Quando me encontrou no café da academia, Fábio Antônio abriu seu melhor sorriso. “Faz tempo que quero sugerir um tema para suas crônicas”, disse ele, dando a pausa dos imaginários dois-pontos. “As pessoas que sugerem temas para crônicas.” Rimos, tomamos nosso cafezinho e cada um seguiu seu rumo. Mas a ideia ficou, serelepe.
Quem vive de escrever sabe que um dos ossos mais duros do ofício é diferenciar a inspiração autêntica do decepcionante fogo de palha. Ideias bacanas, todos têm, o tempo todo. O danado é descobrir o que se faz a partir da tal iluminação divina — começando pelo básico: não existe iluminação nenhuma. Existe trabalho. Deve-se transformar o mote num mil-folhas literário e recheá-lo com um creme saboroso, que prenda o leitor até a última mordida.
O assédio não acontece apenas em torno de cronistas. Romancistas e noveleiros também têm sua cota de “minha vida daria um livro”. Não é difícil entender o motivo. Qualquer pessoa é protagonista da própria existência, mesmo que esta seja tão excitante quanto um copo de leite morno. Quando encontra quem sabe transformar tudo em diálogo de novela ou capítulo de livro, a estrela anônima quer ser descoberta e, quem sabe, virar musa.
A inspiração, no entanto, é preguiçosa. Muitas vezes, passam-se anos até que — no meio de um texto qualquer — vem à lembrança uma situação vivida pelo autor, escutada na rua numa ocasião perdida no tempo. Também não existem situações inspiradoras por si só. Quem escreve é sempre apanhado de surpresa. Eu mesmo já tive peças de teatro nascidas no velório de um conhecido e no vestiário da academia.
As musas não são lá muito metódicas e, por isso, contam com o empenho do escritor. Ela, a musa, faz a parte dela, dando a ideia. O resto é com você — escrever e reescrever várias vezes, pesquisar, testar, reconhecer que errou aqui, alegrar-se porque acertou ali. O piano precisa ser carregado, e só restou você para fazer a mudança.
Não acredito em “jorro criativo”. É fundamental escolher as palavras adequadas à história que queremos contar. Um personagem solar, alegre, usa palavras de som aberto, muitos “as” e “és”. Criações soturnas e sofridas, pelo contrário, apelam para sons fechados, anasalados. Na vida real, ninguém fala igual ao vizinho. Personagens são a mesma coisa.
Também não é vergonha nenhuma vampirizar o que se ouve por aí — não piratear, note a diferença. O nosferatu literário soma à experiência alheia as diversas fontes que começam a cair no seu colo, como se fosse por acaso. Um livro, um filme, alguém contando algo na fila do mercado, as musas apenas mandam a mensagem, não se importando com o meio utilizado.
A sempre interessante vida alheia é fonte inesgotável para a ficção. Mas, ao usá-la, substitua o nome dos envolvidos. Você fica mais solto para criar e se livra de eventuais processos. Só use nomes reais se quiser honrar a pessoa que deu a ideia para a crônica. Foi o caso do Fábio Antônio.