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“Estava sem falar com ele havia três anos”, diz mãe de carroceiro

Ricardo Silva Nascimento foi enterrado nesta sexta (14) em Perus, na Zona Norte; ele tinha uma relação conflituosa com a família

Por Adriana Farias
Atualizado em 14 jul 2017, 20h29 - Publicado em 14 jul 2017, 19h56
O padre Julio Lancelotti, da Pastoral do Povo da Rua, e a mãe do carroceiro, Arestides Silva Santana: relação difícil (Ricardo Matsukawa/Veja SP)
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O enterro do carroceiro Ricardo Silva Nascimento, de 39 anos, morto com dois tiros por um policial militar em Pinheiros ocorreu no início desta tarde no Cemitério Dom Bosco, em Perus, na Zona Norte. Os únicos familiares que compareceram ao local foram a mãe Arestides Silva Santana, 54, e a irmã Rosangela Silva, 35, acompanhadas do padre Júlio Lancelotti, da Pastoral do Povo da Rua de São Paulo.

A mãe, que trabalha como doméstica há trinta anos em uma residência no mesmo bairro onde o filho foi morto, relata que estava sem falar com ele havia três anos, do total de dez em que Nascimento morou na rua. “Nosso último contato foi quando eu lhe dei um cobertor”, diz. “Eu sempre o via pela rua com os papelões, mas quando passava, ele virava as costas e me evitava”. Arestides relata que havia muitos desentendimentos entre os dois e que ele preferia viver nas ruas com os colegas carroceiros. Já com a irmã, o relacionamento era bom. “Ia na rua visitá-lo, perguntava se estava precisando de algo e se havia comido”, conta Silva, que trabalha com eventos em Cotia.

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Enterro em Perus: poucas pessoas presentes (Ricardo Matsukawa/Veja SP)

As brigas de Nascimento com a mãe viraram caso de polícia em 2005. Segundo o primeiro boletim de ocorrência registrado no 1º DP de Carapicuíba no dia 10 de julho daquele ano, a mãe relata que havia cerca de quatro anos, vinha sendo ameaçada de morte e agredida verbalmente com palavras pejorativas pelo filho, sendo que naquele dia ele tinha ido à sua residência, dando um prazo para que até o dia seguinte ela lhe desse 200 reais. Santana não deu o valor e Ricardo invadiu a residência na noite do dia 11 de julho, quebrando o portão e as grades. Ao entrar, destruiu móveis, utensílios e janelas, dizendo que queria a quantia, e ameaçando e xingando a mãe, que chamou a polícia. Ricardo foi encontrado pelos agentes sentado na calçada de frente para a residência onde morava. Foi dada voz de comando para que ele fosse revistado, mas não obedeceu. “A ordem foi ignorada, e ele, sem motivo aparente, e completamente fora de si, levantou-se, e investiu fisicamente contra os policiais”, relata o registro. Na ocasião, Ricardo foi preso em flagrante por dano ao patrimônio, resistência, extorsão e ameaça, e conduzido ao Centro de Detenção Provisória de Guarulhos, onde ficou por nove meses. Foi condenado posteriormente a uma sentença de dois anos e quatro meses em regime semiaberto. Questionada sobre as ameaças, a mãe disse: “Não sei muito o que falar. Ele devia me achar uma chata, coisa de mãe e filho”.

