. Percorre de bicicleta ou a pé as oito quadras de distância entre sua residência e o ateliê, mesmo debaixo da rotineira chuva londrina. Afirma não ser consumista quando se trata de roupas. Solteira e sem filhos, diz preferir gastar seu dinheiro com viagens (foi duas vezes para a Tailândia neste semestre), jantares com amigos e antiguidades garimpadas no Portobello Road Market, um dos mercados mais famosos de Londres. Tem, sim, lá suas vaidades: todo dia, acorda às 7 da manhã para fazer massagem. Das 8h30 às 9h30, exercita-se com um personal trainer. Depois, ainda tira energia para mais trinta minutos de esteira. Chega por volta das 11 ao trabalho, onde tem ficado pelo menos doze horas seguidas, graças a um novo projeto pelo qual está apaixonada: o Baby Issa, com lançamento previsto para junho. “Vai ser a coisa mais fofa do mundo”, diz, entusiasmada. A coleção terá vestidinhos batizados com o nome de crianças famosas, como Suri (filha dos atores Tom Cruise e Katie Holmes), Shiloh (filha dos atores Brad Pitt e Angelina Jolie) e Mercy James (filha adotiva da cantora Madonna). Obviamente, cada uma delas receberá na porta de casa várias peças de presente. “O gostoso de trabalhar com criança é que a roupa só precisa ser fofa, linda e alegre”, afirma. “Não tenho de me preocupar com todas as variações de humor das mulheres.”
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A top Naomi Campbell, estrela das coleções Issa desde 2006: roupas que valorizam os pontos fortes da mulher e escondem as imperfeições
A brasileira começou a traçar seu caminho na moda em 1991. Largou o curso de direito e a vida de garota de classe média em Niterói, no Rio de Janeiro, para estudar desenho e marketing no Fashion Institute of Technology, em Nova York. Nos Estados Unidos, o primeiro emprego foi como babá. “Eu acabava chorando junto com o bebê”, recorda. Logo o governo brasileiro abriu as importações, e ela descolou trabalho como consultora de compras numa rede de lojas. Escolhia produtos que a empresa de São Paulo encomendava de atacadistas americanos. Em 1999, com uma vida financeira estável, mudou-se para Londres determinada a superar o rompimento de um namoro. Após dois anos “tentando se descobrir”, arriscou-se a desenhar roupas para as amigas. Em 2004, lançou a Issa (o nome vem de uma interjeição muito usada por surfistas). Para quem vê Daniella ao lado de celebridades nas colunas sociais, pode ser difícil acreditar que a primeira leva de vestidos com a etiqueta Issa resultou num desastre comercial: nenhuma venda. “Eu era inocente e achava que bastava criar uma coleção para as pessoas comprarem”, diz. O evento atraiu meia dúzia de gatos-pingados, o que chamou sua atenção para a importância do marketing de moda e de ter bons contatos — os dois elementos que a fizeram sair da obscuridade para os cabides das famosas. Lição que, pelo visto, hoje ela domina.