Gonçalo Borges e outros artistas deficientes assinam cartões de Natal
Os trabalhos são feitos com a boca e com os pés, pois os autores não podem usar as mãos
O pintor e professor de arte Gonçalo Borges estaciona sua caminhonete numa travessa da Avenida Paulista, próximo ao Masp. Enquanto fala ao celular, descarrega do carro adaptado os quadros que exibe na foto acima. Sua rotina seria como a de outro artista não fosse um detalhe: Borges cumpre essa agenda sem usar nenhum dos braços. Ele nasceu com as mãos deformadas e, desde pequeno, aprendeu a fazer tudo com os pés e a boca. Inclusive pintar. Alguns de seus trabalhos começam a chegar em novembro pelo correio à casa de milhares de paulistanos. São pinheiros, bolas vermelhas e velas que enfeitam cartões natalinos assinados por Borges e outros 725 artistas de 74 países da Associação de Pintores com a Boca e os Pés. Fundada em 1956, a organização internacional é uma cooperativa administrada pelos próprios deficientes e mantida com a renda dos kits natalinos enviados por mala direta. Os pacotes com cartões e calendários (2,40 reais a 37,50 reais) são oferecidos a 1 milhão de brasileiros. Menos de 5% são comprados.
No Brasil, há trinta pintores, cinco deles paulistanos. O caçula do grupo é Daniel Rodrigo Ferreira da Silva, de 17 anos. Desde setembro na organização, ele é um dos três brasileiros que pintam tanto com a boca quanto com os pés – a maioria desenvolve só uma habilidade. Outros descobriram a arte por causa da deficiência, caso do tetraplégico e ex-caminhoneiro Etedsued Pereira Carvalho. Ele começou a pintar depois que um atropelamento lhe deixou apenas o movimento da cabeça e do pescoço. Usando pincéis acoplados a palitos de churrasco, Carvalho é o autor de cerca de 500 telas. “Foi preciso um acidente para que eu descobrisse a arte”, diz.
O artista que consegue passar pelo processo de seleção recebe um salário inicial mensal de 700 francos suíços, cerca de 1 000 reais, e passa a enviar suas obras à sede. Os trabalhos escolhidos viram cartões de Natal impressos na Inglaterra. “Mais do que a sobrevivência, as vendas garantem nossa liberdade”, diz Borges.