Em meio ao luto após ataque, um apelo por escolas mais seguras
Docentes relatam que precisam atuar como pais e psicólogos de alunos, e governo promete ampliar programa de melhoria de convivência e proteção escolar
O muro laranja no número 156 da Rua Adolfo Melo Júnior, uma via sem saída em um tranquilo quarteirão da Vila Sônia, na Zona Oeste, agora estampa um cartaz com a foto de Elisabeth Tenreiro. Aos 71 anos, ela foi assassinada na última segunda-feira (27) cumprindo o ofício que amava: lecionar. “Chega de violência”, pede a faixa na entrada da Escola Estadual Thomázia Montoro, que teve o vaivém de crianças e adolescentes do ensino fundamental substituído pela movimentação de policiais desde que um aluno de 13 anos esfaqueou professores e colegas no local. Ainda com salas manchadas de sangue, o colégio ficará uma semana fechado.
Na tarde de terça (28), no Cemitério do Araçá, familiares, amigos, alunos, ex-alunos, colegas de profissão e integrantes da Tom Maior, a escola de samba do coração de Elisabeth, deram adeus à professora — entre os ausentes, registre-se, apenas as autoridades. “Beth era incrível, bem-humorada, amava dar aula”, diz uma professora da Escola Estadual Emiliano Augusto Cavalcanti De Albuquerque e Melo, onde trabalharam juntas até o ano passado. “Era uma fofa, maravilhosa”, define Rita de Cássia Reis, 67, professora de história e vítima do ataque, que levou trinta pontos no braço (foto abaixo).
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Os alunos se abraçavam atrás de respostas para o trauma inesperado. “Só amor”, diz Cinthia Barbosa, professora de educação física que imobilizou o autor do ataque, sobre o sentimento que resta após a violência. Além da tristeza, o episódio atiçou a indignação e o desejo de mudança nas escolas públicas, que, segundo os professores, vivem uma rotina de bullying, ameaças e conflitos. “A gente quer recuperar a saúde mental — dos alunos e professores. É preciso cuidar, inclusive, desse rapaz, porque ele está doente”, diz Rita.
“A escola precisa ser tudo: mãe, pai, psicólogo”, desabafa uma colega. As reclamações eram ouvidas entre os professores que saíam do velório — orientados pela Secretaria de Educação estadual a não falar com os jornalistas.
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Há quatro anos, a Escola Estadual Professor Raul Brasil, em Suzano (SP), sofria o ataque de dois ex-alunos que mataram cinco estudantes e duas funcionárias e se suicidaram em seguida. Em novembro, um adolescente matou três pessoas a tiros em uma escola em Aracruz (ES). Em fevereiro, um jovem de 17 anos jogou bombas em uma escola de Monte Mor (SP). Em março, a Polícia Civil identificou alunos que pretendiam realizar atentados em colégios de Tupã, Caçapava e São José dos Campos.
A resposta do governo foi a criação do Conviva, em 2019, programa que promove a saúde mental e a “cultura da paz” nos colégios. O projeto inclui a instalação de câmeras e participação da PM na segurança, mas só atende a 500 escolas estaduais de um total de 5 000. Após o ataque na Vila Sônia, a secretaria anunciou a ampliação do programa, com 5 000 profissionais dedicados à prevenção da violência.
“O Conviva poderia ter evitado o que aconteceu? Talvez. Mas o estudante teve encaminhamento psicológico. A escola não trabalha sozinha, não pode obrigar o pai e a mãe a levar o filho no psiquiatra”, diz Mario Augusto, gestor do Conviva. Em fevereiro, o governo anunciou o fim de outro programa que disponibilizava psicólogos aos alunos. Mario diz que será feita nova licitação para o serviço — com consultas presenciais, não mais remotas, como desde a pandemia.
Publicado em VEJA São Paulo de 5 de abril de 2023, edição nº 2835
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