Iniciativa dá cursos e busca emprego para ex-presidiários
Criado por Jayme Brasil Garfinkel, o Instituto Ação pela Paz evita que egressos voltem aos presídios ao oferecer capacitação e trabalho
Judeu de origem ucraniana, o empresário paulistano Jayme Brasil Garfinkel cresceu escutando relatos de seus pais e parentes a respeito das barbáries enfrentadas nos campos de concentração. O regime de Adolf Hitler perseguiu, prendeu, escravizou e matou minorias como judeus, ciganos, portadores de deficiência e homossexuais. “O mais angustiante é pensar que, devido ao nazismo, a sociedade civil não tinha a possibilidade de mudar aquela realidade”, resigna-se Garfinkel. “Já hoje eu posso fazer diferença.”
Ele só não tinha a definição exata da área em que queria atuar. Tudo mudou quando, em 2010, foi convidado para assistir a uma palestra com Lourival Gomes, secretário da Administração Penitenciária, ocasião em que lhe perguntaram se empregava algum ex-presidiário em sua empresa. A resposta do acionista majoritário e presidente do Conselho de Administração da seguradora Porto Seguro foi “não”.
Garfinkel saiu de lá incomodado — e guardou no bolso do paletó o cartão de Solange Rosalem Senese, que conheceu na ocasião. A economista ocupava um posto-chave na Fundação Professor Doutor Manoel Pedro Pimentel, a Funap, entidade que tem como objetivo dar assistência jurídica, educacional, cultural e profissional aos presos. “Minha missão era qualificar e tentar conseguir emprego para a população carcerária”, lembra Solange. Algo complexo diante de um sistema superlotado e dominado por facções.
Poucas semanas depois da palestra, o empresário ligou para ela. Queria entender mais sobre o sistema prisional. Anos mais tarde, contratou-a com a missão de, junto com ele, esboçar um projeto para evitar que egressos retornassem aos presídios.
Depois de muitas visitas a cadeias e discussões com advogados, juízes e médicos, criaram o Instituto Ação pela Paz, em 2015. A entidade atua em diversas frentes. Dá cursos de pintura, cabeleireiro, soldagem, gastronomia e panificação, além de aulas de música, xadrez e artes. Na maioria dos casos, o instituto compra maquinário e paga aos professores. “Os 100 primeiros dias de liberdade são os mais críticos. A probabilidade de voltar ao crime é enorme para quem não consegue um emprego”, alerta Solange.
Ela está correta. A taxa de retorno à cadeia mostra-se alarmante: 75% dos ex-detentos voltam para as celas. Esse quadro muda quando há ações efetivas.
Em Limeira, no interior paulista, a entidade atendeu 272 presos em 2016. Desses, apenas um regressou ao sistema prisional. “Eu elaborei um projeto de música e passei a dar aula de instrumentos nessa unidade”, lembra Robson Mateus Sanches, de 24 anos. Ele foi preso em março de 2015 por tráfico de drogas e deixou a unidade em abril de 2017. Há sete meses, trabalha na confecção Panosocial, localizada no centro de São Paulo. Dos doze funcionários da empresa, cinco são ex-detentos. “Nós precisamos de ajuda.”
Karine Vieira sabe bem disso. Hoje com 36 anos, ela entrou para o crime aos 14. Traficou, cometeu furtos e assaltos e foi presa aos 24. Passou cinco meses na cadeia e voltou para o crime, situação em que ficou até os 28. “Resolvi parar. Saí de cabeça erguida, em busca de paz.” Ela foi aprovada no curso de serviço social na faculdade Anhanguera.
Trabalhou anos com a ONG AfroReggae, até fundar a Responsa, em setembro de 2017, com patrocínio do Instituto Ação pela Paz. Karine conseguiu onze empregos formais para ex-presidiários em empresas como Tejofran, de serviços de limpeza, e Joaquina Brasil, uma confecção. “Também garantimos dezenas de trabalhos temporários.”
Se no ano passado o Instituto Ação pela Paz investiu 1,5 milhão de reais em ações para presidiários, neste ano serão 2 milhões. Esse valor vem de Garfinkel como pessoa física, da Porto Seguro, da Fecomercio e da Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais. “Meu sonho é apoiar um projeto para que depois ele ande sozinho, assim posso ajudar outros”, diz o empresário. “Capacitar e empregar egressos é tirar um criminoso em potencial da rua.”
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