Fundo para vender propriedades ociosas emperra na falta de agilidade
O plano do governo do estado é disponibilizar 264 imóveis (188 na capital) e obter com o negócio uma receita de 1 bilhão de reais
Com o objetivo de se desfazer de imóveis e terrenos vazios ou sem interesse, o governo do estado começou há dois anos a desenhar um modelo inédito para o setor público no país: um fundo imobiliário que terá a função de desalienar propriedades sem os embaraços atuais da burocracia estatal. A ideia inicial é disponibilizar 264 imóveis espalhados pelo estado (188 na capital) e obter com o negócio uma receita de 1 bilhão de reais.
O dinheiro arrecadado deverá ser utilizado em investimentos e não poderá compor pagamentos de servidores e outras despesas de custeio. Serão ao todo 28 milhões de metros quadrados de áreas públicas oferecidos a investidores privados. Em março, foi assinado o contrato com o consórcio formado pela corretora paulista Socopa e pela gestora de recursos TG Core Asset, escolhido por licitação para gerenciar o fundo por cinco anos. A próxima etapa passa pela elaboração do regulamento, por um estudo de viabilidade econômica e pelo crivo da Comissão de Valores Mobiliários.
Apesar de bem-vindo, o plano ainda emperra na falta de agilidade. Pelas expectativas mais otimistas da gestão estadual, o fundo não será criado antes de novembro, dois anos depois de sua concepção inicial.
Quando o estado pretende vender um de seus 30 507 imóveis, o caminho mais utilizado é o leilão, divulgado em um site. Pelo mecanismo, nos últimos cinco anos, o governo obteve uma taxa de sucesso de apenas 9% do valor pretendido. Entre os entraves para a concretização de negócios está o fato de a administração oferecer pouco ou nenhum atrativo ao comprador, que precisa quitar o débito quase sempre à vista.
As avaliações imprecisas e a inexistência de funcionários públicos empenhados em realizar as transações também são impeditivos históricos. “A ideia é trazer a eficiência do mercado para o governo, que perde muitos negócios por não saber vender seus ativos”, afirma Mario Engler, presidente da Companhia Paulista de Parcerias, ligada à Secretaria da Fazenda, que encabeça a iniciativa.
Entre os imóveis que serão postos no fundo estão fazendas, ginásios, edifícios, salas comerciais, vagas de garagem, entre outros. “Podemos fazer melhorias que não envolvam dinheiro, como parcerias em terrenos onde serão construídos prédios por incorporadoras”, afirma Marcelo Varejão, diretor da Socopa. Qualquer ação desse tipo deverá passar pelo crivo de uma comissão formada pelo governo e por membros da sociedade civil.
Na capital, das 188 propriedades, 52 estão hoje ocupadas irregularmente. A maior parte delas se concentra na região da Avenida Jornalista Roberto Marinho, no Campo Belo, e pertenceu ao Departamento de Estradas de Rodagem (DER). Nos anos 70, o estado pretendia construir ali um anel viário, nos moldes do Rodoanel. Como a cidade cresceu antes de o projeto sair do papel, muitas das terras desapropriadas foram invadidas.
Outro caso emblemático de invasão é o da Rua do Ouvidor, 63, no centro. O prédio de treze andares e 2 900 metros quadrados está ocupado há quatro anos por um grupo de 120 artistas de rua. Em 2016, o estado pôs o edifício à venda por 2,5 milhões de reais, mas não houve comprador. Os moradores, cientes da possibilidade de haver reintegração de posse, dizem que não arredarão pé do local. “Vamos resistir”, afirma uma das ocupantes, que pediu para não ser identificada.
Após o incêndio no Edifício Wilton Paes de Almeida, na semana retrasada, próximo dali, os habitantes do “Ocupa Ouvidor 63” expuseram na fachada uma lista de pedidos de doação de material elétrico, como disjuntores e tomadas, além de extintores.
Diante da possibilidade de o edifício da Rua do Ouvidor se transformar em uma dor de cabeça para o fundo imobiliário, a Companhia Paulista de Parcerias já sinaliza que poderá substituí-lo por outro menos “enrolado”.
Em casos de desapropriação, cabe à gestão do fundo encarregar-se das ações judiciais, o que vai rebaixar o valor dos imóveis e encarecer as operações. “Os investidores vão exigir um desconto, mas será que o governo está pronto para aceitar uma depreciação elevada?”, questiona o professor de economia Pedro Raffy Vartanian, da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Nem só de “encrencas” vive o fundo imobiliário. Projetado na década de 30 pelo arquiteto Álvaro de Arruda Botelho e tombado pelo conselho estadual do patrimônio histórico (Condephaat), o Edifício Banco de São Paulo, na Praça Antônio Prado, no centro, está avaliado em 17 milhões de reais.
No local funciona hoje a Secretaria de Esportes, mas os funcionários deixarão o espaço ainda neste semestre. Outra construção valorizada fica na Rua Alves Guimarães, em Pinheiros. Com valor estimado em 28 milhões de reais, o empreendimento abriga a Secretaria de Planejamento, também de mudança.
No início do fundo, o governo será o único cotista, com a possibilidade de receber aportes de municípios e até de outros estados interessados. A ideia é desmobilizar os negócios mais fáceis para que a empreitada ganhe visibilidade no mercado. Após um período que pode chegar a dois anos, o fundo será oferecido na Bolsa de Valores e as cotas poderão ser disponibilizadas para pessoas físicas e jurídicas.
“O modelo é bom, a economia está crescendo, mas, como existem fundos mais sólidos, o governo vai precisar explicar melhor como vai precificar os ativos que estão comprometidos”, afirma o engenheiro Cláudio Bernardes, ex-presidente do Secovi, o sindicato do mercado imobiliário.