Tudo sobre intercâmbio
Com o objetivo de estudar, estagiar e conhecer outras culturas, cerca de 70.000 paulistanos viajaram para o exterior no ano passado
No fim do ano passado, a empresa alemã LSG Sky Chefs, fornecedora de refeições para companhias aéreas, realizou no Brasil um rigoroso processo seletivo para trainees. Para ser contratado, entre outras exigências, o candidato tinha de ter feito ao menos um intercâmbio. “Foi a primeira vez que vi um programa assim”, diz Mariângela Cifelli, gerente da Page Personnel, consultoria especializada em recrutamento. “Esse pré-requisito, porém, faz sentido. O jovem que passa por uma experiência no exterior adquire competências profissionais sem perceber.” Ela se refere, por exemplo, ao jogo de cintura necessário para fazer amigos de outra nacionalidade.
Só no ano passado, cerca de 160.000 brasileiros passaram por essa situação. Destes, 70.000 eram paulistanos. O Brasil é um dos maiores exportadores de intercambistas do mundo — ocupamos a sétima posição, de acordo com o relatório de 2009 da Association of Language Travel Organisations. “A expectativa é de chegarmos ao terceiro lugar no próximo ano”, afirma Maura Leão, presidente da Belta (Brazilian Educational and Language Travel Association). É o reflexo de um mercado que, anualmente, tem crescido 20% no país e movimentado 8 bilhões de dólares no mundo.
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Nos meses de fevereiro e março, duas grandes feiras de intercâmbio — Salão do Estudante e ExpoBelta — vêm a São Paulo. Nos eventos estarão presentes agências de turismo, representantes governamentais de vários países, além de diretores de escolas e universidades estrangeiras. “Trata-se de uma boa oportunidade para pais e filhos aprenderem mais sobre esse universo”, diz Maura. De fato, muitos jovens só tomam a decisão de fazer um curso no exterior depois de visitar uma dessas exposições. É o caso da estudante Ângela Pugliesi. “Queria estudar fora, mas tinha um pouco de medo.” Então, em 2006, ela e sua mãe foram ao Salão do Estudante, conversaram com alunos que tinham acabado de voltar de viagem e assistiram a uma palestra sobre o Canadá, o destino preferido dos brasileiros, seguido pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido. “Tiramos todas as nossas dúvidas, e isso nos encorajou a fechar o negócio.” No mesmo ano ela embarcou para uma cidade próxima a Quebec, onde fez um ano de high school, o equivalente ao nosso ensino médio, um dos programas mais populares.
Hoje existem centenas de cursos que envolvem estudo ou trabalho no exterior. É possível fazer trabalho voluntário numa ONG da África do Sul, aulas de surfe na Austrália e pós-graduação na Califórnia, entre tantas outras opções. Mas nem sempre foi assim. O intercâmbio surgiu na década de 60, quando entidades sem fins lucrativos, como o Rotary Club, criaram um conceito de viagem focado na troca de experiências. O primeiro programa foi justamente o de high school. Durante os anos 70, as grandes empresas começaram a exigir que seus funcionários falassem inglês ou espanhol. Foi quando apareceram os cursos de idiomas. “Naquela época, no entanto, esses pacotes eram voltados apenas para jovens e adultos”, afirma Patrícia Zocchio, CEO da agência Experimento. “Atualmente pessoas mais velhas se interessam por eles também.” Os programas de trabalho voluntário e de pós-graduação estão entre as tendências mais recentes do mercado.
Tantas novidades contribuem para a seguinte estatística: nos últimos seis anos, o número de intercambistas no Brasil aumentou 280%. É claro que o bom momento econômico do país também é uma das causas desse crescimento. “Devido à valorização do real, uma viagem para o exterior está cerca de 60% mais barata se comparada ao que se cobrava no ano de 2004”, afirma Samir Zaveri, diretor da BMI, empresa que organiza o Salão do Estudante. “A principal motivação, no entanto, é ter uma vivência multicultural, o que faz um indivíduo amadurecer em todos os sentidos.” Ciente disso, a dona de casa Rose Fajan não hesitou em deixar que seus dois filhos, então adolescentes, passassem uma temporada em Louisiana, no sul dos EUA. “Não é fácil mandar o que você tem de mais precioso para longe. Mas para algumas oportunidades não se pode dizer ‘não’.” Ela conta que, apesar dos momentos difíceis, a experiência foi proveitosa e que seus filhos voltaram mais seguros e independentes. “Recomendo a todas as minhas amigas.”
