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Como vivem os monges que hospedarão o papa em São Paulo

São 35 beneditinos que se preparam para receber Bento XVI no Mosteiro de São Bento

Por Edison Veiga
Atualizado em 6 dez 2016, 09h04 - Publicado em 18 set 2009, 20h34

São 5h05 da manhã e no centro da cidade ainda não se ouve aquela barulheira que costuma acompanhar o despertar do dia. Nas mãos de um monge, o sino badala pelo claustro do Mosteiro de São Bento, no largo de mesmo nome, para acordar os outros 34 religiosos que moram ali. Eles estarão a postos em 25 minutos no altar da ainda fechada Basílica de Nossa Senhora da Assunção, onde irão entoar o Ofício Divino, primeira das cinco orações do gênero celebradas dia após dia. O ritual, sem trocadilho, se repete religiosamente desde 1598, quando a ordem beneditina chegou a São Paulo. Essa rotina figura entre as orientações contidas nos 73 capítulos da Regra de São Bento, conjunto de normas cuja autoria é atribuída ao santo católico que viveu entre os anos 480 e 550. Na última Quarta-Feira de Cinzas, quando o abade Mathias Tolentino Braga, autoridade máxima da comunidade, conduziu a tradicional reunião com as recomendações para a Quaresma, um assunto especial esteve em pauta: a visita que o papa Bento XVI fará à cidade, entre 9 e 11 de maio. Toda a comitiva, formada pelo pontífice e por outros doze religiosos, ficará hospedada no mosteiro. “Sempre enxergamos no hóspede a figura de Cristo”, explica o abade. “Em se tratando do papa, essa relação é ainda maior.” Tradicionalmente, os monges deixam seis quartos reservados para eventuais visitantes. “Por razões de segurança e de espaço, não temos como acolher qualquer um”, conta o monge João Evangelista Kovas, prior do mosteiro – uma espécie de vice-abade. “Assim, quem passa por aqui é, em geral, religioso. E traz cartas de recomendação de padres ou bispos.” Por ano, cerca de 300 pessoas hospedam-se no Mosteiro de São Bento. A visita papal apressou reformas que estavam previstas para os próximos anos. Algumas celas, quartos despojados que servem de aposento aos monges, serão repintadas, e os dois jardins do claustro deverão ganhar novo paisagismo. “Tudo precisa estar impecável”, diz o prior Kovas. Bento XVI ficará em um quarto de 20 metros quadrados e terá, à sua disposição, um escritório com acesso à internet, uma sala de reuniões e uma pequena capela para celebrar missas particulares. Como ali será o local de descanso para a intensa programação do papa, a recomendação é que ninguém o aborde pessoalmente. O abade Braga sugeriu também que todos os monges lessem a encíclica Deus É Amor, que Bento XVI publicou no Natal de 2005. Obras de arte, danificadas pela poluição e pela fumaça de incenso e velas, estão sendo recuperadas pela restauradora Nilva Calixto, desde julho hospedada no mosteiro com dois assistentes, um deles seu marido. Dormem em celas separadas. Desde 1991, quando prestou seus primeiros serviços aos monges, ela se tornou a responsável pela manutenção do acervo beneditino. É um caso raro em que se permite a entrada de uma mulher no claustro. “Procuro só fazer os trajetos necessários aqui dentro”, diz Nilva. Tombada em 1992 pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental (Conpresp), a construção atual do mosteiro foi erguida de 1910 a 1914. É um projeto do arquiteto alemão Richard Berndl. No alto de suas duas torres, seis sinos repicam. O maior deles pesa 5,5 toneladas e tem quase 2 metros de altura. Esculpida pelo artista Heinrich Waderé, também da Alemanha, há uma imagem de bronze de São Bento em cima do portal de entrada. Mas as maiores atrações estão no interior. No teto da nave central, por exemplo, foram retratados três episódios da vida do santo. À esquerda de quem entra, fica um enorme órgão alemão com 7 000 tubos. O altar principal foi confeccionado com granito polido do Lago Maggiore, na Itália. E o baldaquino, de