Cresce o número e a patente de mulheres na polícia
Elas já representam 15% do efetivo das polícias civil e militar. Sua presença na corporação cresce a cada ano. Agora elas têm o desafio de conquistar mais vagas, patentes altas e a confiança da população
Em 1955, quando foram criadas vagas femininas na Polícia Militar de São Paulo, vestir uma farda era algo que não passava pela cabeça das mulheres. Havia apenas treze na corporação, que ainda se chamava Força Pública. Mudaram não apenas os números, como as funções exercidas por elas. Hoje, as mulheres já representam 15% do contingente estadual das polícias civil e militar – são 18 600 entre 110 000 homens. Ano a ano, elas cavam um espaço maior em delegacias e batalhões. Há cinco décadas, a responsabilidade atribuída às policiais limitava-se à ronda escolar e a atendimentos assistenciais variados, especialmente a grávidas e crianças. O uniforme feminino incluía uma bolsinha com o mapa de São Paulo. E nada de armas.
Atualmente, poucos se espantam ao vê-las com uma metralhadora em punho, pilotando viaturas ou ajudando a combater incêndios, tarefas que passaram a desempenhar desde 1999, quando surgiram os batalhões mistos. Elas entram em favelas? Sim. Perseguem traficantes? Sim. Estão no batalhão de choque ou na cavalaria? Sim e sim. E nas funções burocráticas? Humm… Principalmente nessas. De qualquer forma, é significativo observar que houve um salto e tanto na quantidade de mulheres na corporação. Em 1998, elas somavam 6% do contingente estadual da Polícia Militar (6 115 mulheres num total de 93 000 PMs). Em 2007, o efetivo permaneceu praticamente o mesmo, mas a participação delas subiu para 10%.
Há três formas de se tornar uma policial. No caso das carreiras da Polícia Civil, o caminho é prestar concurso público. Para ingressar no Barro Branco e fazer parte dos quadros da Polícia Militar, é preciso passar pelo apertado funil do vestibular da Fuvest. Durante quatro anos, as alunas estudam e residem em regime de internato (deixam a academia como segundo-tenente). Até chegar a coronel, o cargo mais alto na hierarquia da PM, pode-se demorar trinta anos! Mayara Tanaka, Renata Cyrne e Brenda Castro arrombaram (e sem violência!) essa porta de entrada – ali, as mulheres são uma minoria absoluta: 32 no meio de 693 alunos. As três colegas ficaram entre as dez melhores posições no vestibular em 2004-, depois de enfrentar cerca de setenta concorrentes por vaga. Atualmente elas são alunas do 4º e último ano da academia. Continuam arrasando em todos os quesitos, com nota média geral de 9,2. Vão bem tanto nas disciplinas teóricas, como direito penal, quanto nas práticas, como as aulas de tiro (na foto da abertura desta reportagem, o trio segura uma metralhadora .40 Famae, da Taurus). “Elas têm ótima pontaria, agilidade e disciplina”, afirma o instrutor Everton Cunha, capitão da PM.
Outra porta de entrada na PM é o concurso público para soldado. A candidata precisa ser brasileira, ter entre 18 e 30 anos, 2º grau completo e mais de 1,60 metro de altura. No último concurso para soldado, em 2005, cerca de 18 000 moças disputaram os 350 lugares disponíveis. Uma peculiaridade faz com que as mulheres tenham alcançado 27% do total do efetivo na Polícia Civil e 10% na Polícia Militar. “Por lei, são determinadas quantas vagas existem para mulheres e homens por escalão”, explica Fátima Ramos Dutra, uma das duas únicas mulheres entre os 56 coronéis da Polícia Militar. Em média, abre-se um posto de policial feminino para cada nove masculinos. “Essa é uma questão técnica, que só vai mudar se o governador decidir”, diz ela, que em apenas doze anos atingiu o cume da hierarquia.
A coronel está à frente de 1 972 pessoas e toma conta de uma área extensa da Zona Leste, da Mooca até a Vila Matilde. Caso raro na cidade de São Paulo, onde apenas um batalhão e seis delegacias têm uma mulher no posto máximo (excluindo-se da conta as nove encarregadas de delegacias da Mulher). Vaidosa e disciplinada, Fátima mantém a cinturinha de pilão freqüentando uma academia onde as seções de ginástica são complementadas por massagens. “Sou militar também na alimentação”, diz ela. “Não janto e prefiro soja a carne vermelha.” A sargento Regina Gil dos Santos, que seguiu carreira nos bombeiros e tornou-se chefe de equipe do atendimento de emergência, o 193, é outro motivo de orgulho para seus pares. Já trabalhou na rua, em incêndios e resgates. “Fui a única mulher do pelotão na escola de bombeiros em 1995”, conta Regina, recordando os tempos em que aprendeu técnicas para mover-se no meio de labaredas de fogo com um uniforme de 25 quilos e um cilindro de ar nas costas. “Garanto que não é mais pesado que carregar filho e compras ao mesmo tempo”, acrescenta ela, que é mãe de um adolescente e trabalha com mais 260 bombeiras.
