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Família de Paulo Goulart e Nicette Bruno domina palcos paulistanos

Casados há 54 anos, os atores Paulo Goulart e Nicette Bruno transmitiram a paixão pelos palcos aos três filhos e a três de seus sete netos. Uma história real, que mais parece peça de ficção

Por Dirceu Alves Jr.
Atualizado em 6 dez 2016, 09h05 - Publicado em 18 set 2009, 20h31

Quase 200 peças, mais de 100 novelas e, somando tudo, dois séculos e meio de carreira em uma só família. Paulo Goulart e Nicette Bruno completaram 75 anos de idade em janeiro, com uma diferença de apenas 48 horas – ela nasceu no dia 7 e ele é dois dias mais jovem –, olhando orgulhosos para o passado e vislumbrando o futuro. Em São Paulo, o casal celebra seis décadas de carreira com o espetáculo O Homem Ines-perado no intervalo das gravações de novelas no Rio de Janeiro. Nicette despediu-se duas semanas atrás da sofredora Juju de Sete Pecados, enquanto Paulo bate ponto nos estúdios da Rede Globo de segunda a quinta para interpretar o rancoroso professor Heriberto em Duas Caras. “Se a gente parar, fica velho”, diz o ator, que participou de 56 peças e 43 novelas contra 58 espetáculos e 36 tramas televisivas estrelados pela mulher.

Estes primeiros meses de 2008 trazem um significado especial para eles. Uma coincidência levou praticamente toda a trupe Bruno-Goulart a estar em cartaz ao mesmo tempo nos palcos paulistanos. Enquanto os patriarcas divertem em uma comédia romântica, a filha do meio, Beth Goulart, 47 anos, protagoniza o denso Quartett, adaptação de Heiner Müller assinada por seu filho, João Gabriel Carneiro, 25. O caçula, Paulo Goulart Filho, 43, chamado por todos de Paulinho, atua e dança na peça Adoráveis Sem-Vergonhas. Bárbara Bruno, 51, a primogênita, por sua vez, dirige O Santo Parto, escrita por seu marido, o dramaturgo Lauro César Muniz, e cuida da pré-produção de De Repente, no Último Verão, texto de Tennessee Williams. Saltando para a nova geração, sua filha mais velha, Vanessa Goulartt (sim, ela acrescentou um “t” em nome da numerologia), 32, estréia em breve uma comédia de sua autoria, M.A.N.D.I.M.G.A., enquanto Paula Miessa, 19, a mais nova de Pau-linho, participa da novela Dance Dance Dance, da Band. E pensar que toda essa ciranda começou com um simples anúncio de jornal…

Recém-chegada a São Paulo, a atriz niteroiense Nicette Bruno, com 18 anos, precisava de um parceiro para a montagem de Senhorita Minha Mãe. Publicou o seguinte quadro na imprensa: “Procura-se um galã para Nicette Bruno”. Se muitos candidatos leram, ela até hoje não sabe, mas um amigo, o diretor Ruggero Jacobbi, indicou um rapaz, locutor de rádio de Ribeirão Preto e recém-contratado pela TV Paulista, bem boa-pinta. Paulo se lembra com detalhes da cena, assim que entrou no Teatro de Alumínio, na Praça da Bandeira, em 1952. “Achei aquela mulher charmosa, mas um pouco estranha. Usava uma boina azul e fumava que nem atriz de Hollywood, soltando um pouco da fumaça e depois tragando”, descreve. Nicette jura que no primeiro encontro só teve interesse profissional pelo futuro marido. “Ela era caxias, não achava certo o envolvimento entre colegas”, afirma Paulo. O romance só deu a largada bem depois da estréia, quando a moça desmanchou a pose de diva e declamou o poema Único Amor, de Olegário Mariano, encarando os olhos do pretendente numa festa.

Em 26 de fevereiro de 1954, uma sexta-feira véspera de Carnaval, os dois fizeram do altar da Igreja Santa Cecília o palco de estréia de seu principal espetáculo. A lua-de-mel, em um sítio em Mairiporã, durou apenas os quatro dias de folia. Havia pilhas de textos para decorar, porque na quarta-feira os dois já voltariam ao trabalho na TV Paulista. “Quem hoje ensaiaria em plena lua-de-mel?”, pergunta Paulo. “Nós só casamos porque pedimos um adiantamento na TV para montar um apartamentinho”, conta Nicette. Os trabalhos se seguiram, o dinheiro pingava de leve e logo nasceram Bárbara e Beth. Preocupado, o pai de Paulo sugeriu que todos fossem morar em Curitiba e trabalhar com ele em um banco. “Prometi que, se a nossa próxima peça fosse um fracasso, mudaríamos para lá. Não deu outra”, diz ele, que durante três anos ganhou o sustento também em uma agência de publicidade enquanto ministrava cursos de teatro e fazia papéis numa das duas emissoras de TV que existiam na capital paranaense.

