Eles não “ajudam”: Pais que mostram que o cuidado também é tarefa masculina
No Dia dos Pais, reunimos quatro histórias que provam que o envolvimento na rotina da casa pode ser um momento de diversão e conexão

Quando Tadeu França decidiu pedir demissão do emprego de gerente comercial, em 2023, muita gente estranhou. Desde então, seu dia a dia acontece quase todo dentro de casa: ele cuida dos filhos, Augusto, 6, e Hugo, 4, enquanto a esposa trabalha fora como esteticista. “O que mais gosto é estar presente para acompanhar as mudanças deles”, diz.
Histórias como a de Tadeu ainda são exceção, mas vêm ganhando força. Desafiando estereótipos de gênero e legislações omissas, cada vez mais homens assumem o cuidado dos filhos e da casa — não como uma ”ajuda”, mas como uma responsabilidade inerente que nasce junto com um filho. O novo movimento contribui para um futuro mais otimista do que o cenário atual, marcado pela sobrecarga das mulheres, que dedicam, em média, 21,3 horas semanais aos afazeres domésticos e ao cuidado de pessoas, enquanto os homens passam 11,7 horas nessas atividades, segundo dados de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O pressuposto de que o cuidado das crianças é uma tarefa feminina encontra validação jurídica. No Brasil, a licença-paternidade é de apenas cinco dias — enquanto as mães recebem 120 dias de afastamento (leia mais na pág. 15). Outro fator que incide sobre a falta de homens no trabalho do cuidado são os papéis de gênero. Um estudo da Ipsos divulgado em 2019 revelou que 26% dos brasileiros concordam com a frase “Um homem que fica em casa para cuidar dos filhos é menos homem”. O Brasil foi o terceiro país com maior taxa de concordância, atrás da Coreia do Sul e da Índia.
A participação ativa dos pais na rotina de casa também traz benefícios para os próprios homens — e para a sociedade de maneira geral. “Os homens são maioria no sistema penitenciário, em homicídios, acidentes de trânsito e suicídios. É importante darmos oportunidade para esse homem se desenvolver emocionalmente, não apenas violentamente. Isso resolve vários problemas sociais”, pondera Marcos Piangers, autor de O Papai É Pop (Belas Letras, 112 págs., 46,00 reais), de 2015, e um dos principais produtores de conteúdo sobre paternidade.
“Os homens estão descobrindo a beleza da paternidade, do cuidado, da construção de laços afetivos, e não apenas competitivos. Acho que essa é uma emancipação masculina. Porque a grande prisão masculina não é estar preso dentro de casa, mas é a prisão emocional.” Marcos Piangers, autor
Como Tadeu, outros homens têm reafirmado seu dever de cuidar do lar e dos filhos. Felipe Oliveira aproveitou o home office para acompanhar o cotidiano dos dois filhos; o ator Vinícius de Oliveira se beneficia da falta de horários de trabalho fixos para levar, buscar e cozinhar para os filhos durante a semana, e Marcos Veras se desdobra em meio a estreias e gravações para garantir momentos da rotina com o filho. Apesar de ainda rara, a participação não deixa de ser o mínimo. “A nossa régua de performance é tão baixa que qualquer coisa que um homem faz é tido como extraordinário”, reforça Tadeu França.

Vinícius de Oliveira recebeu a reportagem em uma segunda-feira atribulada. Com cheiro de comida invadindo a sala, o ator — que ficou célebre por seu papel como Josué, a criança de Central do Brasil — preparava o almoço para seus dois filhos, Benjamin, 11, e Antônio, 10. O pai costuma cozinhar para os pequenos durante a semana, e passou parte de seus dotes para o filho mais velho, que afirma, orgulhosamente, saber preparar cebola caramelizada, arroz, ovo e miojo. A rotina de ator contribui para a presença no lar: a sua próxima gravação longa será só em outubro, e nesse meio-tempo pode ficar com os meninos durante o período do dia. Vinícius divide o cuidado dos filhos com a ex-esposa, também atriz, e, quando precisa sair da cidade para uma filmagem, troca os dias com ela. O pai faz questão de buscá-los na escola, e, após o almoço, às vezes desce com eles na quadra do prédio para jogar futebol — afinal, não é simples treinar dois aspirantes a jogadores profissionais. “Eles são muito independentes. Quando tenho gravação, deixo a comida no fogão, eles esquentam, comem e lavam os pratos”, conta, acrescentando que os meninos também tiram o lixo, fazem lição de casa sozinhos e separam e guardam as roupas que ele lava. “Acho fundamental estar no dia a dia deles não só como o pai legal, mas também como um pai humano”, compartilha.

