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Quarentena afeta vida sexual de paulistano; venda de vibradores triplicou

Da internet à sala de casa, como isolamento social alterou o comportamento sexual, a rotina dos solteiros e o convívio de casais

Por Humberto Abdo, Fernanda Campos Almeida, Juliene Moretti e Pedro Carvalho
Atualizado em 27 Maio 2024, 18h19 - Publicado em 8 Maio 2020, 06h00
Maisa, dona de sex shop, vendeu 800 vibradores em abril (Rogério Pallatta/Veja SP)
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Fica em casa… E manda nudes. Em Nova York, foi essa a recomendação de um comunicado compartilhado pelo departamento de saúde da prefeitura. A cartilha do sexo na quarentena sugere substituir encontros com parceiros sexuais por salas de bate-papo, mensagens picantes e vídeos. “A masturbação não espalhará Covid-19, principalmente se você lavar as mãos com água e sabão”, orienta o texto. “Você é seu parceiro sexual mais seguro.”

Por aqui, a hora também é de redescoberta do sexo solitário. O isolamento é um bom momento para explorar novidades, acredita o terapeuta tântrico Mukto. “Não sabemos o que será o novo normal depois, mas antes da pandemia muita gente reclamava de falta de tempo”, aponta. “Agora tem menos essa desculpa.” Tanto para casais como para quem está sozinho, Mukto recomenda sessões de tantra com um especialista. “É uma aula para a expansão da energia sexual em todo o corpo, não focada só no genital”, descreve. O exercício, uma espécie de “toque guiado”, dura cerca de uma hora. Com uma seleção de músicas, o profissional conduz a prática em vídeo e dá orientações para explorar sensações pelo corpo. “As pessoas têm uma ideia errada do tantra, acham que é só sexual”, opina a massoterapeuta Julia Facincani, que começou a praticar no início do ano. “Mas tem uma questão de autocuidado, uma gentileza com o corpo. Sente-se prazer onde não se sentia antes, onde nem imaginaria sentir.”

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Massoterapeuta recomenda o tantra para praticar o autoconhecimento (Arquivo pessoal/Veja SP)

O designer Fábio B., 38, e a professora Cristina C., 35 (eles preferem não revelar o sobrenome), namoram há três anos. Fábio foi a Ribeirão Preto para cuidar da mãe, de 72 anos, que mora sozinha, no início da quarentena. Planejou ficar lá até 7 de abril, mas acabou não voltando e o casal não se viu mais. Encontraram uma maneira de se relacionar sexualmente a distância. “Combinamos encontros via chamada de vídeo com masturbação simultânea. Começamos com conversas quentes e evoluiu para o autotoque. É um prazer diferente, que nunca teríamos tentado se não fosse a pandemia”, diz Cristina.

“Muitos têm vivido relações virtuais, chamadas de vídeo em que cada um se toca no seu canto”, pontua Thais Plaza, terapeuta sexual e criadora do canal Se Toca, no YouTube. “Este é um bom momento para se reconectar com o próprio corpo e parar para conhecê-lo melhor”, incentiva. “O grande legado que a quarentena vai deixar no comportamento sexual das pessoas é essa atenção para o ‘estar presente’, estar mais conectado com o agora”, aposta Thais. “Esse é o convite feito pelo isolamento social: desacelerar o externo para pensar melhor em tudo o que ocorre internamente.”

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Para a psicoterapeuta de casais Célia Horta, alguns pares estão tendo mais intimidade, pois existe uma dedicação maior ao parceiro neste momento. “Quando você joga em excesso a energia para outras coisas da sua vida, deixa de olhar para o próprio relacionamento.”

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Na segurança de casa, sites de conteúdo adulto viram a audiência disparar com o início da quarentena no país. Entre os dias 16 e 25 de março, o nacional Sexy Hot registrou crescimento de mais de 450% no número de novos usuários. No Pornhub, as visualizações cresceram ainda mais após o site liberar acesso a conteúdos premium para encorajar os usuários a “ficar em casa e ajudar a achatar a curva” de transmissão do vírus. No OnlyFans, serviço de assinatura para fotos e vídeos explícitos, modelos cadastrados no site também prosperam. Para Renata Chagas, 24, a venda de fotos e vídeos é sua única fonte de renda. “Eu que escolho o valor, posso fazer promoções e vendo pacotes de fotos”, detalha. Além do OnlyFans, ela faz parte do SuicideGirls, rede social dedicada a modelos do sexo feminino com tatuagens, piercings e cabelos coloridos. Modelo desde os 18 anos, Renata passou a integrar o site aos 22 e descobriu o OnlyFans mais tarde. Hoje a plataforma compõe boa parte de seu faturamento, que varia de 300 a 500 reais por semana. “O que mais vendo são os conteúdos caseiros.”

