Fotógrafos da periferia incrementam renda com retratos da ZN e do futebol de várzea
Fabio Luiz Silva, Rogério Silva e Jucinara Lima são o "trio parada dura" da fotografia do esporte amador da região e alimentam a paixão pelo ofício
Não foi a direção ou a edição de Cidade de Deus que chamaram atenção de Fabio Luiz Silva Cordeiro quando o filme foi indicado ao Oscar, em 2004. No longa, o jovem Buscapé, personagem interpretado por Alexandre Rodrigues, persegue o sonho de ser fotógrafo profissional, enfrentando as condições de vida pouco favoráveis de uma favela carioca.
Inspirado no seu herói, Fabio, também chamado de Baruk, passou por poucas e boas para comprar sua primeira câmera. Ao lado de Rogério Silva, o Trilha Favela, e Jucinara Lima, a Juh na Várzea, eles formam o “trio parada dura” da fotografia do futebol amador na periferia da Zona Norte, como define o fotodocumentarista Alexandre Urch, mentor de Baruk. Unidos pelo ofício, alimentam entre si a paixão: Fabio aprendeu a editar fotos com Rogério; Juh comprou sua primeira câmera após falar com Fabio, e, vira e mexe, os três trocam indicações de trabalho quando a agenda aperta. A seguir, conheça um pouco da história de cada um.
ROGÉRIO “TRILHA FAVELA”
“A fotografia é uma vontade que sempre tive, mas morando na periferia é difícil a gente conseguir realizar no tempo que sonha”, resume Rogério Souza Silva, 37. Apaixonado pelo Parque Taipas, nos limites da Serra da Cantareira, Rogério trabalhou durante onze anos como orientador socioeducativo nos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) da prefeitura. Em 2012, conseguiu uma bolsa no Senac para um curso técnico de fotografia e tentou conciliar o trabalho fixo com a paixão pelo futebol de várzea.
No perfil do Instagram, onde conta com 5 000 seguidores, ele mostra seus focos prediletos: as ruas e os campos de terrão onde os times amadores disputam campeonatos. Seu xodó é o Arvão F.C, clube dos moradores da sua quebrada, mas a renda vem de todo canto da capital: cobra a partir de 150 reais por jogo. Rogério saiu da assistência social em 2019 para apostar todas as fichas no ofício, montando uma empresa de produção audiovisual para equipes amadoras. “Começamos 2020 bem, todo fim de semana tinha serviço. Mas aí veio a pandemia e jogou um balde de água fria”, lembra. Um edital do Itaú Cultural, onde conseguiu uma bolsa de 3 000 reais em abril, o ajudou a persistir no sonho: “O futebol está voltando. Sábado e domingo, por exemplo, tive trabalho”, diz, esperançoso.
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JUCINARA, A “JUH NA VÁRZEA”
“Antes da pandemia, eu chegava a fazer três jogos por dia”, lembra Jucinara Lima, 28. Também de Taipas, desde 2018 os cliques são sua fonte de renda. Trabalhou em telemarketing e como vendedora e, antes da fotografia, teve uma loja de produtos de limpeza. Ela descobriu o ofício quando participou de um curso gratuito de criação de vídeo. “E aí achei uma bolsa para o curso de fotografia no Senac. No dia que abriram as inscrições, não dormi, fiquei a madrugada inteira esperando”, lembra ela, que termina o técnico neste ano.
“O futebol amador é muito importante, é a minha profissão, permite à gente sonhar, principalmente nós de baixa renda, da favela”, diz ela, que também gosta de fotografar as filhas, Luiza, 2 anos, e Isabella, 10, e as arquibancadas. O nome do seu perfil no Instagram, onde divulga o trabalho, também virou o seu apelido: Juh na Várzea. “Comecei cobrindo jogos dos times aqui da região. Depois fui indo também para a Zona Sul, Paraisópolis. Um que me abriu as portas foi o G.R Inajar de Souza (na Freguesia do Ó)”, explica ela, que cobra de 150 a 250 reais por partida, dependendo da distância de casa.
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FABIO LUIZ “BARUK”
“Sou cristão e chamo todo mundo de ‘abençoado’. Quando trabalhei em uma rádio, o locutor falava que eu tinha de procurar um nome forte. E aí traduzi ‘abençoado’ para o hebraico: Baruk”, resume Fabio Luiz Silva Cordeiro, 31. “Em 2013, trabalhava de office boy. Pegava o meu dinheiro, não almoçava muitas vezes, apenas uma coxinha e uma Coca, para comprar a câmera”, lembra.
Baruk começou fotografando na Xurupita, nome da favela onde morou até o ano passado, na região do Jaraguá, e rodou a Grande São Paulo. “Copa em Pirituba, Zona Leste, Perus, Diadema, é fora de série!” Sem curso na área, sua escola foi o fotógrafo Alexandre Urch. “Ele começou a me seguir no Facebook e falou para ir fotografar a quebrada dele. Então passei a frequentar direto, isso faz dez anos. Baruk pegava minhas lentes, emprestei flash. Acompanhei de perto o crescimento”, diz Urch.
Fabio foi convidado por uma agência para fotografar os treinos do Palmeiras e do São Paulo. “As pessoas me olhavam com um olhar diferenciado por ser amador, sentia que alguns fotógrafos se incomodavam por eu estar lá”, lembra. Além de office boy, ele trabalhou na área de logística de uma empresa de ônibus, sempre com a foto em paralelo. “Mas aí veio a pandemia, fiquei desempregado. Surgiu uma oportunidade de cobrir uma campanha política em Iperó (interior paulista), e desde então estou aqui, agora trabalhando em uma adega”, conta ele, que segue registrando times de cidades como Boituva. “Se surgisse uma oportunidade de trabalhar fixo em uma equipe, algo como uma Série B, eu me mudaria para onde fosse”, torce.
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Publicado em VEJA São Paulo de 10 de março de 2021, edição nº 2728