As principais universidades de São Paulo também incentivam seus alunos a fazer intercâmbio. Por isso, elas firmam convênio com institutos de ensino superior estrangeiros. “Viagens assim aumentam o conhecimento e são importantes para um plano de carreira diferenciado”, diz a professora Julia von Maltven Pacheco, coordenadora de relações internacionais da Fundação Getulio Vargas. “A cada ano enviamos cerca de 400 alunos para escolas renomadas como a Bocconi, na Itália, e a HEC, na França.” O jornalista Felipe Aragonez só conseguiu realizar seu sonho de estudar fora do Brasil graças a um convênio entre sua faculdade, a Anhembi Morumbi, e a Universidad Europea de Madrid. “Nos seis meses em que fiquei na Espanha, continuei pagando o mesmo valor da mensalidade do Brasil.” Desde 2006, a Anhembi já enviou 1.500 alunos para o exterior.
A partir do momento em que alguém começa a pensar em fazer um intercâmbio até o dia em que o projeto finalmente sai do papel, muito planejamento precisa ser realizado. Alguns jovens chegam a ficar mais de um ano pesquisando destino e curso adequados. É necessário levar em consideração o calendário escolar, os preços e os pré-requisitos de cada programa. Para realizar uma pós-graduação, por exemplo, o candidato deve ter anos de experiência no mercado e inglês fluente — cada universidade exige uma determinada pontuação em exames como CAE, Toefl ou Ielts. Os adolescentes que desejam embarcar durante o ensino médio devem ter conhecimento intermediário do idioma do país escolhido. Sobre o custo, vale ressaltar que o valor do curso representa apenas parte do gasto total da viagem. No orçamento ainda pesam as despesas de transporte, alimentação e lazer, que variam de 2.300 a 3.300 reais por mês, dependendo do destino escolhido. “A maior dúvida dos pais é se vão conseguir se comunicar com os filhos numa frequência desejável”, diz Samir. Os educadores, no entanto, recomendam a eles que os telefonemas ocorram apenas uma vez por semana. “Como isso causa ansiedade, muitas famílias fazem acompanhamento psicológico antes da despedida”, afirma Maura.
A seguir, os tipos de intercâmbio e a experiência de quem passou por ele.
HIGH SCHOOL
É o mais tradicional programa de intercâmbio e permite que o aluno frequente uma escola do ensino médio. “Nesse caso, a imersão em outra cultura é muito grande, porque o jovem realmente vive o cotidiano daquele lugar”, diz Patrícia Zocchio, da agência Experimento. “Fica totalmente integrado a uma família, uma escola e uma comunidade.” Cada país tem suas normas. Quem vai para Alemanha ou França, por exemplo, não pode escolher a cidade de destino. Em compensação, na Austrália e na Inglaterra, a opção é possível, sim. Um certificado de idioma, como o Michigan, sempre é pedido. Em novembro de 2010, a estudante Larissa Joiozo, de 16 anos, voltou para o Brasil após passar um ano na Nova Zelândia. Ela conta que os três primeiros meses foram difíceis e que muitos adolescentes desistiram do programa. “É complicado quando você se vê sozinha do outro lado do mundo.” Com o tempo, porém, fez amigos, passou a acompanhar melhor as aulas e se apegou à família neozelandesa. “Aprendi a me virar sozinha, conheci pessoas e lugares maravilhosos. Amei essa viagem.”
