Gilberto Gil traz o Expresso 2222 para o aniversário da cidade
O cantor e compositor baiano festeja a cidade na esquina das avenidas Ipiranga e São João, é tema de enredo da Vai-Vai e relembra a relação com a metrópole
A mais famosa das esquinas da capital, a das avenidas Ipiranga e São João, vai se transformar em um território do Carnaval baiano na quinta (25). O cantor e compositor Gilberto Gil traz o seu Expresso 2222, trio elétrico da folia de Salvador, para animar a comemoração dos 464 anos da cidade. O caminhão de som será montado em frente ao Brahma, o bar mais amado pelos moradores da metrópole, segundo pesquisa de VEJA SÃO PAULO.
Esse estabelecimento, em parceria com a Vai-Vai, promove o evento, que começa a sacudir o povo a partir das 13 horas. A bateria da escola de samba do Bixiga, o cantor Thobias da Vai- Vai, a Velha Guarda Musical e a Banda da Esquina aquecem o público para o ápice, depois das 17 horas, quando o dono da festa sobe ao trio.
Gil se junta aos ritmistas e deve cantar oito músicas, entre elas Sampa, o hino criado por Caetano Veloso em tributo à metrópole. Antes disso, desde as 14 horas, shows intimistas ocuparão os salões do Brahma e é esperada uma canja do astro com seu violão por volta das 17 horas. A celebração será uma prévia da homenagem que Gil receberá em 10 de fevereiro, no Sambódromo do Anhembi.
Com o enredo Sambar com Fé Eu Vou!, a Vai-Vai entra na avenida para contar a trajetória de Gilberto Passos Gil Moreira, 75 anos de vida e mais de cinquenta dedicados à música. “Fiquei lisonjeado, mas homenageado não diz como deve ser feita a homenagem”, afirma o baiano, que deu total liberdade de criação à escola.
O presidente da Vai-Vai, Darly Silva, o Neguitão, teve a primeira conversa com Gil em junho. O cantor visitou a escola em setembro, semanas antes da definição do samba. O tema Sambar com Fé Eu Vou! cita o sucesso Andar com Fé e ainda clássicos como Domingo no Parque e Se Eu Quiser Falar com Deus. “Vivemos uma grande crise e nossos artistas estão sendo muito atacados, por isso queremos mostrar a importância de Gil”, declara Neguitão.
Os detalhes para o desfile são mantidos a sete chaves. Os 3 200 componentes farão parte de um espetáculo criado pelos carnavalescos Chico Spinoza, Alexandre Louzada, Júnior Schall e Delmo de Moraes. A comissão de frente remete à crise política e à necessidade de ter fé nas mudanças. As influências culturais e religiosas na infância de Gil inspiraram as primeiras alas, como uma dedicada às benzedeiras.
Entre os carros alegóricos figuram reverências ao sanfoneiro Luiz Gonzaga, a primeira inspiração do artista, o tradicional bloco Filhos de Gandhy e há os que remetem ao movimento tropicalista e ao exílio em Londres. A consagração ganha representação no carro Super-Homem.
Gil deve aparecer em meio a sua família. A mulher, Flora Gil, os sete filhos (o oitavo, o baterista Pedro Gil, morreu em 1990) e parte dos dez netos estarão ao seu redor no último carro. A lista de amigos que devem atravessar a passarela está aberta. Os cantores Jorge Ben Jor e Tom Zé confirmaram. A Vai-Vai une esforços para juntar Caetano Veloso e Gal Costa a essa turma.
Tantas homenagens de São Paulo ao artista baiano podem até soar inusitadas, mas a história dissipa qualquer estranheza. Formado em administração, ele se mudou para a cidade em 1965, depois de ser aprovado em um concurso para executivo da Gessy Lever. “Quando cheguei eu me vi, pela primeira vez, misturado à massa”, conta. “Tudo é grande em São Paulo. Os deslocamentos são longos. Todo mundo é anônimo, mas todos têm um papel nessa cidade de trabalhadores”, completa.
Alugou uma casa no bairro de Cidade Vargas, próximo ao Jabaquara, onde viveu ao lado da primeira mulher, Belina Aguiar, e das filhas Nara e Marília. Poucos meses depois, incentivado pela cantora Elis Regina, assumiu-se de vez como músico. Gal Costa acompanhou a transição profissional. “Entre nós, Gil talvez seja o que chegou da Bahia com a bagagem mais farta, vidrado em bossa nova, mas também em música nordestina e rock. São Paulo mexeu muito com a cabeça dele naquela época”, lembra a conterrânea.
Foi no palco do Teatro Paramount, na Avenida Brigadeiro Luís Antônio, que o jovem conheceu o sucesso. Ao lado dos Mutantes, cantou Domingo no Parque, de sua autoria, e faturou o segundo lugar no III Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, em 1967. “Gil participava de festivais defendido por outros intérpretes e seu nome não ganhava projeção. Ali, estabeleceu uma relação autoral com o grande público e passou a ser um astro”, afirma o jornalista e pesquisador Zuza Homem de Mello.
O estouro da tropicália se deu no ano seguinte e, nessa época, além de Gil e Gal, Caetano vivia em São Paulo, em um apartamento da Avenida São Luís onde a turma se reunia para ouvir música, depois de uma passada no Bar Redondo, na Consolação. Com a decretação do AI-5, em dezembro, veio o exílio em Londres, que se arrastaria até o começo de 1972. “Desde a prisão, eu encontrei a ioga, a macrobiótica e uma disciplina de cuidados com o corpo e a mente”, diz.
São Paulo também sediou a estreia do show Doces Bárbaros, com Gil, Caetano, Gal e Maria Bethânia, em 24 de junho de 1976, numa concorrida temporada no Palácio das Convenções do Anhembi, que lançava um futuro clássico, Esotérico.
Pop na década de 80, Gil enfileirou hits dançantes como Realce, Palco e Luar. É dessa safra a polêmica Punk da Periferia, lançada em 1983 no disco e show Extra, que fazia referências ao movimento punk e ao bairro da Freguesia do Ó. Nos anos seguintes, sem deixar a música, exerceu cargos públicos e foi ministro da Cultura no primeiro mandato do ex-presidente Lula.
Aos 75 anos, diz que se sente renovado. “Em 2016, passei mais resguardado, tendo de cuidar da minha saúde, e quando me vi livre do hospital eu pensei ‘bem, agora estou em alta’ ”, afirma, lembrando o período da internação no Sírio-Libanês, acometido por uma insuficiência renal.
Depois de completar uma turnê com Caetano, cantar com Gal e Nando Reis no show Trinca de Ases e dividir o palco com parte de seus filhos, nora e neto no projeto Refavela 40, Gil aproveita muito bem esse momento de alta. “Retomei uma característica minha, a pluralidade, atendo a muitas solicitações que chegam”, diz. “Passei boa parte da vida me educando e hoje em dia posso me considerar um cavalheiro.”
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