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Ecologia, mas nem tanto!

Por Walcyr Carrasco
Atualizado em 5 dez 2016, 18h15 - Publicado em 5 mar 2011, 00h50

A falta de uma casa de praia atormentava a família. Minhas sobrinhas, condenadas a infindáveis feriados admirando o asfalto de Sampa, fundaram até um movimento, o MSCP. Ou, como diz a própria sigla, Movimento das sem Casa de Praia. Quando as finanças concordaram, saí à procura. Tive sorte. Encontrei uma residência bonita, com um pequeno jardim, na Praia do Engenho, próximo à Jureia. Dentro de um condomínio fechado. Melhor ainda, com a natureza totalmente preservada, entre dois morros cobertos de florestas! Era um sonho. Quando me vendeu, o dono se emocionou:

— Pendure uma banana nas árvores para atrair os passarinhos. Eles fazem uma festa.

Peguei as chaves com o coração acelerado. Anunciei:

— É o refúgio ideal. Vou escrever em paz!

A primeira vez que vi um gavião voando, lacrimejei.

— Que lindo, que lindo!

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A lua de mel ecológica durou alguns meses. E teria durado até hoje. Mas minha ex-cunhada, Júnia, deu o alarme.

— Acharam uma cobra no condomínio!

Enviou a foto pela internet. Era um espécime negro. Ao que diziam, venenoso. Fora encontrado no jardim de um vizinho. O alvoroço foi geral. Júnia tentou comprar soro antiofídico no Instituto Butantan.

— Não vou guardar o soro na geladeira! — anunciei. — Ninguém sabe usar! E alguém é capaz de beber achando que é refrigerante.

De qualquer forma, não havia soro disponível. Ela descobriu um endereço para pronto atendimento: o pronto-socorro de Boiçucanga. Minha sobrinha Juliana suspirou aliviada.

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— Se alguém for picado, é só disparar até lá.

— Se não houver congestionamento — refleti. — Aquela estrada vive parada. Já pensou dar de cara com a cobra numa volta de feriado, por exemplo?

Houve um silêncio apavorado.

— Quando eu for com meu filho, vou ficar trancada na casa — anunciou minha outra sobrinha, Andréa, cujo pimpolho tem 2 anos.

— Se é para se trancar, para que ir à praia? — raciocinou seu marido, Ricardo. — Vai cozinhar de tanto calor.

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Nova troca de e-mails. Segundo Júnia, outra cobra fora achada, ainda mais venenosa. Tentei amenizar:

— Se o condomínio criar gansos, eles acabam com as cobras.

Júnia se encarregou de levar a sugestão ao administrador. A família é criativa, e a ideia foi mais longe. Na área verde, poderiam criar também galinhas, patos e até pavões. Mas dois dias depois chegou novo e-mail de Júnia, com cópia para todos.

— Não vou sugerir os gansos. Uma amiga disse que não deixam ninguém dormir com o barulho. E bicam a perna da gente.

— Pode ser uma boa maneira de acabar com a celulite — comentei, tentando ver o lado positivo da coisa.

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Rogério, marido de Juliana e sempre criativo, sugeriu:

— Que tal botar um cartaz dizendo: “Proibida a entrada de cobras”?

— Não é legal — argumentei. — Boa parte de minhas amigas teria de ficar do lado de fora.

Na próxima reunião familiar, apresentei uma solução:

— Quem tiver medo pode ir de botas para a praia.

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Após novos gritos de revolta, desabafei:

— Vocês ficaram felizes porque é uma praia ecológica. Amam as araras, os tucanos. Abraçam as árvores porque elas têm uma energia especial. Gente, onde tem mato, também tem cobra!

Silêncio indignado.

— Você é muito insensível — comentou Juliana.

— Tio desnaturado — concluiu Andréa.

Ninguém nunca viu uma cobra de perto. Só o tal jardineiro, que fez questão de fotografá-la.

Mas o fato é que já estou aqui, na casa de praia, para passar o Carnaval, com um grupo de amigos. E não avisei de cobra a nenhum, senão fico sozinho. Minhas sobrinhas?

Estão na avenida, admirando os desfiles.

A ecologia faz a cabeça de milhões de pessoas. Mas, quando a natureza abre seu leque, é uma correria.

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