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Renata: fotos e vídeos sensuais em sites para assinantes (Henrique Rodrigues/Veja SP)

Sem a renda mensal que recebia pelas aulas de ioga, o instrutor Lino Lee, 35, decidiu criar um perfil na plataforma. “Joguei todo meu acervo de ensaios nus e alguns vídeos de sacanagem”, conta. Com a assinatura mensal de 13 dólares, Lee já recebeu o primeiro pagamento de 100 dólares, valor mínimo para transferências internacionais. “Com o dólar alto, dá uma grana boa”, comemora. Além da ioga tradicional, ele ensina nude ioga, modalidade praticada sem nenhuma roupa. “A intenção é se conectar com o nu sem sexualizar e cortar bar- reiras que envolvam a nudez”, resume. Na quarentena, a história é outra. “As pessoas parecem se excitar com qualquer imagem”, nota. “Pela falta de contato físico, agora tudo é visual.”

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Sem as aulas de ioga, instrutor aposta em site de conteúdo adulto (Arquivo pessoal/Veja SP)
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Sem encontros ao vivo, os aplicativos de relacionamento também suprem a vontade de ter novas conexões. Para usuários do Tinder, o isolamento rendeu a experiência de paquerar pelo mundo todo. Um dos recursos pagos, o “passaporte” permite conhecer pessoas do app em qualquer cidade do planeta. Entre 27 de março e 4 de maio, a função passou a ser gratuita e São Paulo foi a metrópole que mais “viajou” usando a ferramenta.

Aline Oliveira, 20, é usuária do Badoo, um dos precursores dos sites de namoro. Durante a quarentena, ela percebeu maior disposição para manter conversas no app. “As pessoas estão mais receptivas e usam muito a pandemia para puxar assunto”, observa. Sem poder marcar encontros presenciais, Aline acredita que é comum criar laços de amizade neste período. “Há alguns anos fiz um amigo maravilhoso, que mora longe, e nos falamos até hoje.” Martha Agricola, diretora de marketing do Badoo no Brasil, identificou mudanças no comportamento dos usuários no país. “Aumentaram as conversas mais longas, daquelas que passam do ‘oi, tudo bem?’”, explica. E na semana de 1º de maio, segundo Martha, 21 000 usuários deletaram o Badoo por terem conhecido alguém. “Talvez surjam casos de pessoas que ainda não viram o namorado pessoalmente por causa da quarentena.”

A venda de produtos eróticos também está em alta. Maisa Pacheco, 46, proprietária de uma sex shop na Consolação, calcula ter vendido cerca de 800 vibradores em abril (comercializavam-se até 290 em um bom mês). Além das vendas on-line, Maisa começou a atender clientes com hora marcada na semana, das 11 às 15 horas, e desenvolveu uma plataforma por assinatura onde publica tutoriais que ensinam a usar os brinquedos da loja. “Ainda mais agora na quarentena, a gente tem de gozar mesmo”, brinca. Natali Gutierrez, 29, fundadora da loja virtual Dona Coelha, percebeu seu ritmo de trabalho com o sócio, Renan de Paula, aumentar muito. “Temos de chegar mais cedo e sair mais tarde para dar conta dos pedidos”, diz. Desde o início da quarentena, em relação ao mesmo período no ano passado, o comércio teve crescimento de 457%. Com foco em produtos femininos, os sugadores clitorianos e vibradores para casais estão entre os mais vendidos.

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Renan e Natali: mais horas de trabalho com sex shop on-line (Alexandre Battibugli/Veja SP)
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Significado de redescoberta do prazer para alguns, a quarentena também pode fazer aflorar problemas. Para alguns relacionamentos, o confinamento vivido por casais e familiares pode ser insustentável. A psicóloga Pamela Magalhães explica que quem vive na mesma casa está entrando em conflito porque não há mais distrações. “Não tem mais barzinho com os amigos e viagens de negócios que ajudam a colocar dilemas para baixo do tapete”, exemplifica. As maiores dificuldades estão na falta de comunicação, na diminuição da libido e no afastamento que já existia antes da quarentena.