mármore branco de Carrara, sustenta-se por quatro colunas de pórfiro vermelho da Sibéria, com capitéis de bronze. Para marcar a visita do papa, a padaria do mosteiro criou um bolo especial. Beneditino há doze anos, o monge-confeiteiro Bernardo Schuler, responsável pela produção dos setenta pães e cinqüenta bolos vendidos diariamente, decidiu inovar a fórmula do sazonal bolo pascal deste ano. “Providenciei uma receita alemã e, desta vez, a última fornada não será no domingo de Páscoa, mas sim no mês de maio”, diz ele, que no trabalho é auxiliado por outros três religiosos. E será que Bento XVI vai aprovar o bolo? “É feito para pessoas com paladar refinado”, afirma. “Mas, se os outros deram certo, não tem como esse não ficar bom.” No estoque fixo da loja há três tipos de bolo (de 35 a 40 reais) e três de pão (o de mel sai por 5 reais, o de mandioquinha, por 10 e o integral, por 15). Segundo os monges, quase todo dia aparece por lá gente que se diz interessada em abraçar a ordem. Somente quatro pessoas foram aceitas no ano passado. “Um dos irmãos é designado para acompanhar o candidato, saber mais sobre sua vida e ajudá-lo a ter certeza da aptidão para a vida monástica”, conta Kovas. Essa primeira etapa leva por volta de oito meses. Quem é admitido se torna postulante. Passa a vestir uma túnica simples e, durante seis meses, participa das atividades da comunidade. Após esse período, retorna para casa por uma semana, a fim de refletir se pretende ou não permanecer no mosteiro. Se decidir que sim, é acolhido como noviço e, em um ritual chamado de “vestição”, recebe o capuz e o cinto monásticos. O noviciado dura dois anos, durante os quais ele estará proibido de sair da clausura. “Tornar-se monge é uma decisão muito solitária, que, em geral, as famílias não recebem bem”, afirma Eduardo Uchôa Fagundes Júnior, monge há onze anos. “Minha mãe só chorava, não sabia se era de tristeza ou de felicidade”, lembra Bento Gartner, que está no mosteiro desde 2000. Concluído o tempo de noviciado, se desejar continuar a vida ascética, o religioso pede ao abade para se tornar um professo simples. São mais três anos de oração e estudos, ao fim dos quais fará os votos perpétuos. Antes, é submetido a uma votação da comunidade e, para ser aceito definitivamente no grupo, precisa ter a aprovação de 75% dos membros. “Analisamos o conjunto da vida dele”, diz Kovas. “Afinal, a gente percebe se ele pegou bem o espírito da coisa.” Assim que entra no noviciado, o monge adota outra identidade. “Trocar o nome significa mudar de vida, assumir uma missão”, afirma João Evangelista Kovas, ou Alexandre, no RG. O noviço faz uma lista com três sugestões e a submete à escolha do abade. No que foi considerado uma honra, o monge Ademir Gartner passou a ser chamado de Bento. É que ele nasceu em 11 de julho, data da festa do santo que criou a ordem. Todos os pertences do novo monge que ingressa no mosteiro são integrados à comunidade monástica. “Nós, como pessoa física, não temos sequer conta em banco”, diz o prior. “E se, por ventura, recebermos uma herança, a mesma passa para o mosteiro.” Foi assim, e por meio de doações, que o patrimônio dos beneditinos engordou consideravelmente desde a sua instalação, em julho de 1598, em um terreno entre as águas dos rios Anhangabaú e Tamanduateí. Atualmente, pertencem a eles um edifício comercial de dezessete andares a menos de 100 metros da abadia, seis escritórios nas avenidas Paulista e Brigadeiro Faria Lima e uma fazenda de 400 alqueires no município de Mogi das Cruzes. A renda obtida com esses imóveis se soma aos lucros com o colégio e a faculdade anexos ao mosteiro para manter os religiosos e pagar os seus 150 funcionários – professores, seguranças, secretárias e telefonistas, entre outros. Mas os beneditinos não revelam as cifras de seu orçamento nem quanto ganham com a venda de bolos e pães.

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