Ninguém precisa ter sido alfabetizado em hieróglifos para lembrar do tempo em que a pergunta “O que você faz da vida?” recebia respostas muito simples. “Sou carteiro. Sou eletricista. Contador. Advogado. Professora de ioga. Vendedor de planos de saúde.” Era tudo direto. Sinal da crise que o país atravessa — e o mundo também, convenhamos — é que as respostas a uma pergunta tão básica estão cada vez mais vagas e imprecisas. Em geral, saímos da conversa sabendo menos do que antes.
Imagine-se numa festa em que rola o encontro com um amigo de quem havia muito não se ouvia falar. Vem a clássica “Você está onde?”. “Estou prestando consultoria na área de comunicação com as redes sociais não inclusivas, especialmente as voltadas para comunidades ribeirinhas do Baixo Jequitinhonha” é um exemplo. Como é bastante rara a chance de você saber exatamente onde fica o Jequitinhonha — alto ou baixo, tanto faz —, o questionado sai incólume.
Não tente entender melhor o que a pessoa faz. “É assessoria de imprensa?” Não, não é. “É treinamento de comunicação?” Também, mas não só. “É meio por aí”, ela pode responder, aumentando o enigma. Quanto mais detalhes você pedir, menos claro ficará o trabalho da pessoa. Será que tem alguma coisa a ver com venda de carnê ou sorteio de loteria? Deixe rolar ou você correrá o risco de perder o melhor da festa.
Vamos combinar, você não tem nada que colocar os amigos em situação delicada. Pergunte uma vez, duas vezes, chega. Ponha-se no lugar da pessoa, tendo de explicar de que maneira está pagando as contas no fim do mês. Esse exercício é muito bom para praticar o conceito de solidariedade. E também para treinar, porque nunca se sabe o dia de amanhã.
Já faz algum tempo que a carteira profissional ficou encostada na mesma gaveta das fitas cassete e das cartelas de fichas para orelhão. Trabalho, agora, é coisa de pessoa jurídica, e a função de cada um no capitalismo tornou-se difusa. Assim, você não é mais de determinada categoria, mas exerce determinada missão. As gerações que começam hoje a desbravar o mercado de trabalho certamente virão mais bem preparadas para as novas nomenclaturas.
Foi assim com a gente. A geração dos meus pais tinha orgulho quase cívico de ter trabalhado na mesma empresa (muitas vezes, na mesma função) durante quarenta ou cinquenta anos. Nossa safra já começou não se prendendo tanto ao mesmo emprego: quem pagasse melhor levava. A geração atual não se preocupa nem um pouco em esquentar cadeira e troca de “job” — é assim que eles chamam o trabalho, aprenda — a cada mudança de lua.
Estimular os herdeiros a seguir a carreira do papai ou do vovô pode ser muito lindo — especialmente na hora de pendurar os diplomas em sequência na parede —, mas tem pouco resultado prático. Pensemos juntos: qual profissão tem dado garantia de vida confortável e ganhos nababescos? O.k., fiquemos apenas com os ganhos, sem adjetivos. Nem é preciso tempo para pensar. Melhor deixar a moçada e os velhos amigos em paz. Eles sabem se virar.