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Em presídio de PMs, detentos trabalham e faturamento é de R$ 170 000

Com 189 policiais militares acusados dos mais diversos crimes, o presídio Romão Gomes, no Tremembé, funciona quase como uma empresa

Por Henrique Skujis
Atualizado em 5 dez 2016, 18h45 - Publicado em 21 jun 2010, 20h05

“Atirei cinco vezes. Pá, pá, pá, pá, pá. Sem chance. Ela morreu na hora. Minhas filhas são sortudas. Se estivessem com a mãe, eu mataria as duas também.” A frase é uma pancada. E parece mais forte por sair da boca de um policial militar. O sargento Oliveira (nome fictício), 60 anos, tem discurso tão articulado quanto rude. Com uma faca na mão e a camisa ensopada de sangue (ele acabara de dar cabo de um porco de 300 quilos), fala de si mesmo como se desabafasse. Teve uma vida civil honesta e uma carreira militar exemplar, “sem novidades”. Em 2001, no entanto, quase uma década depois de ir para a reserva, decidiu pôr fim ao sofrimento de ver a ex-mulher e as próprias filhas unidas para tirar seus bens. Detido por causa da barbaridade cometida em uma manhã fria de agosto, foi trazido ao presídio Romão Gomes, no Tremembé, na Zona Norte, a única cadeia para PMs no estado de São Paulo.

Quando a reportagem de VEJA SÃO PAULO chegou lá, na última segunda (31), ainda estava no ar uma espécie de ressaca pela libertação dos doze militares suspeitos de matar o motoboy Eduardo Luís Pinheiros dos Santos, em abril. A Justiça estuda um novo pedido de prisão temporária para os dozes policiais. Eles continuam à disposição da corporação e podem fazer trabalhos administrativos. O assassinato trouxe a cadeia de volta aos noticiários. Depois de uma descontraída conversa com as sentinelas e de deixar o celular na portaria, entramos nas dependências do presídio, inaugurado em 1949. Antes, funcionavam ali dois barracões que serviam como depósito de alfafa ao destacamento de cavalaria do Centro de Instrução Militar.

Por que eles estão presos

78Homicídio

24Roubo

14Extorsão

13Estupro/atentado violento ao pudor

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9Concussão (exigir vantagem indevida)

7Tráfico de entorpecentes

7Latrocínio

37Outros

Os 189 internos — como os presos são chamados — estavam perfilados diante da bandeira do Brasil. Cabelos cortados, barbas feitas, uniformes alinhados, cantavam o Hino Nacional. Se o pior bandido é o de farda, estávamos cercados dos mais perigosos bandoleiros do estado? “Bandido é bandido, seja ele policial, seja ele médico”, diz o sargento Vitório ao nos receber à paisana. Ele já foi responsável pela segurança do Romão Gomes. Agora, é encarregado de fiscalizar os 55 detentos em regime semiaberto, que trabalham fora durante o dia. Os internos sem o privilégio de cruzar os portões de ferro também põem a mão na massa. Como prevê a Lei de Execução Penal, a cada três dias trabalhados, um é abatido da pena. Somente presos ainda à espera de julgamento não são obrigados a produzir.

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Há sete frentes laborais: tapeçaria, mecânica, blocos de cimento, lavagem de carro, agricultura, apicultura e suinocultura — nessa última, reina o sargento Oliveira, que, diga-se, deve ganhar a liberdade no mês que vem. Os presos recebem por produtividade e dependem do “mercado externo” para faturar. “O cidadão pode vir aqui comprar mel, levar verduras para casa, lavar o carro…”, conta Vitório. Além disso, sete empresas usam o espaço do presídio e contratam a mão de obra dos internos, que recebem pelo menos um salário mínimo por mês. “Para mim, foi um grande negócio. Tanto econômica quanto pessoalmente”, afirma Rosely Ferraiol, que tem oito internos à disposição de sua fábrica de luminárias feitas com filtro de café usado. “A relação é normal. De patroa para funcionário”, explica. “Não me importa saber o crime que eles cometeram. Antes de presos, são seres humanos.”