Casada há trinta anos e mãe de quatro filhos, uma psicóloga que prefere não ser identificada começou a fazer terapia individual, de casal e de família por chamada de vídeo, ao mesmo tempo, desde o começo da quarentena. O tratamento tem dado bons resultados. Os seis integrantes estão aprendendo a interagir de forma equilibrada e a lidar com questões familiares negligenciadas. Algumas atitudes, segundo especialistas, podem melhorar o convívio, como pensar no presente e não procurar grandes soluções. “Busque pequenas ações para o relacionamento, como respeitar a individualidade do outro”, aconselha a psicóloga Denise Pará Diniz, da Unifesp. Outra dica é desenvolver a habilidade de ficar sozinho e reconhecer a ação do outro. “É importante olhar para o que o outro está conseguindo fazer e não apenas apontar o que não é feito”, acrescenta a psicoterapeuta Célia Horta.

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(Veja SP/Veja SP)

Mas nem sempre tem jeito. Antes da quarentena, Fernando Ferraresso Filho, 27, e Anna Luisa Astolfi, 25, já demonstravam insatisfações, que afloraram com a presença física constante. “Duas coisas acabam com o relacionamento: a distância e a falta dela”, argumenta Fernando. Mesmo vivendo juntos, os dois admitem que se afastaram emocionalmente. “Eu comecei a me sentir sozinha, menos desejada e amada e repensei se era isso que queria para minha vida”, lamenta Anna. O ex-casal concorda que o término era inevitável, mas a quarentena adiantou o processo. “Ao mesmo tempo que me sinto chateada de acelerar o término, também me sinto aliviada. Quanto tempo eu iria demorar pra perceber que eu não queria estar naquele relacionamento?” Gabriela Santos Bandeira, 23, morava havia um ano com o namorado Giuseppe, de quem se separou após o confinamento. A estudante de moda, que antes passava o dia inteiro fora, teve de ficar em casa após perder o emprego. De personalidades opostas, o ex-casal discutia sempre. “Nunca tínhamos passado tanto tempo juntos. Não houve problemas novos, a quarentena só intensificou os que já existiam.”

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Fernando e Anna: dificuldades de relacionamento aumentaram durante a quarentena (Rogério Pallatta/Veja SP)

“É uma sensação de instabilidade muito grande. Tem a parte física, a insegurança em relação à saúde, não apenas da pessoa, mas também dos familiares, amigos, entre outros. Tem a instabilidade relacional, porque se sofre com a readaptação muito grande dentro de casa, e a instabilidade financeira e do trabalho. As tensões geradas por isso normalmente já são descarregadas nas relações mais íntimas e profundas, no caso parceiros e filhos. Perde-se o filtro, já que a pessoa pode ser quem é. Perde-se a cerimônia. O espaço físico pode ser simbólico também, já que há a impossibilidade da solitude — diferente de solidão”, diz Célia.

Pela cidade, no ramo dos motéis, que assim como os hotéis tiveram permissão para seguir abertos desde o início oficial da quarentena, o faturamento caiu. A queda no movimento é menor nas periferias, onde moradores têm aderido menos ao confinamento. “Em nossa unidade de Itaquera, tivemos uma baixa de 34% nas receitas em abril, em comparação com o mesmo mês do ano passado. Na unidade do Tatuapé, uma região mais de classe média, a redução foi de 68%”, afirma Jefferson Ferreira, 43, empresário do setor. Após notícias de que motéis da cidade tinham recebido festas de grupos, Jefferson tomou a medida de não alugar quartos a mais de duas pessoas, para evitar aglomerações nas hospedagens.

Em pontos de prostituição de rua de São Paulo, os atendimentos não pararam. “Nas duas primeiras semanas, diminuiu o número de meninas na região. “Eu faturava até 1 000 reais por dia, porque o fluxo de clientes nunca baixou”, revela Cris, 27, que fazia ponto perto da USP, no Butantã, na noite da última segunda- feira (4). A reportagem presenciou pelo menos vinte profissionais e um intenso vai e vem de veículos no local. “Depois que a quarentena foi estendida, parece que o pessoal ‘desencanou’. As meninas voltaram e o faturamento passou a ser como antes (da pandemia), por volta de 200 reais por dia”, ela conta. A irmã de Cris, uma enfermeira de 35 anos, morreu de Covid-19 em abril. “Tenho medo de me contaminar, mas me cuido: só entro nos carros de máscara e sempre que chego a um motel ou drive- in desinfeto as superfícies com álcool em gel.”

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Cris, que mantém a rotina de programas (Reprodução/Veja SP)

Publicado em VEJA SÃO PAULO de 13 de maio de 2020, edição nº 2686.

 

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