Com home office, falta um ambiente fértil para inovação e produtividade
É preciso se contentar com encontros virtuais nada estimulantes, e isso tem consequências inclusive para o trabalho, escreve Adriano Sartori, da CBRE Brasil
Uma das coisas de que mais sinto falta nesta pandemia é o antigo hábito de almoçar com os colegas do trabalho na sexta-feira. Colocávamos a conversa em dia, repassávamos os acontecimentos da semana e já programávamos a próxima. Com a pandemia, tivemos de nos contentar com os encontros virtuais nada estimulantes.
Esses oito meses mudaram a vida de todos, novos hábitos, novas formas de trabalho e de interação entre as pessoas. O momento também mudou a nossa relação com o espaço de trabalho e, assim como os novos hábitos impostos, muitas empresas já antecipam transformações no escritório físico como conhecemos.
Trabalhar de casa ou remotamente de qualquer lugar não é algo novo, mas um movimento que começou há mais de uma década e foi acelerado pela pandemia da Covid-19. Para certos tipos de profissionais e empresas pode até funcionar, mas, para a grande maioria, o home office começou a se tornar um pesadelo. Pesquisas mostram que, passados oito meses, o trabalho remoto deixou as pessoas mais ansiosas e estressadas do que antes. Muitas se sentem solitárias e pressionados a estar on-line por mais tempo do que normalmente estariam.
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Depois de tantos meses a distância, o sentimento de colaboração e conexão social que os escritórios trazem passou a voltar à lista de desejos de profissionais para os próximos meses.
Algumas experiências e dinâmicas exclusivas da presença física nos escritórios são essenciais para que os empregadores mantenham engajada uma força de trabalho atualmente dispersada.
Antes mesmo da pandemia, muitas empresas já implantavam importantes transformações em seus escritórios, e não apenas tinham o olhar voltado para seu interior como também valorizavam a localização e a interação com a cidade.
Essas empresas já enxergavam no local de trabalho um espaço que vai muito além de um simples “escritório”. Elas já o tratavam como um “hub” de experiências, propício para difundir a cultura e a marca da empresa, um ambiente fértil para conectividade, produtividade e inovação entre as pessoas, além de ser uma ferramenta fundamental de atração e de retenção de talentos. Boa parte daquelas pessoas ansiosas é jovem, ávida por interações e aprendizado que só o ambiente físico pode proporcionar.
Muitas dessas empresas pertencem à chamada “nova economia”. São startups e empresas de tecnologia que, além de repensar seu espaço interior, enxergam os grandes centros urbanos, como São Paulo, um terreno fértil para crescimento. Tomemos como exemplo as mudanças pelas quais vêm passando as principais avenidas da cidade. Há trinta anos, a maioria das empresas instaladas na Paulista era do setor financeiro. Hoje, mais da metade é do setor de serviços e tecnologia e apenas 15% do financeiro. Situação parecida com a Faria Lima.
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Essas companhias perceberam que, para atrair os melhores talentos, precisavam se adequar a essa nova forma de interação com o trabalho. Passaram a repensar seus espaços internos e a dar preferência a edifícios bem localizados e próximos a serviços variados. Essa combinação de fatores é essencial para atrair os jovens profissionais, que criaram verdadeiras comunidades nessas regiões. Ali eles vivem, trabalham e se socializam. Essa tendência do escritório “hub” vai permanecer e crescer criando laços mais fortes entre os funcionários com sua empresa e com seus colegas e assim superar a crise econômica que a pandemia vai nos deixar de legado.
“Locais de trabalho podem ser um ‘hub’ de experiências, propício para difundir a cultura da empresa”
Os escritórios são parte fundamental do desenvolvimento, não apenas profissional, mas também pessoal. É imprescindível que esses espaços sejam repensados como ferramentas de um futuro do trabalho com mais interação e diversidade e como local para o desenvolvimento de novas ideias.
Ideias essas que surgem não só no almoço da sexta-feira, mas também daquele bate-papo inesperado no café da tarde, e que transformarão não apenas a própria empresa, mas o modo como a sociedade interage com este novo mundo que se apresenta, com experiências que somente a tecnologia não pode nos oferecer.
Adriano Sartori: Arquiteto e urbanista, vice-presidente da CBRE Brasil, vice-presidente de gestão patrimonial e locação do Secovi-SP e conselheiro do Green Building Council Brazil.
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Publicado em VEJA São Paulo de 23 de dezembro de 2020, edição nº 2718