Há ainda uma empresa de contabilidade que paga para os presos preencherem formulários, um hospital que utiliza a lavanderia, uma pequena produtora de autopeças e uma fábrica de casas de cachorro. Em 2009, o faturamento do Romão Gomes chegou a 170 000 reais. Do total arrecadado, 20% são utilizados para ajudar na manutenção do presídio, 60% vão para uma conta à qual os familiares dos presos têm acesso, 10% ficam em uma conta-pecúlio para o interno sacar na hora da libertação e os 10% restantes são divididos entre os presos não remunerados, como os que cuidam da cozinha e da limpeza. “A laborterapia é nosso maior trunfo”, diz o coronel Abaré Vaz Lima, comandante do presídio. Dos 189 internos, 170 trabalham.

População carcerária

95 000

Efetivo da PM no estado

189

Internos no Romão Gomes

0,2%

do efetivo

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41,4 milhões

Habitantes no estado

160 mil

Presos

0,4%

da população

Apesar de estar longe de ser uma colônia de férias, como alguns críticos costumam dizer, o Romão Gomes não se compara ao sistema prisional comum. Os internos dormem em celas espaçosas, têm sua própria cama (com lençol e tudo o mais), contam com três boas refeições e seus guardiões são, como eles, policiais militares, o que proporciona um clima cordial entre presos (de uniforme bege e camisa amarela). Todos têm direito a médico (o clínico geral visita o presídio três vezes por semana), dentista, fisioterapeuta, assistência psicológica e jurídica.

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Ao contrário do que ocorre na maioria esmagadora das cadeias civis, os detentos não são separados nas celas pelo tipo de crime cometido. “Dividimos pelo perfil de maturidade criminal”, afirma o psicólogo e perito forense Christian da Silva Costa, que há oito anos presta serviço ao Romão Gomes e recebe os presos ao som de Chopin. “A ideia é que o interno com maior probabilidade de recair no crime fique longe dos que não têm esse perfil.” O resultado, segundo Costa, é uma socialização mais rápida do preso quando ele vai para a rua e uma taxa de reincidência de 2% — contra 85% no sistema prisional brasileiro. A última tentativa de fuga ocorreu há quase uma década e rebeliões inexistem. As medidas e os resultados renderam ao Romão Gomes o certificado ISO 9001.

Presos por patente

128

Soldados

21

Cabos

29

Sargentos

11

Oficiais

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189

Total

Por outro lado, a rigidez militar é um peso a mais para quem já tem de lidar diariamente com a privação da liberdade. “Você imagine ficar preso e ainda ter de entrar em formação três, quatro vezes por dia, cantar o Hino Nacional, cantar o Hino da Bandeira, cantar o Hino do Romão Gomes… Ninguém merece”, disse um detento, acusado de pedir propina a um dono de caça-níquel. A principal reclamação, no entanto, é em relação ao que seria um maior rigor das leis para policiais. Além de responderem à Justiça comum, eles estão sujeitos ao Código Penal Militar. Uma vez condenados, são expulsos da PM.

“Praticamente não temos o direito de responder à acusação em liberdade. Tem gente que fica anos aqui sem sequer ser julgado”, lamenta outro preso, acusado de participar da morte de três jovens e ocultar os cadáveres em uma cidade do litoral. Ele chegou a ter direito a regime semiaberto, se formou advogado e trabalhava fora, mas cometeu alguma irregularidade e perdeu essa regalia. “Tudo o que eu quero é andar na rua sem ser apontado como criminoso”, afirma, antes de entrar no culto evangélico — diariamente, há encontros de católicos, protestantes e adeptos da umbanda. O juiz corregedor da Justiça Militar, Luiz Alberto Moro Cavalcanti, explica que um agente que veste uma farda, usa uma viatura da polícia e recebe uma arma não pode mesmo ser tratado como um civil na hora de ser julgado por um crime. “O rigor maior é porque eles representam o estado. Sinto muito.”

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