Enrosco na Sé: feira irregular resiste às ações de zeladoria
Na praça que é um dos principais cartões-postais da capital, a "feira do rolo", com produtos de origem duvidosa, desafia autoridades
Nos dias finais de 2022, o consultor de vendas Thiago Oliveira, de 27 anos, teve o seu celular roubado no momento em que se dirigia até a escada rolante que dá acesso à estação Sé do metrô. Atônito, viu o homem que o abordou fugir em direção a um grupo reunido em frente ao prédio da Caixa Econômica Federal, a menos de 50 metros de onde ele estava. “Gritei ‘pega ladrão’ e nada adiantou. Fui até um guarda e ele disse que nada podia fazer. Não sei se o pior foi ser roubado ou não ter ajuda”, afirma.
O grupo ao qual ele se refere forma a chamada “feira do rolo”, uma aglomeração itinerante que orbita na Praça da Sé e que reúne vendedores dos mais variados produtos, todos de origem duvidosa. Frequentadores da praça, comerciantes, guardas e policiais com os quais a Vejinha conversou dizem que os itens expostos são frutos de furtos, roubos ou mesmo receptação, quando alguém vende um produto resultado de um crime. “É pegar uns aqui e daqui a pouco todos mudam de lugar. É enxugar gelo”, diz, sob anonimato, um integrante da GCM (Guarda Civil Metropolitana).
A “feira do rolo” da Praça da Sé acontece em vários pontos e muda conforme a presença policial. Os produtos expostos parecem ser usados, e não falsificados. São itens como óculos, tênis, roupas, relógios, bijuterias, aparelhos celulares e os mais variados itens eletrônicos. A exposição deles é feita em cima de pequenas lonas estendidas no chão ou mesmo na própria mão dos vendedores, geralmente munidos de mochilas nas costas, que usam para armazenar os itens quando avistam algum policial por perto. “É um problema crônico. Não só o comerciante sofre com isso, mas a própria população que não pode nem sair na rua”, afirma Aldo Macri, presidente em exercício do Sindilojas-SP, o sindicato dos donos dos estabelecimentos comerciais.
A entidade já vem alertando as autoridades desde janeiro de 2021, quando os primeiros grupos começaram a aparecer. Em um comunicado interno distribuído a seus associados há dois anos, a entidade dizia já naquela época serem comuns relatos de furtos, assaltos e agressões diárias na região. Em junho de 2022 a prefeitura tentou resolver o problema com uma operação que durou quinze dias, notadamente ineficaz.
MUDANÇA. Na primeira imagem acima, de novembro de 2021, cerca de setenta barracas. Na segunda foto, de 9/1, local sem os abrigos. Para entidades que trabalham com a questão, a prefeitura tem intensificado “ações truculentas” para a retirada de moradores em situação de rua do local. Projeto Vidas no Centro foi finalizado. Gestão municipal alega que fez 2 396 abordagens e encaminhou perto de 1 670 pessoas, além de orientar outras 700.
Procurada novamente para comentar o assunto, a administração municipal informou se tratar de um problema de segurança pública e que mantém uma base fixa da Guarda Civil Metropolitana funcionando 24 horas por dia na praça. Além disso, afirmou auxiliar as ações realizadas pela Subprefeitura da Sé durante as operações para coibir a formação da “feira do rolo”.
Também por ali, até o fim de 2022 era possível observar muitas barracas com pessoas em situação de rua (foto ao lado). No último dia 9 de janeiro, eram oito delas. Porém, outras vias próximas, como as ruas Direita, Benjamin Constant e Anchieta, receberam novos abrigos, muitos deles feitos apenas com plásticos pretos e montados embaixo de parapeitos de prédios. O espraiamento pode estar relacionado com o fim do projeto Vidas no Centro, estruturas montadas na praça e que garantiam sanitários, chuveiros e lavanderias para as pessoas em situação de rua. A empresa responsável, a MChecon, diz ter desmontado o serviço em 24 de dezembro após um calote da prefeitura. Procurada, a administração municipal informou que desde o dia 1º de novembro de 2022 fez 2 396 abordagens na região da Sé e que os serviços do Vidas no Centro agora são oferecidos em estruturas permanentes. Em relação à dívida, diz estar em “trâmites burocráticos”.
Representantes de entidades sociais que atuam na região, como o padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua, afirmam que as ações da prefeitura têm se intensificado para a retirada de moradores em situação de rua da área. “Estão numa ação truculenta, sistemática e diária de arrancar tudo o que as pessoas têm. Em vez de encontrar alternativas, a única resposta que a prefeitura sabe dar é repressão.” A gestão municipal nega e afirma fazer as abordagens para os encaminhamentos.
Publicado em VEJA São Paulo de 18 de janeiro de 2023, edição nº 2824
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