Hospital Universitário da USP pode encerrar pronto-socorro
No último dia 21, instituição fechou o pronto-socorro infantil, que recebia 120 crianças por dia
Mais prestigiada instituição de ensino superior do país, a Universidade de São Paulo (USP) vem apertando o cinto para conter uma crise financeira. Entre seus setores mais vulneráveis está o Hospital Universitário (HU), no câmpus do Butantã. De dois anos para cá, o local já amargou uma redução de oitenta leitos, 30% do total. O quadro piorou no último dia 21, com o fechamento do pronto-socorro infantil, que recebia 120 crianças por dia.
A situação pode se tornar ainda mais grave neste mês com a ameaça de interrupção também no atendimento da emergência adulta, por onde passam diariamente cerca de 500 pessoas. Em um comunicado enviado à direção há duas semanas, um grupo de 56 médicos afirma que a saída de um colega, marcada para os próximos dias, vai inviabilizar as jornadas. Haverá apenas dois plantonistas para cuidar de enfermaria, UTI e ambulatório.
“Tentamos manter o atendimento por amor à profissão, mas chegamos ao limite”, afirma o clínico geral Sérgio Cruz, com dezoito anos de casa e um dos signatários do manifesto. Procurado por VEJA SÃO PAULO, o reitor Marco Antonio Zago, em fim de mandato, diz que não comentará a situação. Seu substituto, Vahan Agopyan, assume no dia 25 de janeiro. Durante a campanha, ele defendeu a proposta de que os governos federal, estadual e municipal passem a arcar com os custos dos atendimentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) — hoje 90% dessa conta é bancada pela USP.
A situação econômica do HU piorou bastante nos dois últimos anos. Em 2017, o orçamento da instituição foi de 263 milhões de reais, cerca de 20% menor que o de 2015. Isso se refletiu na queda no número de profissionais. Desde 2014, o espaço perdeu 69 médicos, ou 25% da força de trabalho. Quase metade dessas ausências impactou setores cruciais, como clínica geral e pediatria. “Eles saíram e nunca foram substituídos”, diz o clínico geral Gerson Salvador, diretor do Sindicato dos Médicos de São Paulo e funcionário do HU desde 2010.
A consequência imediata do possível fechamento do local recai sobre dois óbvios grupos: pacientes e estudantes de medicina. No caso dos primeiros, o serviço já se mostra bastante precário em relação ao que era prestado há alguns anos. O número atual de atendimentos diários, da ordem de 500, representa metade do registrado em 2015. A paralisação total deixará a população sem outra instituição de excelência na região.
“Passei por uma cirurgia na próstata e preciso de acompanhamento clínico a cada três meses”, conta o aposentado Raimundo da Silva Santos. “Se fechar, não terei para onde ir.” No que se refere aos alunos, mais de 1 000 deles cumprem uma parte da grade curricular em diferentes setores do HU a cada ano.
Em greve desde 13 de novembro por causa da situação no hospital, os estudantes da área de saúde da universidade estão flexibilizando suas exigências para ajudar a manter as portas abertas. A princípio, eles eram contrários à contratação de médicos que não fossem professores. “Aceitaremos uma medida emergencial desse tipo, mas não como uma política de longo prazo”, afirma Maria Luiza Corullon, presidente do Centro Acadêmico Oswaldo Cruz, da Faculdade de Medicina da USP.
Uma possível saída para a crise do HU seria sua transferência para a Secretaria Estadual ou Municipal de Saúde. Já ocorreram duas tentativas de implementar a ideia. Em 2014, o governo do estado desistiu do projeto durante a campanha de reeleição de Geraldo Alckmin. “O Conselho Universitário teria de aprovar, mas por enquanto não há possibilidade de isso acontecer”, afirma o secretário estadual de Saúde, David Uip.
Mais recentemente, em março deste ano, a reitoria da USP solicitou à prefeitura que assumisse a gestão da instituição, mas a medida esbarrou na dívida de 9 milhões de reais do hospital com o IPTU. Na próxima semana, haverá uma nova reunião mediada pelo Ministério Público para tentar resolver a questão com representantes dos alunos, funcionários e membros das equipes de Alckmin e João Doria. “Estado e município podem colaborar com convênios pontuais”, diz o promotor Arthur Pinto Filho.