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Cursos de gastronomia: a moda é ser chef

Aulas na área proliferam e atraem jovens dispostos a seguir a carreira

Por Marcella Centofanti
Atualizado em 6 dez 2016, 09h04 - Publicado em 18 set 2009, 20h35

Na última década, a cozinha paulistana sofreu uma espécie de revolução. Restaurantes de culinária sofisticada já existiam, claro, mas não com a profusão de hoje. Serviço esmerado, ambiente bem decorado e pratos apresentados adequadamente eram raros. Uso de matérias-primas nobres? Apenas nos endereços mais estrelados. Sommelier, barista e restaurateur viraram especialidades familiares ao vocabulário do paulistano gourmet (ops, outra palavrinha da moda). Nenhuma mudança, no entanto, foi tão surpreendente quanto a que ocorreu com os chefs. Os cozinheiros ganharam status de celebridade. E assim, quase com a mesma velocidade com que o creme de leite se transforma em chantilly, foram parar em programas de TV, colunas sociais e capas de revista. A glamourização da atividade, que começou no início dos anos 90 com a vinda para cá de chefs internacionais de renome, como os franceses Laurent Suaudeau e Emmanuel Bassoleil e o italiano Luciano Boseggia, criou um fenômeno inédito em São Paulo. Influenciada pelo brilho dos mestres-cucas famosos, uma legião de jovens vislumbra trilhar carreira à frente das panelas.

Os números das escolas de gastronomia são impressionantes. Em 1994, o Senac criou o curso de cozinheiro chefe internacional com doze vagas, em Águas de São Pedro, a 192 quilômetros da capital. Em 2001, abriu também a carreira de tecnólogo em gastronomia, que dura dois anos e garante diploma universitário. Hoje, as modalidades são oferecidas em três campi (além de Águas de São Pedro, Campos do Jordão e São Paulo) para 745 alunos. A graduação da Anhembi Morumbi, que começou com 48 estudantes em 1999, é no momento freqüentada por 524 alunos – em seu vestibular, há nove candidatos para cada vaga (veja quadro). Nas duas instituições, as mensalidades giram em torno de 1 500 reais. Um pouco mais barato (1 199 reais por mês), o curso da FMU, que reúne em seu corpo docente nomes como Boseggia, Joël Ruiz e Renata Arassiro, tem 400 matriculados. Quando começou, em 2001, eram sessenta. Outras quatro faculdades, Hotec, Unip, Unicsul e Metodista, abriram cursos de 2002 para cá. “Dez ou quinze anos atrás, as pessoas trabalhavam na cozinha por falta de opção”, lembra a chef Rita Lobo. “Essa formação é importante para o mercado.”

Em todo o estado, há 2 314 estudantes de gastronomia. É pouco se comparado a cursos tradicionais como medicina (15 000) e direito (150 000). Mas em 2001 apenas 405 aprendizes se dedicavam às técnicas de forno e fogão. Ou seja, o número de alunos mais que quintuplicou em cinco anos. Apesar de o currículo das faculdades abordar várias áreas, como administração, enologia e organização de eventos, nove entre dez alunos prestam vestibular com um objetivo: ser chef. “Nosso maior desafio é derrubar a imagem glamourizada da profissão”, diz Ana Beatriz Gehma, subgerente de gastronomia do Senac. “Ocupar um cargo desses é passar doze horas em pé, correndo sem parar, num lugar nem sempre ventilado.” Outra idéia equivocada dos calouros é a de que, ao fim dos quatro semestres, eles estarão prontos para brilhar no comando de uma cozinha. Não é bem assim. Em primeiro lugar, dois anos não são suficientes para formar um profissional completo. Os alunos saem da faculdade com noções básicas sobre cortes de carnes e legumes, preparo de molhos e decoração de pratos, por exemplo. Mas vão passar anos até eles adquirirem uma formação sólida. Antes de chegarem lá, terão de limpar muito fogão, descascar muita batata e lavar muita verdura. É uma rotina puxada e mal remunerada. Um cozinheiro começa ganhando, em média, 1 000 reais por mês. Um ano depois, receberá em torno de 1 800 reais. “Isso se ele for talentoso e dedicado”, aponta o chef Mauro Maia, do Supra, que foi aluno da primeira turma da Anhembi Morumbi. “O mercado é competitivo e exigente.”

Nos programas de estágio, os alunos trabalham duro. E quase sempre de graça. O restaurante de cozinha contemporânea D.O.M., objeto de desejo da maioria dos estudantes, não paga nada. Segundo o chef Alex Atala, de cada 100 alunos que passam por sua cozinha todo ano, apenas dois permanecem ali. “A moçada ainda tem uma imagem distorcida da profissão”, diz Atala. “Esquece que, antes de se tornar um chef, é preciso aprender a ser um bom cozinheiro.” Ele, que começou a trabalhar em restaurantes numa viagem à Europa nos anos 90, é um entusiasta da proliferação dos cursos superiores – cerca de 80% da sua equipe tem diploma.