Ricardo Nascimento carroceiro mourato coelho
O carroceiro Ricardo Nascimento: ele trabalhava recolhendo material reciclado na região de Pinheiros (Pimp My Carroça/Reprodução/Facebook/Veja SP)
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A partir daí, a vida de Ricardo começou a piorar. Em julho de 2007 foi preso em flagrante por furtar um tênis de uma unidade do supermercado Carrefour em Osasco. Ficou preso por cerca de vinte dias e saiu após pagar fiança. Entre 2008 e 2014, se envolveu em pelo menos outras seis confusões pelas ruas. Os motivos variavam desde discussões, até ameaças a funcionários de telefonia, fiscais da subprefeitura de Pinheiros e guardas civis municipais e policiais, sempre gerando boletins de ocorrência por resistência e desacato. Em um desses casos, ocorrido em 2009 e registrado no 14º DP de Pinheiros, o delegado chamou o SAMU para levá-lo a um hospital psiquiátrico em Higienópolis “diante dos sinais visíveis de perturbação mental” pois, segundo o registro, ele estava ameaçando as pessoas de morte, e na cela “tentou bater a cabeça contra a parede, dizendo que iria se matar”. Obteve outra condenação por resistência e desacato e, pelos antecedentes anteriores, sua pena foi fixada em um ano e dois meses. Ele estava cumprindo a determinação, em regime aberto, quando foi morto à queima-roupa na última quarta-feira (12).

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Enterro em Perus: o padre Júlio Lancelotti realizou o funeral (Ricardo Matsukawa/Veja SP)

Apesar de todo o quadro, os familiares negam que Ricardo tivesse problemas mentais, mas acreditam que o distanciamento da família, sobretudo por parte do pai, que foi ausente em sua vida, e as companhias erradas, podem tê-lo prejudicado. Nascido em Osasco, Ricardo terminou o Ensino Médio e já trabalhou como gerente de loja e vendedor. Na infância adorava jogar bola e não desgrudava dos amigos. Segundo a irmã, ele queria juntar dinheiro como carroceiro para entregar à mãe em uma futura oportunidade.

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“Agradeço aos carroceiros que fizeram um ato de homenagem a ele, agora deixo na mão de Deus”, diz a mãe. “Que a Justiça seja feita, pois não podemos conviver com policiais assim desgovernados, que não conseguem analisar as coisas e já saem atirando”, completa a irmã.

Na próxima quarta-feira (19), ao meio-dia, está programada uma missa em homenagem ao carroceiro na Catedral da Sé, na região central.

MORTE

A reportagem de VEJA SÃO PAULO obteve imagens de câmeras de segurança de um condomínio na região da Rua Mourato Coelho, em Pinheiros, que flagraram o momento em que o agente deu dois tiros em Nascimento. Ele trabalhava recolhendo materiais recicláveis pelas ruas do bairro, com um renda de 50 reais por dia.

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Segundo moradores e comerciantes da região, o carroceiro fazia amizades com facilidade.  “Trabalhávamos juntos recolhendo papelão e plástico. Ele tinha duas carroças e atuava de forma honesta”, relata o carroceiro Givanildo Marinho da Silva, 52, amigo de Nascimento havia cinco anos.

O episódio aconteceu por volta das 18h de quarta-feira (12), na esquina da Mourato Coelho com a Rua Navarro de Andrade, em frente a uma unidade do supermercado Pão de Açúcar. A reportagem apurou que o PM que atirou no homem tem apenas 24 anos e está há pouco tempo na polícia. Os agentes foram no local, após serem acionados porque havia um homem com um pedaço de pau na área. Em depoimento à polícia, o agente diz que fez uso do cassetete, mas como não resolveu a situação deu voz de prisão e empunhou a arma disparando contra ele. No vídeo obtido é possível ver que o carroceiro segurava o pedaço de pau, mas estava afastado dos policiais.

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Segundo o ouvidor da Polícia Militar, Julio Cesar Neves, que esteve no local poucas horas depois da ocorrência, os policiais não chamarem uma ambulância para socorrer o homem e apagaram imagens de pessoas que filmavam no local. “Jogaram o corpo no porta malas do carro infringindo na frente de todo mundo a resolução 05 de 7 de janeiro de 2013 da Secretaria da Segurança Pública, cuja penalidade pode ir de advertência até uma expulsão”, diz.

A Secretaria da Segurança Pública informou, em nota, que os dois policiais envolvidas na ocorrência e os outros três da guarnição de Força Tática que prestaram apoio foram recolhidos ao serviço administrativo, sendo afastados do trabalho nas ruas.

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