IML: investimento em tecnologia e infraestrutura melhora trabalho
Atualmente, a análise de cadáveres representa apenas 5,5% do total de perícias feitas na cidade
Nem só de necropsia vivem os peritos do Instituto Médico-Legal (IML). Atualmente, a análise de cadáveres representa apenas 5,5% do total de perícias feitas na cidade. O exame mais frequente é o de lesão corporal, realizado em pessoas vivas, vítimas de agressões ou de acidentes domésticos, de trânsito e de trabalho. Há ainda as investigações laboratoriais, responsáveis por quase 20% das perícias. Sua eficácia depende, além de profissionais capacitados, de tecnologia de ponta. Até pouco tempo atrás, no entanto, esse era um setor para lá de defasado na polícia de São Paulo.
“Faltava de funcionários a reagentes”, conta Maria Tereza Seixas, médica do laboratório de patologia forense do IML. “Em condições assim, laudos que poderiam ser expedidos em um só dia levavam semanas para ficar prontos.” Essa situação começou a mudar recentemente. No ano passado, foram gastos 402 000 reais com a compra de equipamentos e materiais utilizados nos laboratórios do instituto. “Não é o suficiente para nos igualarmos às mais modernas polícias do mundo”, diz o diretor do IML, o cirurgião Roberto Souza Camargo. “Mas os efeitos positivos já são percebidos na prática.”
Um dos laboratórios incrementados é o de toxicologia, no qual peritos procuram substâncias químicas (re médios, drogas e inseticidas) em amostras biológicas, como urina ou suco gástrico. Ali se investigam casos de overdose e se suspeitos consumiram drogas antes de praticar delitos. Apesar da importância dessa pesquisa, sua realização contava com apenas dois tipos de exame para emitir laudos: cromatografia a gás e em camada delgada (técnicas de separação de materiais). “Por se tratar de métodos pouco precisos, só conseguíamos flagrar substâncias abundantes nas amostras”, afirma o farmacêutico Erasmo Soares da Silva. Os peritos não eram capazes também de especificar a quantidade nem exatamente o composto encontrado.
Em alguns casos, como quando era forte a suspeita de que a amostra continha cocaína, o exame precisava ser realizado por outro centro de pesquisa mais bem equipado. Foi assim na investigação dos assassinatos cometidos em 1999 pelo estudante de medicina Mateus da Costa Meira, dentro de uma das salas do cinema do MorumbiShopping (veja o quadro abaixo). Na época, só foi possível dizer que o homicida estava drogado graças a um teste feito na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP. Desde o ano passado, um equipamento como o usado ali, o cromatógrafo a gás com espectômetro de massas, está em funcionamento no laboratório de toxicologia do IML. Essa e outras duas máquinas de nome complicado (cromatógrafos líquidos de alta eficiência com detectores de arranjo de diodos acoplados) permitem que os toxicologistas tenham certeza do que encontraram e, no caso da cocaína e do álcool, em que quantidade.
Outro departamento que recebeu investimentos é o de patologia forense. Ali, peritos examinam em microscópio fragmentos de cadáveres de vítimas de assassinato para ajudar a definir quais foram as circunstâncias da morte. Para realizarem esse trabalho, os médicos dependiam de máquinas obsoletas, difíceis de manusear e com lentes que proporcionavam imagens pouco nítidas. O preparo das lâminas para análise ainda era feito a mão, o que aumentava o tempo para expedir o laudo final.
No ano passado foi adquirida uma máquina que realiza esse serviço automaticamente, além de três microscópios, um deles acoplado a um computador. “Agora temos mais um meio de arquivar o que observamos durante os exames”, afirma a patologista Maria Tereza Seixas. “E duas pessoas podem ver as amostras ao mesmo tempo, o que facilita a pesquisa científica dentro do laboratório.”
Sem contar o investimento direto no IML, mais 150 000 reais foram injetados no Laboratório de DNA, que faz parte do Núcleo de Biologia e Bioquímica do Instituto de Criminalística (IC). Entre os novos aparelhos está o chamado PCR em tempo real. Ele serve para “fabricar” cópias de DNA. Dessa forma, é possível criar várias amostras e analisá-las diversas vezes sem o risco de que um erro em alguma etapa do exame destrua a prova. O equipamento também calcula a quantidade de substância a ser usada durante o exame. “Meu objetivo agora é começar a desenvolver pesquisas acadêmicas aqui dentro e fazer do instituto o CSI brasileiro”, diz o diretor do IML, Roberto Souza Camargo, referindo-se à polícia científica americana, retratada no seriado de televisão ‘CSI’.
No passado era pior
A falta de estrutura adequada no IML já comprometeu a investigação de crimes de repercussão nacional.
Maníaco do Parque
Agliberto Lima
Em 1998, o motoboy Francisco de Assis Pereira matou sete mulheres no Parque do Estado
O que aconteceu: Em 1998, o motoboy Francisco de Assis Pereira matou sete mulheres no Parque do Estado. Informalmente, ele confessou os crimes, mas negou a autoria perante o delegado em seu primeiro depoimento. Acabou condenado a mais de 100 anos de prisão.
Como foi a investigação: Uma das evidências que relacionavam Pereira aos assassinatos eram restos de sêmen encontrados ao lado do corpo de uma das vítimas. A análise de DNA poderia comprovar se a secreção pertencia mesmo ao motoboy. Mas havia apenas 45 espermatozoides, muito pouco para as condições técnicas então disponíveis. Ao extraírem o material genético da amostra, os peritos usaram a quantidade errada de reagente e acabaram perdendo aquela prova. Pereira foi condenado mesmo assim porque outras evidências o ligavam ao crime.
Como seria hoje: Graças a um aparelho chamado PCR em tempo real, é possível estimular a replicação do DNA artifi cialmente, o que aumenta o número de amostras. Além disso, o equipamento calcula a quantidade das substâncias e quais devem ser usadas no teste para evitar danos à prova. Com essa tecnologia, o risco de perder o sêmen encontrado no local do crime seria remoto.
Atirador do shopping
Fernando Pereira
Em 1999, o estudante de medicina Mateus da Costa Meira atirou contra a plateia que assistia ao filme ‘Clube da Luta’
O que aconteceu: Em 1999, o estudante de medicina Mateus da Costa Meira atirou contra a plateia que assistia ao filme ‘Clube da Luta’ no cinema do MorumbiShopping. Três pessoas morreram. Em 2004, Meira foi condenado a 120 anos e seis meses de prisão.
Como foi a investigação: Um exame toxicológico deveria mostrar se Meira tinha consumido drogas antes de atirar contra a plateia. O resultado positivo indicaria que os assassinatos foram premeditados. O teste realizado no IML deu negativo porque o aparelho utilizado não era sensível a pequenas quantidades das substâncias pesquisadas. A amostra precisou ser enviada para o laboratório da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, onde um equipamento mais moderno detectou cocaína no sangue.
Como seria hoje: Desde o ano passado, o mesmo aparelho utilizado na USP está disponível no laboratório de toxicologia do IML. Com ele é possível identifi car com precisão quantidades ínfi mas de entorpecentes nas amostras testadas, sem a necessidade de enviá-las a outros centros de pesquisa, o que demanda mais tempo e expõe a prova ao risco de ser danifi cada no trajeto.