Estudo liga sedentarismo à piora da saúde mental em adolescentes

Distração com telas está entre os principais fatores de risco

Por Sérgio Quintella Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
23 fev 2025, 16h29
Pessoa mexendo no celular
Exposição a telas: fator de risco (Tânia Rego/Agência Brasil/Divulgação)
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Adolescentes que passam mais de três horas por dia envolvidos em comportamentos sedentários – entre eles jogar videogame, ler por lazer ou ficar muito tempo distraído com telas – apresentam mais risco de enfrentar sofrimento psicológico no futuro, aponta estudo publicado no Journal of Adolescent Health.

Por outro lado, o tempo moderado de exposição a telas (entre 60 e 119 minutos por dia) investido em atividades educacionais, como fazer o dever de casa ou assistir às aulas, foi considerado um fator “protetor”, associado a menor sofrimento mental.

O comportamento sedentário entre adolescentes tem se tornado um problema crescente no mundo todo, com impactos significativos na saúde física e psicológica da população dessa faixa etária. Vários estudos têm demonstrado que a falta de atividade física, especialmente associada ao uso excessivo de dispositivos eletrônicos, contribui para o aumento de problemas como a obesidade e as doenças cardiovasculares.

Além disso, cada vez mais os estudos têm demonstrado que os efeitos do sedentarismo não se limitam apenas ao corpo físico, mas promovem impactos também na saúde mental, com aumento de sentimentos relacionados a ansiedade e depressão, por exemplo.

O trabalho, realizado no Instituto de Psiquiatria, Psicologia e Neurociência do King’s College London, no Reino Unido, analisou informações de 3.675 adolescentes que integram o Millennium Cohort Study, projeto que acompanha crianças nascidas entre os anos 2000 e 2002 e mantém uma ampla base de dados.

Foram incluídas nas análises informações sobre comportamentos sedentários coletadas em dois momentos: quando os adolescentes tinham 14 anos e depois aos 17 anos. Na primeira etapa, os participantes preencheram um diário registrando as diferentes atividades que faziam a cada dez minutos. Essas ações foram categorizadas em contextos mais amplos: atividades físicas no geral, tempo que passavam dormindo, tempo de tela baseado em lazer, tempo de lazer sem tela e comportamento sedentário educacional.

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Quando estavam com 17 anos, os mesmos participantes relataram seu sofrimento psicológico por meio de um questionário com seis perguntas sobre seus sentimentos, usando uma ferramenta conhecida como escala de Kessler. Entre as questões estavam “com que frequência nos últimos 30 dias” o participante sentiu nervosismo, desesperança, inquietude, humor depressivo, inquietação e inutilidade. A análise das pontuações, baseada na escala, indicou se estavam ou não em sofrimento psicológico.

Segundo André de Oliveira Werneck, doutorando no Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP) e autor do artigo, o fato de a pesquisa se basear em respostas de comportamentos sedentários registradas em um diário é um dos diferenciais que tornam os resultados tão relevantes.

Isso porque, explica Werneck, existem diversos métodos para registro de comportamento sedentário. Um deles, mais objetivo, utiliza um acelerômetro (um tipo de dispositivo usado para medir o quanto uma pessoa está se movimentando), mas não consegue distinguir quais são as diferentes atividades sedentárias, que são muito amplas.

“O comportamento sedentário compreende atividades distintas, como, por exemplo, uso de computador, assistir TV, ler, ouvir música, assistir a uma aula. A maioria das pesquisas se concentra na análise do tempo total sentado, mas podemos ter atividade sedentária positiva, como assistir à aula e fazer a tarefa de casa, por exemplo. E existem atividades que não são benéficas, como passar muito tempo na internet ou jogando videogame”, explica.

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Um segundo método para registrar o comportamento sedentário é o subjetivo, em que as pessoas respondem a um questionário dizendo quanto tempo passam sedentários em uma semana habitual, assistindo TV, jogando videogame, trabalhando, estudando. Ainda assim, depende da lembrança do participante.

“Termos o registro de todas as atividades desses adolescentes formalizadas em um diário proporciona um resultado bem mais fiel e tem uma acurácia mais fidedigna dos diferentes espaços de tempo. Não é comum usar esse tipo de ferramenta justamente pela dificuldade de implementação”, ressalta o doutorando, que conduziu o estudo durante estágio de pesquisa financiado pela Fapesp.