Público-alvo: estudantes de ensino médio com idade entre 15 e 18 anos
Tempo de duração: um ou dois semestres
Custo: a partir de 10.000 reais (inclui escola e acomodação em casa de família por um semestre)
IDIOMAS
Uma pesquisa realizada no ano passado durante o Salão do Estudante revelou que esse tipo de curso é o mais desejado pelos alunos de São Paulo. Cerca de 45% dos visitantes demonstraram interesse em estudar outra língua fora do Brasil. Não há limite de idade. “Executivos, pessoas mais velhas, jovens e até famílias inteiras podem se encontrar na mesma sala de aula”, afirma Samir Zaveri, da organização do Salão do Estudante. Com o objetivo de melhorar seu inglês, a aluna de economia Caroline Cagnini de Almeida, de 21 anos, ficou um mês no Canadá e fez cinco horas de aula por dia. “Quando saí do Brasil, estava no nível intermediário. Agora, estou no avançado.” Também existe a opção de combinar essas aulas com alguma atividade de lazer ou cultura. Foi o que fizeram a administradora Graziela Fuccio Cichello, de 33 anos, e a publicitária Priscilla Rinaldi, 31. Nas férias do trabalho, as duas se mandaram para Madri, onde tinham aulas de cultura espanhola. “Juntei o útil ao agradável”, diz Graziela. “Consegui melhorar o meu espanhol, aprender sobre o país e, nos fins de semana, ainda viajar pela Europa.”
Público-alvo: partir de 16 anos
Tempo de duração: quatro semanas ou mais
Custo: a partir de 3.000 reais (inclui hospedagem e escola)
PÓS-GRADUAÇÃO
Para quem tem pelo menos dois anos de experiência no mercado e inglês fluente, existem duas formas de realizar uma especialização em outro país. A mais comum é escolher uma instituição brasileira que tenha convênio com escolas do exterior. São os cursos chamados de “sanduíche”. Ou seja, uma parte é realizada aqui e a outra, lá fora. Ao final, o estudante pode ficar com dois diplomas. No ano passado, 36 alunos da ESPM participaram de programas assim. “Essas atividades são fundamentais porque quem conhece o mundo atua melhor em diferentes mercados”, afirma Ivan Pinto, diretor de relações internacionais da ESPM. O outro caminho é contar com a intermediação de agências de turismo para fazer extensão, pós ou MBA no exterior. Foi assim que o publicitário Felipe Rodrigues Gregório, de 23 anos, chegou à Universidade da Califórnia, em San Diego. Lá, fez um curso de extensão em negócios durante um ano. “Foi muito puxado, mas tinha de ser assim.” De volta ao Brasil, já se inscreveu em processos seletivos de empresas internacionais. “Sei que agora as minhas chances de contratação são maiores.”
Público-alvo: estudantes com ensino superior completo
Tempo de duração: oito meses ou mais
Custo: a partir de 45.000 reais
TRABALHO
Há tantos pacotes de atividade profissional que o aluno deve conversar exaustivamente com um agente de viagens antes de escolher o mais indicado para seu perfil. Um dos programas mais tradicionais é o de au pair, ou seja, trabalhar como babá numa casa de família durante um ano e ganhar cerca de 1 000 dólares por mês. Algumas agências, como a Experimento e a STB, ajudam os brasileiros a encontrar estágios (muitas vezes, não remunerados) dentro de sua área de formação. Contudo, a maior oferta de vagas está na indústria do entretenimento: em parques temáticos, estações de esqui, hotéis e restaurantes. Quem sabe muito bem disso é a administradora de hotéis Andrea Lobo dos Reis, de 23 anos. Durante a faculdade, ela fez cinco viagens a trabalho para os Estados Unidos — duas para a Disney e três para uma estação de esqui em Wisconsin. “Nunca consegui guardar muito dinheiro, mas o que me interessava era a experiência.” Hoje ela trabalha no Sheraton, um dos melhores hotéis da capital. “Sem os meus intercâmbios, não estaria aqui.”
Público-alvo: estudantes universitários com idade entre 18 e 28 anos
Tempo de duração: a partir de um mês
Custo: a partir de 2.500 reais