A Polícia Civil, por sua vez, foi um clube do Bolinha até 1976. Só então se passou a ver mulheres envolvidas em investigações. Mais recentemente, vêem-se também delegadas no comando das equipes. Na turma de 204 delegados empossados em janeiro, elas conquistaram sete das dez primeiras colocações graças a boas notas no curso de preparação para o cargo. Compunham menos de um terço da turma. A primeirona foi Maria Letícia Camargo Lopes, de 28 anos, nascida em Guaratinguetá. “Longe de meu marido, que é escrevente de cartório em Pindamonhangaba, eu me afundei nos livros e em trabalho”, conta. Depois que a jovem delegada foi admitida na delegacia do Jaguaré, a 93ª DP, sua rotina passou a exigir esforço maior. Maria Letícia vira ao menos duas madrugadas por semana para atender, numa salinha feia e impessoal, a casos que vão de roubos de carro a brigas de casal. “Meu prazer é conversar com as pessoas”, diz, confessando que sentia falta do contato humano quando se debruçava sobre processos na sua breve experiência de advogada, da qual conserva terninhos e tailleurs bem cortados.
Seja pelo choque de realidade, seja pela escala de plantões noturnos, o início de carreira na polícia pode ser comparado à fase de residência na medicina. “É o momento em que os jovens se embrutecem para lidar com o mundo-cão”, entende a delegada Margarette Barreto, titular da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi). Ela considera que a lição é das mais árduas, especialmente pelo preconceito que sofrem não só de muitos policiais como da sociedade. “Algumas se defendem vestindo o estereótipo de mulher-macho”, diz. Como elas sabem que não conseguem provocar o mesmo impacto dos homens à base do grito ou da força, procuram, para compensar, apegar-se às normas de segurança e ao procedimento-padrão – estudados à exaustão na teoria e em simulações – antes de ser expostas ao perigo. No ano passado, 22 policiais do sexo feminino feriram-se em serviço, contra 250 homens. Nenhuma morte foi registrada.
Os casos mais corriqueiros são acidentes de carro. “O sangue ferve quando tenho de correr com a viatura até o local de um crime”, conta a tenente Fernanda Nossa, de 23 anos. Viciada em adrenalina – gosta de andar de moto e pratica rapel em paredões de pedra –, ela encontrou a vocação na vida policial. Depois de cursar a Academia do Barro Branco, onde se formou em nono lugar entre 140 cadetes, e de cumprir seis meses de estágio supervisionado, assumiu o comando de quarenta PMs, que fazem a patrulha na Zona Oeste em doze viaturas e dez bicicletas. Costumam circular perto dos barzinhos da Vila Madalena ou da Avenida Brigadeiro Faria Lima. Também colocam ordem na saída de jogos e de shows nos estádios. Apesar do corpão e dos cabelos loiros ao estilo Gisele Bündchen, Fernanda jura que jamais levou uma cantada durante o serviço. E avisa: “De coque, boné e farda ninguém me reconhece”.
Aqui como em vários países, a incorporação das mulheres à polícia tem sido associada a um atendimento mais sensível à população. Nesse contexto, destaca-se a Delegacia da Mulher, criada em 1985. A partir dessa experiência, sugiram as divisões especializadas de proteção à testemunha, de crime contra a criança e de investigações de denúncias envolvendo preconceitos racial, sexual e entre torcedores de futebol. Márcia Ruiz é representante típica dessa nova geração. Titular da 1ª Delegacia da Divisão de Proteção à Pessoa do Departamento de Homicídios, ela tem trabalhado em investigações acerca de tráfico de mulheres para a prostituição. Também se integrou à área acadêmica da polícia. Márcia ensina aos novatos noções de etiqueta, cerimonial, liderança e comunicação com a imprensa. “Quero ajudar a desenvolver uma imagem positiva da polícia”, afirma. Seu grande desafio – comum ao de todas as mulheres da corporação – é conquistar mais vagas, patentes altas e a confiança da população. Sem deixar de ser femininas.
Quem são elas
Abaixo, o perfil das mulheres que trabalham nas polícias militar, civil e científica
• 43% são solteiras; 36%, casadas; e 21%, separadas ou viúvas
• 53% têm filhos
• 57% possuem diploma de curso superior
• 71% são católicas
• O salário (sem gratificações) varia de 2 000 a 6 650 reais
• Na Polícia Militar, apenas 3,6% das mulheres passaram pela Academia do Barro Branco e podem alcançar a patente máxima de coronel. As outras 96,4% entraram como soldado; e vão chegar, no máximo, a subtenente
• Na Polícia Civil, metade delas trabalha como telefonista ou escrivã