O alerta chegou por rede social numa manhã de sábado. Sansão, o sumido colega de nossa turma do que hoje se chama ensino médio, fora localizado. Como aconteceu, não entendi direito. Parece que envolvia a prima da vizinha de uma tia da Márcia, da Fátima ou da Sueli, a coisa ficou meio vaga. Só sei que essa pessoa, sabedora de nossa dúvida sobre o destino do Sansão, reconheceu o tipo numa foto e deu a pista.
Sansão, claro, não passava de um apelido carregado de ironia — o rapaz era magro feito um retirante do Portinari. Pior ainda, nos encontros reais e virtuais dos amigos agora envelhecidos ninguém lembrava o nome completo do Sansão. Não era descaso. Já disse o cantor Ney Matogrosso numa entrevista: nos anos 70 as pessoas não tinham sobrenome. Sansão era, Sansão ficou.
Localizado o colega, a constatação: Sansão tem um desses nomes que fazem a festa do Serasa. Não usa o amontoado de con soantes de filho de poloneses nem foi batizado com a exótica junção de pai e mãe na mesma palavra. Tem o chamado nome comum, honesto, simples e impossível de localizar num site de busca.
Em sua versão revista e atualizada, Sansão mostrouse pai presente, marido sorridente, funcionário público de carreira e apreciador das belezas naturais do Brasil — várias fotos em seu perfil mostramno em praias do Nordeste e cafés coloniais do Sul, sempre sorridente e à vontade.
Parece que já é avô, mas é melhor não arriscar. Ele está naquela idade complicada do homem que, quando aparece ao lado de uma jovem bonita, deixa todos em dúvida: será que é namorada? Com criança na foto é a mesma coisa: filho ou neto? É melhor esperar que a situação se defina por si mesma antes de dar algum fora.
Agora estamos, nós e o Sansão, unidos pelos fios virtuais. Até o momento ninguém veio com o chavão “bons tempos aqueles”, legendando fotos de adolescentes espantados, usando paletó de ombreira, vestido de baile verdeágua e penteado de Sessão da Tarde. Melhor assim. Sansão deve entrar pela porta da frente da atualidade, e não usando o elevador da nostalgia. Bom tempo é sempre o de agora.
No fundo, todo mundo tem um Sansão para chamar de seu. Aquele amigão do 2º B, de quem nunca mais se ouviu falar. A recepcionista da firma onde você trabalhou tempo suficiente para uns beijos e abraços mais calorosos na festa de fim de ano, qual era mesmo o nome dela? Não se vanglorie, ela deve se perguntar a mesma coisa a seu respeito — se é que seus beijos foram marcantes.
Existem também aqueles personagens que entram em nossa vida já com vocação inequívoca de Sansão: os parceiros feitos ao longo de uma viagem. São figuras divertidas, cheias de dicas, sabem pedir cerveja com colarinho em checo e moram na mesma cidade que nós. Como vivemos até agora sem nos conhecer?
A resposta vem assim que a viagem acaba e todos retomam sua vida cotidiana, sem a presença do outro. Emails, endereços e telefones foram trocados, mas um dia você olha aquele nome na agenda do celular, cutuca a memória e nada. Mais um Sansão é deletado sem pena.