Em 2023, Tadeu França decidiu pedir demissão da empresa de turismo onde trabalhava como gerente comercial e, desde então, seu dia a dia é majoritariamente em casa. Ele cuida dos filhos, Augusto, 6, e Hugo, 4, enquanto a esposa trabalha fora de casa, como esteticista. “O que mais gosto é estar presente para acompanhar as mudanças deles”, conta. O primeiro dente que caiu, o dia em que tiraram a fralda, quando aprenderam a escrever o próprio nome, tudo isso foi acompanhado de perto pelo pai. “São coisas que parecem pequenas, mas sei que a infância deles vai durar pouco, e tento fazer esses momentos serem mais significativos para eles.” Atualmente, ele produz conteúdo sobre paternidade nas redes sociais e, em 2024, publicou o livro infantil Gugo, o Carneiro Peludo (Much, 28 págs., 61,00 reais). O momento favorito da rotina, para Tadeu, é o circuito da chegada em casa: lavar o nariz, fazer as bombinhas de asma, tomar banho, jantar, escovar o dente e dormir. “É quase uma linha de produção”, brinca. “Gosto que eles saibam que não estão sozinhos e que a rotina é um momento nosso de fazer coisas chatas, mas que também são importantes.” A decisão de assumir os afazeres do dia a dia também foi benéfica para a esposa de Tadeu, que pôde se dedicar mais ao trabalho — antes ela limitava seus atendimentos ao período em que os filhos estavam na escola — e, desde então, começou uma pós-graduação. A decisão de sair do emprego presencial foi um acerto para Tadeu. “Nunca foi normalizado para mim não estar presente, não poder ir em apresentações na escola da criança por causa de trabalho.” Ainda assim, ele conta que o cuidado doméstico não surgiu de forma natural. “Foi um processo de desconstrução. Antes, nunca tinha sido cobrado nesse sentido. Como homem, fui cobrado para prover, para sair de casa, e deixar a mulher cuidando da casa e das crianças.”

O envolvimento de Felipe Oliveira com a rotina do lar começou com mais intensidade em 2018, quando aceitou um emprego em home office. A esposa, cabeleireira, não conseguia se ausentar do trabalho fisicamente. Enquanto trabalhava de casa, o pai de Helena, 10, e Luiz Henrique, 8, era o principal encarregado de levá-los na escola, na terapia, e acompanhar a lição de casa dos pequenos — momento favorito de Felipe. Depois de um período, aceitou uma proposta de trabalho híbrido, mas, mesmo quando trabalhava presencialmente, fazia questão de assumir a rotina noturna: banho, jantar e colocar as crianças para dormir. “A divisão de tarefas sempre foi muito orgânica, baseada em quem está com a agenda mais disponível. Ela geralmente me fala o que tem de clientes agendados para eu me adaptar, e vice-versa”, conta. O home office sobreposto ao cuidado dos pequenos não era tarefa leviana. “Demandava muita organização. Precisava de silêncio para fazer as reuniões e, para isso, tinha que pensar em atividades para entretêlos no período”, conta o gerente de contas, que tentava marcar as reuniões para a manhã, período em que as crianças estavam na escola. Conciliar trabalho e cuidado era especialmente difícil porque Luiz Henrique precisa de atenção constante, por ser um menino autista. Agora, Felipe se prepara para a volta ao trabalho presencial, mas conta com o privilégio de ter horário flexível. “Foi uma decisão coletiva que tomei com minha esposa. Vou sentir falta de passar mais tempo em casa.”

Marcos Veras sempre esteve muito próximo do filho, Davi, que completa 5 anos no sábado (9). “Foi o melhor presente de Dia dos Pais”, afirma o ator. Rosane, sua esposa, engravidou durante a pandemia, e isso criou um laço muito forte. “Essa conexão desde a gravidez continuou após o nascimento dele”, conta o pai, que ama levar e buscar o filho das aulas e dar banho no menino. Nos últimos tempos, conciliar as gravações com a rotina de casa tem sido seu maior desafio. O ator carioca estreia em São Paulo Titanique — o Musical, sátira do filme de 1997 que chega à capital paulista em outubro, além de outros projetos que o trazem à cidade — caso da gravação da adaptação cinematográfica do livro O Gênio do Crime. Mas ele tem dado um jeito. “Prefiro sempre alugar apartamento, para poder trazer o Davi e a Rosane comigo, e sempre opto por fazer bate-volta e dormir em casa, na medida do possível”, explica. Quando não consegue ficar com Davi em casa, Marcos faz questão de levá-lo aos ensaios — os musicais são os preferidos do pequeno —, um ritual que o ator herdou do pai, dono de restaurante que o levava para brincar no estabelecimento. Agora, ele lança uma coleção de roupas da marca Leite com Pera, pensada especialmente para o Dia dos Pais. As camisetas são estampadas com vinte frases divertidas sobre paternidade, como “Duas coisas que só aumentam: o amor pelo meu filho e a mensalidade escolar”.
Publicado em VEJA São Paulo de 8 de agosto de 2025, edição nº2956.