Impacto da leitura

Para analisar os dados, os pesquisadores fizeram ajustes de várias covariáveis, incluindo gênero, educação dos pais, renda líquida familiar, sofrimento psicológico dos pais, índice de massa corporal, atividade física, tempo sedentário total e sintomas depressivos.

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Após o cruzamento das informações, eles constataram que os adolescentes passavam uma média de quatro horas envolvidos em comportamento sedentário educacional (escola, tarefa de casa) e cerca de três horas por dia em comportamentos sedentários com uso de tela e sem tela. Aqueles que ficavam mais de 180 minutos por dia em telas para lazer foram associados a maior sofrimento psicológico aos 17 anos.

Da mesma forma – e de maneira surpreendente – os pesquisadores descobriram que aqueles que passavam mais de três horas por dia lendo por lazer (especificamente os meninos) também relataram mais sofrimento psicológico. Segundo o estudo, embora pesquisas anteriores apontem que o hábito de ler está associado a melhores resultados relacionados à saúde mental e a outros comportamentos saudáveis, essa nova pesquisa aponta que o excesso de leitura pode ser prejudicial em alguns casos.

Uma das hipóteses para explicar esse achado, diz Werneck, é que os adolescentes que passam muitas horas lendo estejam “deslocando” o tempo que poderia ser gasto em atividades com interações sociais presenciais ou ao ar livre, que são protetoras, levando a um maior isolamento. Além disso, é possível que parte da leitura seja feita em dispositivos de tela (celular, computador ou tablet), o que também é prejudicial – há estudos com adultos que associam a leitura em tela à piora do sono, por causa da exposição à luz azul.

“Esse é um achado inesperado no estudo, mas é importante frisar que são poucos adolescentes que dedicam um tempo muito longo à leitura por lazer. O nosso principal achado, considerando os contextos gerais, é que o maior tempo de lazer em tela [videogames] foi associado à piora no sofrimento psicológico, enquanto o maior tempo em atividades educacionais foi associado a menor sofrimento”, conta.

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O professor da Escola de Psiquiatria Acadêmica do King’s College London Brendon Stubbs, orientador de Werneck, disse por e-mail à Agência Fapesp que o estudo revelou vários padrões preocupantes. “Descobrimos que adolescentes que passam mais de três horas por dia em atividades de tela por lazer apresentaram sofrimento psicológico significativamente maior três anos depois. Os videogames foram particularmente impactantes, com cada hora adicional associada a um aumento de 3% no sofrimento psicológico.”

Na avaliação de Stubbs, os resultados sugerem uma relação dose-resposta clara entre o tempo excessivo de tela de lazer e os resultados futuros de saúde mental. “É importante ressaltar que essa relação foi dependente do contexto, ou seja, o tempo de tela educacional não mostrou os mesmos efeitos negativos, destacando que o problema não é o uso da tela em si, mas como e por que as telas estão sendo usadas.”

Como minimizar os impactos
Com base nas descobertas, os pesquisadores indicam intervenções que poderiam ajudar a minimizar os impactos psicológicos negativos:

• Estabeleça limites: implemente diretrizes limitando o tempo de tela de lazer a menos de três horas por dia, pois os resultados do estudo mostram que é quando os riscos aumentam significativamente;
• Foco no contexto: incentive atividades de tela mais educacionais e estruturadas em vez de lazer passivo. O estudo demonstrou que o tempo de tela educacional não teve impactos negativos;
• Atividades de equilíbrio: promova atividades de lazer alternativas com componentes de interação social, pois atividades isoladas de tela podem contribuir para o sofrimento psicológico;
• Abordagens específicas de gênero: considere intervenções personalizadas, pois o trabalho encontrou diferenças de gênero nos impactos (por exemplo, meninas foram mais associadas ao uso de tela para navegar na internet, enquanto meninos para videogame);
• Suporte educacional: como durações moderadas de dever de casa e tempo de aula foram associadas a menor sofrimento psicológico, garanta o envolvimento acadêmico adequado;
• Gerencie e otimize o tempo de tela, em vez de eliminá-lo completamente.

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Werneck frisa que o comportamento sedentário é muito complexo e, para adolescentes, é necessário avaliar cada atividade e cada contexto separadamente. “É preciso focar em intervenções voltadas não somente para reduzir os comportamentos sedentários, mas reduzi-los em algumas atividades específicas e muito longas, que foram mais associadas ao sofrimento psicológico”, finaliza.

Por Agência SP de Notícias.

 

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