Enem deveria ser transferido para o meio do ano que vem, diz ex-secretário
Alexandre Schneider, titular da Educação de Kassab e Doria, avalia que professor será mais valorizado agora e que a educação andou para trás
Como as escolas de Nova York têm lidado com o coronavírus?
A pandemia chegou aqui com dois terços do ano letivo cumpridos (o calendário vai de setembro a junho). O último terço foi de maneira remota, tanto nas escolas particulares quanto nas públicas. Agora estão todos de férias, mas a retomada das escolas, a princípio marcada para o mês de setembro, ainda é incerta. Há universidades dizendo que só voltarão a ter aulas presenciais em janeiro do ano que vem.
Assim como São Paulo, Nova York é uma cidade desigual. Qual o impacto disso na educação pública durante a quarentena?
A prefeitura de Nova York entregou 300 000 tablets com internet para os alunos que não dispunham de equipamentos em casa. Fizeram censo muito rápido e mapearam os que não tinham acesso. A rede municipal aqui tem 1,1 milhão de alunos, praticamente o mesmo número da paulistana.
A diferença de aprendizado entre estudantes pobres e ricos no Brasil pode ganhar novos degraus por causa da pandemia?
Sem dúvida alguma. No Brasil, há muita gente que não tem sequer equipamento suficiente nem lugar adequado para estudar. Há famílias de cinco pessoas morando em um, dois cômodos. Das cinco, duas ou três são crianças. Como acompanhar o aprendizado dessas pessoas nessas condições?
Repetir todo mundo ou aprovar todos seriam duas possibilidades?
As duas alternativas são ruins e penalizam os mais pobres duas vezes. O ideal seria flexibilizar o currículo e entender este e o próximo ciclos como um só. O que não for possível ensinar nesses meses, por causa da ausência de aulas, poderia ser distribuído ao longo do ano que vem. Outros países estão fazendo isso. Qualquer alternativa diferente vai provocar uma barbárie educacional.
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E o ensino em tempo integral na retomada das aulas poderia ser uma saída para suprir o tempo perdido?
O ensino integral depende de espaço. Mais escolas teriam de ser construídas. E também há uma questão de investimento, não sei se estados e municípios dispõem de condições no momento. Mas é possível reduzir as desigualdades procurando apoiar quem mais precisa, a partir da própria avaliação do professor, estruturando reforços, acompanhando a aprendizagem e, eventualmente, até com um programa que promova a conectividade das pessoas, não só das escolas.
Na prática seria levar internet junto com a luz?
Isso. Não é uma questão simples nem barata. Mas o Brasil precisa começar a pensar em garantir que as pessoas tenham conexão com a internet. Aliás, isso deveria ser um direito e poderia ser um programa público. É caro, mas está na hora de começar.
Como deverá ser o retorno de alunos e professores aqui?
A principal política deve ser de acolhimento de todos. A pandemia, com isolamento, cria uma série de problemas mentais. Antes de começarem com a recuperação da aprendizagem, as escolas precisam construir um plano para que todos possam se conectar novamente e reconstruir laços de afeto. Ninguém aprende ou ensina com a cabeça ruim.
Os professores sairão mais valorizados desta pandemia?
Vai ser importante a retomada do respeito pela profissão, da autoridade do professor na sala. Obviamente, quando os pais participam, a escola fica melhor. Mas a participação deles tem de ser na melhora no coletivo. Mas muitos atravessam a fronteira e entendem que eles têm de dizer como o professor deve exercer seu ofício. Ou, o mais grave, entendem que o professor não tem direito de chamar a atenção de um estudante. Talvez este seja um bom momento de reflexão. Estamos vendo com nossos filhos como é difícil colocá-los na frente de um computador ou tablet.
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“A quarentena é um período curto diante da vida escolar de crianças e adolescentes. Se o trabalho for benfeito, a pandemia passa e eles não terão perdas ao longo da vida”
Este período de quarentena vai fazer falta no total dos anos escolares dos nossos alunos?
Estamos falando de um período curto diante da vida escolar de crianças e de adolescentes. Mas, como eu disse, o desafio não será pequeno, principalmente com os mais vulneráveis. Se o trabalho for benfeito, a pandemia passa e as crianças não terão perdas ao longo da vida.
Mas para quem vai prestar o vestibular ou o Enem as perdas já estão aparecendo.
O Ministério da Educação deveria transferir a prova do Enem para meados do ano que vem. Deveria também fazer acordo com universidades para os alunos que entrarem no 1º ano começarem logo depois da prova. Ou seja, atrasar a entrada do 1º semestre. E nesse período os secretários estaduais e municipais, a quem está vinculado o ensino médio, e mesmo as escolas particulares, podem fazer um reforço. Vamos ver como o próximo ministro vai se sair (Carlos Alberto Decotelli pediu demissão na terça 30).
Como o senhor avalia a política educacional do governo federal?
Infelizmente eles patinaram nesse período todo de governo, olhando mais para questões ideológicas do que para a educação em si. É importante que o ministro da Educação, seja ele quem for, tenha uma conduta diametralmente oposta à dos anteriores. A educação no Brasil andou para trás.
O que o senhor foi estudar nos Estados Unidos?
Vim fazer duas pesquisas na área de primeira infância na Universidade Columbia, onde atuo como professor-adjunto. Uma delas é sobre o impacto do não acesso à creche no emprego das mulheres. A outra é sobre desempenho escolar. Mas vou embora no meio de julho. Em agosto eu assumo o Instituto Singularidades, que atua na formação de professores.
Vida pública nunca mais?
Escolhi seguir carreira fora da área pública. Por isso considero minha desfiliação ao PSD (quando saiu da prefeitura, em janeiro de 2019) uma questão importante.
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Publicado em VEJA SÃO PAULO de 8 de julho de 2020, edição nº 2694.