Histórias dos detentos da Penitenciária que reúne estrangeiros
Localizada em Itaí, a prisão abriga condenados de 89 nacionalidades
FEZ A CASA DE CATIVEIRO
(Portugal)
O português Antonio José Martins de Sá, 58 anos, integra os 20% dos presos de Itaí que não cumprem pena por tráfico internacional de drogas. Foi enquadrado no artigo 159: extorsão mediante sequestro. Há nove anos, fez sua casa no bairro de Santo Amaro de cativeiro para um crime que também teria ajudado a executar. “É tudo mentira”, afirma. “Meu comportamento é excelente e pago por algo que não fiz.” Sá migrou para o Brasil ainda bebê e tem dois filhos brasileiros. Sua pena termina em 2016.
PRESO EM CONGONHAS
(Romênia)
Até ser pego pela polícia no Aeroporto de Congonhas, quando tentava embarcar com 12 quilos de cocaína em um voo para Brasília, de onde seguiria para Portugal, o romeno Petrica Zibileanu, de 41 anos, chegou a ficar um mês zanzando pela cidade de São Paulo. Hospedado em um flat da Avenida Brigadeiro Luís Antônio (“lado dos Jardins”), almoçava todos os dias no Shopping Paulista (“adorei os self-services”). Na cadeia, o traficante gosta de ler revistas para matar o tempo e diz que nunca havia cometido esse tipo de crime. “Tenho duas casas no meu país que, juntas, valem 1 milhão de euros.” Ele receberia 5.000 euros pelo transporte da droga.
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A INTERPOL ESTÁ ATRÁS DELE
(Espanha)
Falante e bastante ansioso, o espanhol Francisco Pascual Villarrubia, de 30 anos, está possesso. Há três meses arrumou uma confusão no pátio da prisão e sofreu um corte no braço esquerdo — provavelmente causado por um golpe com estilhaço de espelho. Por esse motivo, foi para a cela do “castigo”, que divide com outros colegas de comportamento ruim. “Estamos sem televisão, isso me deixa maluco.” Villarrubia tem mesmo o pavio curto. Foi parar no presídio por conta de outra briga, ocorrida na Avenida Paulista em janeiro de 2009. Na ocasião, chegou a agredir um policial e tentar furtar a arma dele. Agora, pode ser transferido. Há duas semanas, chegou uma carta da Interpol requerendo sua extradição para ser julgado na Espanha em um processo de tráfico de drogas.
FLAGRANTE NO METRÔ VILA MATILDE
(França)
Com um português compreensível, o francês Latoundé Janis Brice teve o mesmo destino de vários de seus colegas de prisão: foi preso por tráfico internacional de drogas. Nascido em Paris, aos 13 anos ele se mudou para Benin, país africano de onde vieram seus pais. Nunca pisou em uma escola e ganhava a vida como mecânico de carros. “Recebia uns 100 dólares por mês.” O PIB do país é de 6,6 bilhões de dólares, cerca de um quinto da fortuna do empresário Eike Batista. Com a promessa de embolsar 3.000 dólares, veio a São Paulo para comprar 500 gramas de cocaína. Foi pego em flagrante dentro do Metrô Vila Matilde quando já estava com a droga. “Devo ser solto em novembro, com 38 anos”, diz ele, que trabalha como cozinheiro do presídio. “Aqui, aprendi a fazer feijão, arroz e todo tipo de carne.”
O FÃ DE SABRINA SATO
(Polônia)
Natural de Lubsko, quase fronteira com a Alemanha, o polonês Slawomir Snopkiewicz integra o grupo de 22 alunos que fazem curso de alfabetização em português. Está determinado a aprender a língua para arrumar uma namorada. Preso oito meses atrás quando foi pego dentro de um táxi portando 1,5 quilo de cocaína, ele quer ficar no Brasil mesmo depois de solto — o que deve acontecer em um ano. “O país oferece muitas oportunidades”, diz. Ele deixou na Europa uma ex-namorada e dois filhos, de 4 e 3 anos. Mantém a forma fazendo exercícios diariamente. Ao lado de presos tão loiros e musculosos como ele, Snopkiewicz puxa barras com até oito garrafas de 2 litros cheias de água em suas extremidades. Outro hobby é assistir ao programa “Pânico na TV”. “Durmo pensando na Sabrina Sato.”
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“O BAGULHO É LOUCO”
(Burundi)
Fugindo ao lado de um amigo em um navio mercante vindo da África, Thomasi Nsabimana, 27, chegou há oito anos ao Porto de Santos. Veio direto para São Paulo, onde morou em uma república no centro da cidade até obter status de refugiado. “Possuo CPF e carteira de trabalho”, orgulha-se. Seu país, o Burundi, tem o 166º IDH do mundo, com 0,282. Só está à frente de Níger (0,261), República Democrática do Congo (0,239) e Zimbábue (0,140). Embora tenha a tatuagem de uma pistola no braço esquerdo, Nsabimana está na cadeia por tráfico internacional de drogas — foi preso há três anos e quatro meses. “O bagulho é louco”, diz. “Não é fácil conseguir emprego bom, entende?” Muçulmano sunita, carrega o tapete onde faz suas cinco orações diárias, mesmo durante a jornada de trabalho como faxineiro. “Os presos daqui nunca desrespeitaram minha religião.” Seu principal passatempo nos fins de semana é ver jogos do Corinthians, time pelo qual passou a torcer.
COCAÍNA NO ESTÔMAGO
(Bolívia)
Com a roupa do corpo, identidade boliviana na carteira e 100 cápsulas de pasta-base de cocaína no estômago, o boliviano Miguel Angel pegou um ônibus na cidade de Puerto Suárez, ao lado de Mato Grosso do Sul, rumo a São Paulo. Motorista desempregado, ele topou fazer o serviço de “mula” por 500 reais. Era junho de 2009. Na revista feita pela Polícia Rodoviária em Presidente Prudente (SP), Angel começou a chorar de desespero. Foi preso. Pegou cinco anos de detenção. Até então analfabeto, aprendeu a ler e a escrever na prisão aos 32 anos de idade. Trabalha na oficina de costura, especializada em confeccionar uniformes para seguranças da Secretaria de Administração Penitenciária, e ganha cerca de 400 reais por mês.
TRAFICANTE, EU?
(Nigéria)
U.M. de 38 anos, representa a legião de nigerianos que faz o país africano constar no topo do ranking da população carcerária estrangeira de Itaí: são 188 deles. Nascido na cidade de Lagos, está no Brasil há dezoito anos. Conhecido por falar pelos cotovelos, o presidiário fica bastante gago quando perguntado sobre sua história. Sustenta que teve sua liberdade tirada por perseguição policial. “Colocaram 900 gramas de cocaína dentro do meu Gol”, diz. “Fui chantageado. Pediram 1 milhão de reais.” Ele afirma que trabalhava como corretor de imóveis. Hoje, faz serviços de ajudante geral — uma de suas funções é tomar conta da horta da cadeia.