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O funk ostentação está à beira da morte. E já tem um substituto

Misturando palavrões a canções da Disney, nova onda de hits da periferia enterra composições sobre carrões e grifes caras

Por Juliana Deodoro
Atualizado em 1 jun 2017, 17h05 - Publicado em 30 jan 2015, 19h06
MC Guimê no clipe Plaque de 100
MC Guimê no clipe Plaque de 100 (Reprodução YouTube/)
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Primeiro foram as iogurterias, depois as lojinhas de cupcake e chegou a vez de tocar o tango argentino para a morte de mais uma modinha paulistana: o funk ostentação. As músicas sobre carrões, grifes e afins, celebrados em canções como Plaquê de 100 (De transporte nós tá bem/ de Hornet ou 1100/ Kawasaky, tem Bandit/ RR tem também), de MC Guimê, derreteram com o calor deste verão.

Achou boa notícia? Pois prepare-se para o que vem por aí (ou melhor, já está entre nós). Mas, antes, tire as crianças da sala.

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A nova onda é chamada nas versões mais politicamente corretas de “funk ousadia” (a rima pela qual tem sido amplamente conhecida é impublicável). Em suas letras, saem as referências a uma vida luxuosa e entram trocadilhos sexuais. Ninguém esperaria que fosse algo com a sagacidade de Chico Buarque em Atrás da Porta, mas não se trata nem do sexo explícito das músicas de MC Catra ou Valesca Popozuda. É algo ao estilo 5ª série, com piadas com o tom boboca típico da turma do fundão em canções batizadas com nomes como Trampolim.

 

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Muitos dos hits usam como base músicas da Disney, de desenhos como Branca de Neve e os Sete Anões e Cinderela. É, para espanto dos pais, a música das “novinhas” e “novinhos”, encontrada facilmente no YouTube tanto nos originais hardcore quando nas versões light, com duas funções claras. A primeira é poder serem ouvidas perto dos mais velhos sem que eles desconfiem. A segunda é garantir aos MCs a viabilidade comercial, com a divulgação em programas de rádio (pois é, eles não são ostentação, mas não rasgam dinheiro).

O programa No Flow, da rádio Metropolitana FM, é um dos que toca esse tipo de som, nas gravações livres de palavrões (mas, ainda assim, bastante vulgares). “Tem algumas que eu não toco nem no rádio, nem em matinês ou festas privadas porque são picantes demais”, afirma Cristian Soares, o Piu Piu, apresentador da atração e DJ na Nitro Night, uma das principais baladas da Zona Sul, em Santo Amaro, daquelas em que mulher de minissaia não paga até 1h da madrugada em algumas noites.

Enquanto isso, MC Guimê e MC Gui, os nomes mais famosos do agora velho estilo ostentação, continuam presentes na mídia, mas o que fazem contém pouco dos sonhos de gastança de antes. “Aquela época refletiu a cultura do consumismo de toda a sociedade, que foi frustrado com a diminuição do dinheiro no bolso das pessoas”, explica o produtor e diretor Renato Barreiros. No fim do ano passado, ele passou dois meses frequentando bailes de rua para fazer o minidocumentário No Fluxo e constatou que a ostentação perdeu espaço especialmente nestas festas, que são frequentadas por jovens que têm menos dinheiro, não querem pagar por bebidas caras em casas de show e que gostam de dançar os passinhos. 

“A ostentação saiu do limite. Em Plaquê de 100, o Guimê falava de uma moto 1100. No últimos tempos, tinha gente fazendo música sobre um Lamborghini. Quando você vai ver um carro desse na periferia? Virou um assunto sem sentido.”

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Os novos ídolos

pedrinho e livinho
pedrinho e livinho ()

Entre os maiores sucessos das ruas estão os MCs Livinho e Pedrinho, de 19 e 12 anos (sim, 12 anos!) respectivamente. São deles as músicas mais eróticas do filão, como Pepeca do Mal, Picada Fatal e Mulher Kama Sutra. Procurados, não quiseram falar com a reportagem. A justificativa: “Eles já são conhecidos no mercado paralelo, não precisam dar entrevista”, argumentou Douglas Santos, produtor de ambos. Pedrinho tem cobrado em média 13 000 reais por apresentação e Livinho, 18 000 reais.

A fama underground rendeu até uma versão politizada de uma músicas dos dois. Se Prepara ganhou nova letra do Movimento Passe Livre (MPL) e é um dos hinos dos protestos contra o aumento da passagem de ônibus. Mas também causaram polêmica. Um show de Pedrinho marcado para 9 de janeiro em Araçatuba foi cancelado após o Ministério Público pedir a proibição da apresentação, alegando que o MC é menor de idade e não tem autorização legal para trabalhar à noite. Na decisão, o juiz afirmou que “a liminar é necessária para se garantir a ordem pública e ainda o pouco que resta de digno em nossa sociedade”.

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Enquanto isso, em bailes lotados,os dois arrastam uma multidão de meninos e meninas que de alguma forma se identificam com as músicas. Em quase todos os shows, Livinho chama uma garota da plateia escolhida por sua produção, se ajoelha diante dela e canta versos de Amor é Sentimento (“Virgem é signo/Não é vocação”). Em vídeos do YouTube, as fãs se derretem e choram copiosamente, como se fosse uma canção de amor.

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Abaixo, a versão light de Picada Fatal, de Livinho.

 
https://youtube.com/watch?v=k4JkDbxX0uA

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Outro dos mais tocados nos fluxos é Bin Laden, “codinome” de Jefferson Cristian dos Santos de Lima, de 21 anos. Nascido e criado em Itaquera, na Zona Leste, ele vendia tênis na Rua 25 de Março e ganhava um salário de 700 reais quando conseguiu emplacar a carreira de MC. Seu primeiro hit, Lança de Coco, fala sobre lança perfume, droga muito usada atualmente em bailes de rua na cidade. “Não escrevo nada que já não está na TV ou na minha própria realidade”, diz. Com o sucesso, Bin Laden agora cobra 12 000 reais por show, conseguiu comprar uma casa na Zona Sul e ajudou a mãe a arrumar o apartamento que ganhou do governo após perder tudo em uma enchente, há cinco anos. “Eu até ando com corrente e com roupa de marca, mas não falo sobre isso na minha música”, diz MC Bin Laden.

A dama do funk “ousadia”

“Perto dos outros funks, o meu é o mais light que existe”, diz MC Tati Zaqui, que já acumulou 10 milhões de visualizações no YouTube com Parara Tibum (que, de light, não possui nada). Aos 20 anos e com cabelo azul, ela tem seu rebolado imitado vastamente por meninas na internet.

Nascida em Santo André, ela queria ser aeromoça, já tinha até terminado o curso preparatório, quando bolou uma composição em homenagem a MC Kauan que bombou no Facebook. Decidiu largar tudo e tentar a carreira de funkeira, mas não se identificava com a ostentação. “Eu não vivo assim. Nunca tive roupa fina e é estranho fazer um funk falando sobre marcas que nem sei, falando de carro importado, sendo que ando de ônibus mesmo.”

Enquanto isso, a morte do funk consumista tem até um hino: Os Mlk É Liso (traduzindo para o “português”, algo como “os moleques são duros de dinheiro”), de MC Rodolfinho, em que ironiza a sede de compras no shopping e o desejo por carrões. Com esse desapego, “ostenta” cerca de 7 milhões de visualizações no YouTube. 

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