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Após o nascimento de Paulinho, em 1965, todos voltaram para São Paulo. A televisão ainda engatinhava. O cinema nunca foi muito presente na carreira deles, quanto mais rendeu lucro. “Uma vez, perdemos um apartamento para bancar um filme produzido pelo Paulo que afundou”, lembra Nicette. Correr atrás de dinheiro então significava ver as moedas tilintando nas bilheterias dos teatros Brasil afora e se ausentar, pelo menos fisicamente, dos filhos. Sob os cuidados da avó, a atriz Eleonor Bruno, Bárbara e Beth com freqüência encontravam os pais apenas uma vez por semana. “Eu os entendia plenamente. Nunca deixei de sentir o abraço, de aproveitar as horas em que rolávamos no chão e sei que a Bárbara concorda comigo”, diz Beth. Paulinho confessa ter sofrido mais na adolescência, no início dos anos 80, quando Paulo e Nicette passavam a maior parte do tempo no Rio por causa das gravações na Globo. “Queria meu pai por perto e ele nunca estava aqui, nem para jogar um futebol comigo.”

Esse ressentimento ficou para trás. Hoje em dia, Paulinho volta e meia fila o almoço durante a semana no apartamento dos pais em Higienópolis. Ou melhor, nos dois apartamentos. Para receber as “crianças”, hospedar amigos e ainda manter um escritório, o casal adquiriu dois imóveis no mesmo prédio, um no 8º e outro no 10º andar. Nicette, como boa mãe italiana, não parece satisfeita com as visitas – raras, segundo ela – de filhos e netos tão ocupados. “Às vezes, acontecem coisas e a gente nem fica sabendo. Falam em viajar e daqui a pouco já estão longe”, lamenta. A bronca da avó tem endereço certo. É dirigida à filha do meio de Paulinho, Luana, 21 anos, que estuda educação física em Houston, nos Es-tados Unidos, e surpreendeu todos ao se transformar em jogadora da seleção brasileira de futebol feminino na categoria sub-20. “Desde criancinha, ela era fissurada por uma bola, tanto quanto a Paula era louca por balé, mas nunca imaginei que seria jogadora”, diz o pai, lembrando que sua filha mais velha, Clarissa, 23, depois de cursar turismo, passou a se interessar também por aulas de interpretação. “E o campo de futebol não deixa de ser um palco”, compara a avó. Parece que só o professor de educação física Eduardo, 29 anos, e o advogado Leonardo, 23, filhos de Bárbara, não foram fisgados pela arte de representar.

Diante da casa cheia, Paulo e Nicette vivem se fazendo uma pergunta para a qual sabem que não terão a resposta. Qual o segredo do casamento? “Invento surpresas para a rotina não nos sufocar”, afirma o marido. Galante, ele chega com um bom vinho debaixo do braço e vai para a cozinha vez por outra. Em alguns dias, é mais radical. Muda os quadros de parede, troca os móveis de lugar. “Nicette é tão desligada que nem percebe.” Paulo gosta do sossego da casa e de dormir cedo. A mulher é notívaga e esforça-se para convencer o marido a jantar fora seguidamente. Sem companhia não vai a lugar nenhum, nem mesmo a um cinema no meio da tarde. “Mamãe nunca fez nada sozinha”, diz Beth. “Primeiro vivia junto da vovó e, depois de casada, sempre teve o papai ao lado.” Para Nicette, a fórmula da longa relação pode estar justamente nessas diferenças. Ela lembra o efêmero casamento de seus pais, desfeito quando tinha 2 anos. “Papai e mamãe eram parecidos demais, tinham a mesma essência e talvez por isso não tenha dado certo”, conta ela. Na última terça-feira, o casal passou o dia na cozinha cuidando dos preparativos de um bobó de camarão. Em volta da grande mesa, filhos e netos comemoraram os 54 anos de um casamento que parece ficção nos dias de hoje e, erguendo a taça, brindaram o sucesso de mais um ato de suas vidas.

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