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A difícil vida da cozinha é aprendida já na faculdade. São os próprios alunos que se encarregam da limpeza dos fogões e equipamentos utilizados nas aulas. De 60% a 70% da carga horária é voltada para a parte prática – a grade teórica inclui microbiologia, dietas alternativas e gestão de pessoas, entre outras. Além de os alunos zelarem por seus pertences pessoais, há uma escala semanal que define quem verifica se todos lavaram suas panelas, se os materiais foram guardados e se o lixo foi retirado. Em 1999, a primeira turma da Anhembi Morumbi revoltou-se com essas obrigações. Fez abaixo-assinado reivindicando autorização para levar para a classe suas empregadas domésticas. O pedido estapafúrdio, evidentemente, foi ignorado. Hoje, os estudantes encaram melhor a realidade. “Sei que a rotina é puxada, mas vou batalhar para ser chef mesmo assim”, diz Bianca Volpon, de 19 anos, matriculada no 4º semestre. Nos antebraços, ela exibe cinco marcas de acidentes com o forno. Não se incomoda. “É normal. Aqui todo mundo tem cicatrizes de queimaduras e cortes.” Durante o curso, os alunos aprendem as habilidades básicas individualmente. Nessa etapa, há provas que checam, por exemplo, se eles conseguem cortar uma cebola em cubos pequenos. Ou se sabem fazer creme pâtissier. As avaliações são feitas quase que diariamente. No fim de cada aula, o professor degusta os pratos e confere se a quantidade de sal está correta, se o molho está no ponto certo…

Apesar da complexidade do currículo e do boom de escolas, a decisão de estudar gastronomia ainda choca pais que sonham com carreiras de respeitabilidade social garantida para os filhos. “Quando passei no vestibular, alguns amigos acharam estranho”, conta Veronika Wolter, 20 anos, aluna do 2º semestre da FMU. “Perguntaram se eu seria cozinheira.” Veronika enquadra-se num perfil facilmente encontrado nos cursos. Antes de entrar na FMU, sabia bater um bolo e olhe lá. Interessou-se pela carreira durante a faculdade de nutrição, que freqüentou por dois anos. Felipe Escalira, 23, sabia apenas pilotar uma churrasqueira. Caiu de pára-quedas no curso da Unip, que abriu sua primeira turma no ano passado. Frustrado com as faculdades de rádio e TV e engenharia, digitou num site de buscas a frase “cursos superiores de curta duração”. Eureca! Descobriu a gastronomia.

Brincar de ser chef pode custar bem caro. É moda entre jovens ricos estudar no exterior em vez de aprender o bê-á-bá por aqui. A troca não é necessariamente um bom negócio. Muitos cursos formam gourmets, não técnicos. Herdeiro do restaurante Marcel, Raphael Durand Despirite saiu do Brasil aos 17 anos para matricular-se na escola do hotel Ritz de Paris. Gastou 30.000 euros. Aos 22, ele comanda onze pessoas na cozinha. Há duas semanas, no evento Prazeres da Mesa ao Vivo III, promovido no Senac, ensinou a platéia a fazer um confit de peru ao molho de vinho do Porto. “Tem muita gente perdida que vai fazer turismo fora do Brasil”, aponta. “Acho melhor aprender aqui e, depois, fazer especialização no exterior.” Foi o que fez Lia Jordão, 23 anos. No último semestre da faculdade, na Anhembi Morumbi, investiu 4.000 euros para passar quatro meses na escola do badalado Paul Bocuse, em Lyon, na França. Surpreendeu-se com o resultado. “Aprendi mais no Brasil.”

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Quem encara o curso com seriedade encontra uma ampla área de atuação. Uma pessoa formada em gastronomia pode trabalhar com eventos, bufês e administração de negócios. Filha do restaurateur Walter Mancini, Rebeca, 19 anos, é estudante do Senac. Quando entrou, pensava em ser chef. Agora, tem uma visão diferente. “Posso atuar em diversos setores”, afirma. “Vou seguir os passos do meu pai.” De olho no filão de quem quer mais administrar do que cozinhar, a Unicsul propagandeia uma formação voltada para gestão. O curso criado neste ano tem 35 alunos. Para 2007, espera formar uma segunda classe. A Metodista, em São Bernardo, conta com 110 matriculados em suas três turmas, abertas no ano passado. Já na Hotec, que lançou seu curso de gastronomia em 2002, 400 aprendizes dedicam-se às técnicas de forno e fogão.

Francês radicado no Brasil há dezenove anos, o chef Emmanuel Bassoleil, do Skye, vê com bons olhos o crescimento das escolas. Em 1994, ele deu consultoria na criação do curso do Senac. “Quando cheguei aqui, faltavam profissionais qualificados”, recorda-se ele, que faz uma ressalva à proliferação de faculdades. “Meu medo é que essa multiplicação resulte apenas em quantidade, e não em qualidade.” Apesar da dura realidade do mercado, com talento, dedicação e uma pitada de sorte, novatos podem conquistar espaço na gastronomia paulistana. Aluno da Anhembi Morumbi de 2000 a 2001, Luiz Emanuel faz sucesso no comando da cozinha de seu restaurante, o Allez, Allez!, na Vila Madalena. Aos 30 anos, foi eleito em setembro chef revelação na edição especial Comer & Beber ­ O Melhor da Cidade, de Veja São Paulo. No ano que vem, pretende abrir mais uma casa, também de comida francesa, em Pinheiros. “Cursar uma faculdade faz toda a diferença e abre portas”, afirma ele, que, depois de ensaiar alguns passos como DJ e dono de boate, percebeu que gostava mesmo era de cozinhar. “O curso ensina o básico, mas cabe a cada um descobrir qual é o seu caminho e segui-lo. O meu é o da cozinha francesa.” Seus deliciosos peito de pato e steak tartar são a prova de que ele foi um aluno aplicado.

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