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Enfermeira há mais tempo no Samu, ela só vai descansar quando for obrigada

Maria Jalva, 72 anos, foi da primeira turma que criou o serviço na capital nos anos 1990 e atuou nas mais diversas catástrofes na cidade; conheça a história

Por Guilherme Queiroz
23 fev 2024, 06h00
Imagem mostra mulher sorridente com uniforme que pode-se ver o logo do Samu e os números de telefone do serviço, 192. Ela segura uma pequena ambulância, também com o nome e telefone do serviço. Ao fundo, um mapa da cidade de São Paulo, que ocupa todo a parede
Maria Jalva na sala em que trabalha: mesa com ambulâncias em miniatura (Leo Martins/Veja SP)
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Ela fez parte da primeira turma do Samu, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, em 1992. De lá para cá, comandou milhares de socorros médicos e encarou uma série de catástrofes em São Paulo e na região metropolitana — da explosão no Shopping Osasco, em 1996, que deixou 42 mortos e mais de 300 feridos, ao desabamento do teto de uma igreja no Cambuci, em 2009, com sete vítimas.

Com uma estatura física que não chega a 1 metro e meio e uma energia de fazer inveja a qualquer jovem, a mineira Maria Jalva de Moraes, 72, passou a coordenar, em 2023, a área de enfermagem do serviço, que recebe mais de 5 000 ligações por dia na cidade — e avisa: só descansa quando vier a aposentadoria compulsória, prevista para os 75 anos.

O Samu foi instituído em âmbito nacional em 2003, mas existe na capital paulista desde o início dos anos 1990. Maria Jalva e a turma pioneira foram os responsáveis por criar, em 1992, um curso de qualificação para profissionais de saúde que quisessem atuar em um serviço de emergência nas ruas. É a única pessoa do grupo que ainda trabalha na área de enfermagem do Samu.

Mineira de São Gotardo, a enfermeira teve a vida marcada por lances do acaso. Até a adolescência, viveu grudada em Maria Maura, uma das três irmãs (as outras se chamam Maria Dalva e Maria Antonina). Maura se mudou para São Paulo para virar freira, em 1970, e Jalva veio a reboque. Acabou em um curso de auxiliar de enfermagem no hospital Beneficência Portuguesa, na Bela Vista, por indicação das companheiras religiosas da irmã. “Eu não tinha a menor ideia do que era a profissão”, lembra.

Imagem mostra Maria Jalva sentada em ambulância, que tem porta lateral aberta. Ela sorri de dentro da ambulância, que é cheia de equipamentos médicos
Maria Jalva: na chefia, mas sempre com um pé nas ruas (Leo Martins/Veja SP)

Trabalhou alguns anos na Beneficência, depois entrou para o serviço público estadual, onde atuava no atendimento a moradores de rua, no Brás. Ficou mais de uma década no emprego. Nesse período, chegou a acusar o cansaço e tentou mudar de área. “Estava desgastada. Prestei faculdade para o curso de letras, em Guarulhos, com enfermagem como segunda opção”, ela conta.

Novamente, o acaso agiu, e Maria Jalva foi aprovada só para o “plano B”. A faculdade de enfermagem serviu como uma injeção de ânimo. “Passei a cultivar o sonho de trabalhar no Hospital do Tatuapé, que eu via todo dia a caminho das aulas”, diz. Em 1988, ela entrou para a área de saúde da prefeitura — e o primeiro emprego foi justamente como enfermeira naquele hospital.

Jalva chega diariamente às 5h30 ao Samu, cuja sede fica no Bom Retiro, na região central. Chama alguns dos colegas de “filhos”, afinal, formou diferentes gerações no serviço. Até 2019, ela coordenava o atendimento na região do Tatuapé, na Zona Leste. Apesar do cargo de chefia, nunca ficou parada no escritório. “Em chamados graves, eu sempre ia junto. É preciso estar próxima das equipes”, ela avalia.

Depois, tornou-se responsável pela coordenação da enfermagem na região central. Em maio do ano passado, acabou enfim convidada para coordenar a área em toda a cidade, onde existem 86 bases e 122 ambulâncias do serviço médico. Apesar de não frequentar rotineiramente o front das ruas desde 2013, ela conta que fez o último atendimento apenas dois meses atrás.

“Eu voltava do serviço quando vi um senhor obeso passar mal em um dia de calor. Eu o amparei e só saí quando chegou a equipe”, conta. No ano passado, também esteve no acidente em que uma caldeira explodiu e deixou cinco mortos e trinta feridos em Cabreúva, no interior.

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Imagem mostra Maria Jalva, em pé, apontando para tela de computador de mulher que está sentada na sua direita, com headset para atendimento de chamadas
Na central que recebe os chamados: mais de 5 000 ligações por dia (Leo Martins/Veja SP)

Mas viver a correria das ambulâncias tem sido cada vez mais raro. “Uma hora você não consegue mais (manter a rotina). Vai fazer uma reanimação e corre risco de virar a vítima”, brinca. Desde 1979, Jalva vive em um apartamento na Aclimação com uma das irmãs, Maria Dalva, que também fez carreira como enfermeira do Samu e está aposentada.

“Ela já fez de tudo para me levar de volta para Minas, até comprou um sítio. Mas eu não quero, vou ficar aqui até me aposentar e, depois, continuar trabalhando de alguma forma”, diz a coordenadora. Com mais de três décadas de serviço, é difícil apontar um caso mais marcante. “Todos são. A gente sempre sai pensando no que poderia ter feito diferente”, ela diz.

A única certeza é a enorme importância que o Samu teve para a cidade. “Basta se lembrar de um acidente da época em que eu trabalhava no hospital do Tatuapé, em 1989, antes de existir o serviço”, ela diz. “Um avião cargueiro caiu perto do Aeroporto de Guarulhos, deixando 25 mortos. O hospital começou a receber corpos e feridos aos montes. Poderiam ter direcionado vítimas menos graves a outros hospitais, mas todas foram para lá”, ela lamenta. Uma boa coordenadora teria feito a diferença. ■

Publicado em VEJA São Paulo de 23 de fevereiro de 2024, edição nº 2881

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